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Nota sobre o veto ao artigo 16 do novo marco legal do saneamento

Diante da polêmica sobre o veto ao artigo 16 da lei 14.026, de 15 de julho de 2020, importa observar que a norma não tem relevância nem para a prorrogação dos contratos de programa das companhias estatais de saneamento nem para a privatização destas.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Atualizado às 08:39

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1. Abrangência do artigo 16

"Art. 16. Os contratos de programa vigentes e as situações de fato de prestação dos serviços públicos de saneamento básico por empresa pública ou sociedade de economia mista, assim consideradas aquelas em que tal prestação ocorra sem a assinatura, a qualquer tempo, de contrato de programa, ou cuja vigência esteja expirada, poderão ser reconhecidas como contratos de programa e formalizadas ou renovados mediante acordo entre as partes, até 31 de março de 2022.

Parágrafo único. Os contratos reconhecidos e os renovados terão prazo máximo de vigência de 30 (trinta) anos e deverão conter, expressamente, sob pena de nulidade, as cláusulas essenciais previstas no art. 10-A e a comprovação prevista no art.10-B da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, sendo absolutamente vedada nova prorrogação ou adição de vigência contratual." 

O texto previa possibilidade de, até 31 de março de 2022, as estatais de saneamento negociarem com os municípios acordo para alterar seus respectivos contratos de programa a fim de atenderem os novos artigos 10-A e 10-B da lei 11.445/07, respeitado o prazo máximo de 30 (trinta) anos para prorrogação de referidos contratos.

Ou seja, a prorrogação não seria (I) nem obrigatória, por pressupor acordo entre as partes, (II) nem automática, por depender da comprovação da capacidade econômico-financeira da companhia estatal de universalizar os serviços até 31 de dezembro de 2033 (artigo 10-B da lei 11.445/07), (III) nem, necessariamente, pelo prazo de 30 (trinta) anos, o qual foi indicado como máximo e não como predefinido.

2. Impacto do veto do artigo 16 nos contratos de programa

Dessa forma, o impacto do veto do artigo 16 nos contratos de programa ou é nulo ou é positivo.

Vale esclarecer que o debate não ocorre em torno da vigência dessas avenças, preservadas nos termos da nova redação do artigo 10, § 3°, da lei 11.445/07. A discussão refere-se a eventual prorrogação, que não está vedada na lei. Ao contrário, a prorrogação é esperada para viabilizar o cumprimento da meta de universalização do novo artigo 10-B, imposta pelo também novo artigo 11-B, §1° e §2°, desde que as estatais comprovem a necessária capacidade econômico-financeira. Desse modo, o artigo 16 em nada acrescentaria ao processo de extensão temporal dos contratos de programa, haja vista as outras normas a respeito.

Considere-se, ademais, que a meta de universalização pode exigir um prazo contratual superior ao limite previsto naquele artigo (prazo de universalização não se confunde com prazo do contrato), a depender do montante de recursos exigidos. Não é impossível pensar no caso de uma estatal que, mostrando-se capaz de cumprir a meta até 2033, precise de mais de 30 (trinta) anos para remunerar seus investimentos. Sob essa ótica, o veto ao artigo 16 é até positivo para os contratos de programa, por extirpar da lei a limitação à sua vigência.

3. Impacto do veto do artigo 16 na privatização das estatais de saneamento

Segundo o artigo 14 da lei 14.026/20, o ente público controlador da estatal de saneamento pode, por ocasião do processo de privatização desta, promover a conversão de contratos de programa em contratos de concessão. Há duas hipóteses: (I) conversão automática, independentemente de aceitação dos municípios, quando não houver qualquer alteração na avença em vigor, ou (II) conversão negociada com as entidades municipais, nos demais casos.

Na primeira hipótese, é fácil observar que o vetado artigo 16 não teria influência, pois não haveria prorrogação contratual. Na segunda hipótese, o texto também não apresentaria relevância porque a situação seria idêntica à da extensão temporal dos contratos de programa explicitada no item 2 supra: negociação com municípios para inclusão na avença das condições necessárias ao cumprimento da meta de universalização.

Assim, o veto ao artigo 16 não compromete a venda das estatais porque (I) os contratos desta que não sofrerem alterações continuam preservados e (II) os que forem alterados terão de ser negociados de qualquer forma com os municípios, não havendo garantia de sua manutenção. Aliás, na ausência de acordo, resultando na extinção antecipada dos contratos de programa, a estatal fará jus a indenização pelos investimentos já realizados e não amortizados (artigo 13, §1°, I, da lei 11.107/05, e artigo 36 da lei 8.987/95).

4. Conclusão: Ruído interpretativo

A confusão em torno da eliminação do artigo 16 da lei 14.026/20 decorre de um ruído interpretativo de enxergar nesse dispositivo a prorrogação obrigatória e automática dos contratos de programa, e pelo prazo de 30 (trinta) anos. Como visto acima, a prorrogação nele prevista dependia de (I) acordo com os municípios, (II) demonstração da capacidade econômico-financeira da estatal de universalizar os serviços até 2033 e (III) justificativa técnica para o novo prazo a ser pactuado (que poderia, inclusive, ser inferior ao limite estabelecido no texto vetado).

O novo artigo 11-B da lei 11.445/07, e o artigo 14 da lei 14.026/20 continuam a lastrear a possibilidade de prorrogação daquelas avenças, se as estatais comprovarem que têm condições de atender ao interesse público da universalização dos serviços. Portanto, o veto ao artigo 16 não as prejudica e, por consequência, não impacta as privatizações.

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*Kleber Luiz Zanchim é sócio de SABZ Advogados. Presidente da Comissão de Estudos de Saneamento do IASP.

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