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A advocacia mineira em tempos de covid-19

Há comarcas nas quais a implantação do processo eletrônico é recente, de modo que o acervo de tais processos é ínfimo, comparado com o acervo dos processos físicos. Há comarcas nas quais todas as atividades usuais (comércio, serviços, etc) já retornaram, em razão de baixíssimos índices de infecção do covid-19, em contraposição ao funcionamento da Justiça.

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Atualizado às 11:46

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O mundo se surpreendeu com a pandemia do covid-19 e suas consequências trágicas, com milhares de mortos, milhões de infectados e um cenário de incerteza quanto ao futuro da economia, do emprego e da própria humanidade.

Dado o ineditismo da situação, é prematuro qualquer posicionamento definitivo sobre os melhores caminhos a adotar no enfrentamento ao vírus e exatamente em razão dessa circunstância, recomenda-se a prudência, adotando-se as recomendações das autoridades públicas da saúde.

Em razão da pandemia, no âmbito de Minas Gerais, ocorreu a suspensão do expediente e de todos os prazos decorrentes de processos físicos e eletrônicos, isso ainda em meados de março, com a posterior volta da fluência dos prazos dos processos eletrônicos, mantida a suspensão dos prazos processuais de processos físicos, que agora foi prorrogada até, pelo menos, 15 de julho, quando se completarão quatro meses de paralisação do andamento de tais processos.

É preciso alertar, inclusive, que a marcha processual nos feitos eletrônicos não é, nem será, completa, já que há impossibilidade ou manifesta dificuldade para a designação de audiências, iguais óbices no cumprimento de mandados e realização de estudos por assistentes sociais e psicólogos.

As Minas Gerais são muitas. Há comarcas nas quais a implantação do processo eletrônico é recente, de modo que o acervo de tais processos é ínfimo, comparado com o acervo dos processos físicos. Há comarcas nas quais todas as atividades usuais (comércio, serviços, etc) já retornaram, em razão de baixíssimos índices de infecção do covid-19, em contraposição ao funcionamento da Justiça.

Não se deseja o retorno apressado e irresponsável das atividades usuais da Justiça mineira. Ao contrário, o desejo é que as atividades possam retornar com a observância aos protocolos recomendados pelas autoridades competentes, respeitando-se o distanciamento mínimo, uso de máscaras e adoção de medidas de higiene.

Infelizmente, nos três meses de paralisação dos prazos processuais de processos físicos, a OAB-MG não tomou conhecimento de nenhuma ação adotada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais no sentido de aparelhar as comarcas da 1ª instância com equipamentos necessários para o retorno gradual das atividades, ou seja, com a instalação de painéis de acrílico nos pontos de atendimento a usuários externos, distribuição de pontos de álcool em gel, treinamento específico dos servidores, marcação de distância mínima, por exemplo.

Lado outro, por iniciativa própria, vários magistrados do Estado ajustaram em comunhão com a OAB-MG, medidas que facilitaram o acesso dos advogados aos autos de processos físicos que, a despeito da suspensão dos prazos, mereceram a prolação de decisões judiciais, tudo isso a se evitar um acúmulo absurdo de prazos a serem cumpridos pelos advogados e uma aglomeração de pessoas nos fóruns quando do desejado retorno.

Chamou especial atenção, em aspecto negativo, a divulgação da prorrogação da suspensão dos prazos processuais de processos físicos, ao fundamento de necessidade de preservação da saúde dos operadores do Direito, quando o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por sua atual Diretoria, está inaugurando diversas obras de construção e/ou reformas de Fóruns, no interior, com ampla divulgação de notícias, nas quais é possível vislumbrar o manifesto desrespeito ao distanciamento mínimo e ao uso de máscaras, inclusive com a aglomeração de pessoas, algumas delas do grupo de risco pela idade. Igualmente incompreensível, a divulgação que a nova Diretoria do TJMG será empossada em evento solene, no famoso Palácio das Artes, com milhares de convidados.

Aliás, a própria nova Diretoria do TJMG, que em breve será empossada, foi eleita em sessão presencial, com o maciço comparecimento dos desembargadores, tudo durante o período da pandemia. Isolamento e distanciamento social não podem ser seletivos, como se o contato presencial entre magistrados fosse liberado, mas o contato deles com os jurisdicionados fosse vedado.

A OAB-MG, atenta aos anseios dos advogados, tentou, por diversas vezes, contato com o Tribunal de Justiça, em busca do diálogo, para a construção de um caminho de consenso, que privilegiasse a atividade jurisdicional em sua plenitude, respeitados critérios científicos de proteção à saúde. Há experiências positivas que deveriam ser privilegiadas, inclusive no sentido de se preparar uma etapa de transição, já ciente a OAB-MG que a nova realidade que se avizinha não permitirá o simples retorno às atividades judiciais, nos moldes anteriores.

Não se questiona a produtividade dos juízes, tampouco o direito de receberem sua remuneração rigorosamente em dia ou mesmo o direito de preservarem sua saúde.

A OAB-MG apenas deseja coerência e paridade, ou seja, que a paralisação das atividades não seja um instrumento para que o acervo descomunal de processos paralisados seja colocado em dia pelos magistrados, em detrimento do cidadão que anseia por Justiça e da sobrevivência do advogado, aqui homenageado o dativo, que, a despeito de literalmente fazer a Justiça funcionar, não recebe seus merecidos honorários, direito desrespeitado reiteradamente pelo Estado de Minas Gerais.

O advogado é essencial à Justiça e assim deve ser considerado, ouvido e respeitado. É o que se espera. POR JUSTIÇA.

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*Raimundo Cândido Júnior é presidente da OAB-MG.

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