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Solução de pagamentos via WhatsApp: Onde estão os potenciais problemas concorrenciais?

Diante desse novo cenário, como fica o direito da concorrência? Será que a legislação atual é capaz de dar conta dessas alterações tão drásticas? Nada mais oportuno que a análise da operação de parceria assinada entre o Facebook Inc. e a Cielo S.A para demonstrar os limites da legislação atual a respeito do tema.

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Atualizado às 12:11

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O anúncio do acordo entre Facebook Inc. e Cielo S.A para instituir um novo meio de pagamento instantâneo, via WhatsApp, reacendeu a preocupação em como as autoridades antitrustes do mundo devem tratar as operações envolvendo as Big Techs (mercados digitais).

Se de um lado, na semana passada, o Banco Central do Brasil (BCB) determinou a suspensão do início dessas atividades para avaliar os riscos da operação no âmbito do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e de sua adequabilidade à nova plataforma de pagamentos instantâneos (PIX) que será lançada em novembro desse ano, por outro lado, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) igualmente demonstrou preocupação com os potenciais efeitos lesivos à concorrência, determinando no dia 23.06.20, por medida cautelar, a suspensão integral da operação no Brasil (denúncia de Ato de Concentração 08700.002871/2020-34)1. Tal medida cautelar foi reconsiderada 7 (sete) dias depois (30.06.20), após as partes trazerem aos autos argumentos atinentes à ausência de exclusividade na parceria (inexistência de um sistema fechado de pagamentos), dentre outros2. Não obstante isso, foi determinada a continuidade da apuração da denúncia, a fim de se averiguar se a operação deveria ou não ser notificada ao CADE ou se teria havido a prática de gun jumping.

Assim como as Fintechs trouxeram um novo normal para o sistema bancário tradicional, diminuindo custos e facilitando a abertura de contas e acesso à créditos, o novo sistema de pagamentos instantâneo também pretende deixar para trás os costumeiros TEDs e DOCs, custosos e lentos na transferência de recursos.

Diante desse novo cenário, como fica o direito da concorrência? Será que a legislação atual é capaz de dar conta dessas alterações tão drásticas? Nada mais oportuno que a análise da operação de parceria assinada entre o Facebook Inc. e a Cielo S.A para demonstrar os limites da legislação atual a respeito do tema.

A operação de parceria entre Facebook Inc. e Cielo S.A visa a constituir um meio de pagamento onde os usuários do WhatsApp poderão realizar as suas operações por meio dessas plataformas, devendo-se considerar que até o presente momento somente o Banco do Brasil, o NuBank e o Sicredi aderiram a esse acordo, além de levar em conta que a credenciadora Cielo possui participação do Banco do Brasil e do Bradesco e será a responsável, ao menos, à princípio, por conectar eletronicamente o comprador ao vendedor.

Prima facie, o sistema proposto pelo Facebook Inc. e pela Cielo S.A possui uma série de substitutos no mercado relevante de sistema de pagamentos. Os bancos tradicionais, que são detentores de grande massa de clientes, e as Fintechs, inovadoras no mercado bancário digital, estão conectados às credenciadoras de cartões do mercado e os seus clientes utilizam a plataforma do banco e das credenciadoras para fazerem os seus pagamentos de forma digital e segura.

O sistema wallet e os cartões digitais são exemplos de substitutos ao sistema proposto pelas razões mencionadas anteriormente. Ademais, é importante considerar que as transações de pagamentos realizadas por meio do WhatsApp serão implementadas pelos usuários que, também serão correntistas dos bancos.

Não tivesse o WhatsApp cerca de 120 milhões de usuários no mercado de mensagens digitais e não fosse a Cielo detentora de 41% do mercado de credenciadoras de cartões de crédito3, a análise concorrencial não deveria encontrar óbices por parte da autoridade concorrencial brasileira, tendo em vista que a existência de inovações financeiras aumentaria a oferta de possibilidades para realizar as transações comerciais, com redução nos custos para os consumidores finais e aumento na qualidade da prestação do serviço.

No entanto, com as participações de mercado mencionadas e considerando se tratar de uma relação vertical entre o Facebook Inc. e a Cielo S.A, o mercado de credenciadoras de cartões de crédito poderá ficar suscetível a imposição da restrição vertical mais danosa a concorrência, que é o fechamento de mercado do mercado de meios de pagamento para as credenciadoras.

O fechamento de mercado é uma das práticas verticais mais cruéis e é considerada infração à ordem econômica, pois impede o acesso de concorrentes às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia4, criando dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços5.

No caso em comento, o insumo básico para as que empresas credenciadoras de cartões de crédito existam é o indivíduo que possui conta bancária e que realiza operações de compras por meio magnético. Por outro lado, a natureza contratual a ser estabelecida entre o Facebook Inc. e a Cielo S.A garante a essa última o acesso total aos usuários do WhatsApp.

Afora a questão regulatória que deve ser sanada com a inserção do sistema a ser criado pela parceria das empresas no sistema de pagamentos regulado pelo Bacen (PIX), a questão concorrencial, que tem a sua potencialidade negativa no mercado de credenciadoras de cartões, deve ser sanada por meio do acesso de todas as empresas credenciadoras que assim desejarem a rede de usuários do WhatsApp, não podendo haver qualquer exclusividade.

Conquanto o WhatsApp não seja uma essential facility, vez que o sistema de mensagens não se constituiu em infraestrutura stricto sensu, a elevada participação de mercado gera efeitos em rede compatíveis com o fechamento de mercado para as credenciadoras que não tenham acesso aos usuários do WhatsApp.

Portanto, ao permitir que todas as credenciadoras tenham acesso aos usuários evita-se o fechamento de mercado e, ao contrário do que se possa imaginar, deverá contribuir para que haja concorrência entre as credenciadoras com redução de custos para os consumidores, estando a legislação antitruste brasileira apta a analisar essa operação, na medida em que os instrumentos de análise de controle de estruturas são os mesmos e estão devidamente consagrados na literatura.

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1 Nota Técnica 6/2020/SG-TRIAGEM AC/SGA1/SG/CADE (SEI 0770967) e Despacho SG 672/2020 (SEI 0771106, de 23.06.20) proferidos nos autos da Apuração de Ato de Concentração 08700.002871/2020-34.

2 Nota Técnica 7/2020/SG-TRIAGEM AC/SGA1/SG/CADE (SEI nº. ) e Despacho SG 684/2020 (SEI 0772937, de 30.06.20) proferidos nos autos da Apuração de Ato de Concentração 08700.002871/2020-34.

3 Segundo informações contidas no Requerimento de TCC 08700.005212/2018-35 (Inquérito Administrativo 08700.001860/2016-51), a Cielo possui 41% de participação de mercado, a frente da Rede com 26%, GetNet 14% e Outras 19%. O TCC foi firmado com o objetivo de cessar as práticas de discriminação e criação de dificuldades para o funcionamento de credenciadoras concorrentes por parte da Cielo. Há outros casos nos quais a Cielo figura como investigada, indicando, a priori, que a referida empresa utiliza de sua posição para ao menos dificultar a livre concorrência no mercado de credenciamento.

4 Inciso V do par. 3º do art. 36 da lei 12.529/11.

5 Inciso IV do par. 3º do art. 36 da lei 12.529/11

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t*Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça é sócia do Mendonça Advocacia.






t*Elvino de Carvalho Mendonça
é consultor Econômico do Mendonça Advocacia.

 

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