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Sujeitos de direitos: adolescentes no sistema socioeducativo

Mayara Silva de Souza

Reconhecer adolescentes como sujeitos de direitos é não deixar que sejam responsabilizados de maneira exclusiva por suas ações como se não tivéssemos nenhum dever a ser cumprido, logo, como se não fossemos co-responsáveis enquanto sociedade.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Atualizado às 12:01

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Em uma sociedade em que classes, gêneros e cores provocam profundas desigualdades1, proteger infâncias e adolescências dever ser a ponte que atravessa o abismo social. Assegurar direitos fundamentais de crianças e adolescentes2, com absoluta prioridade, não se trata apenas de uma determinação legal, mas sim de uma obrigação moral, constitucional e solidária. Este é o projeto político e social proclamado pelo artigo 227 da CF, de 1988, e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990. E é este mesmo projeto que devemos reafirmar em 2020.

Isso significa defender que todas as pessoas, incluindo aquelas com menos de dezoito anos, são sujeitas de direito. Este é o primeiro passo para que meninas e meninos sejam de fato sujeitos de direito. Frente esse debate é necessário que haja maior informação e sensibilização sobre a situação da população adolescente do país, em especial àqueles a quem é atribuída a prática de atos infracionais3.

De acordo com a norma, as medidas socioeducativas4 são aplicadas às pessoas entre 12 e 18 anos5. Os dados apontam que em 2017, foram atendidos 143.3166 adolescentes em todo o país. As estatísticas destacam que, entre a população em privação e restrição de liberdade em 2017, 56% dos adolescentes e jovens, foram considerados pardos/negros; em 2014 eram 61% e, em 2016, eram 59%7.

É fundamental o reconhecimento que além de normas, dados e estatísticas são indispensáveis os aspectos social e histórico para que haja maior conhecimento e sensibilização sobre os direitos de adolescentes em atendimento socioeducativo8, direitos estes devem ser assegurados com absoluta prioridade e de maneira coletiva. Os dados e estatísticas do Sistema Socioeducativo estão relacionados de maneira direta com estes aspectos, uma vez que a sociedade brasileira tem sido construída ao longo de quinhentos anos na exclusão, submissão, apagamento e silenciamento da população negra, especialmente de crianças, adolescentes e jovens.

Apesar disso, precisamos juntos questionar na arena pública quais oportunidades são ofertadas para a população adolescente em atendimento socioeducativo. Mais ainda, reconhecer que sendo esta população majoritariamente negra, estamos falando de famílias e comunidades negras também restritas e privadas de direitos e de sonhos.

É preciso promover avanços, reconhecer que não é coincidência o fato de adolescentes negros serem a maioria no cumprimento de medidas restritivas e privativas o de liberdade e nomear as violências sofridas pela população negra desde a mais tenra idade, que se agrava ao passar dos anos. Assim, enquanto alguns ignoram ou pensam ser um debate distante das suas realidades, organizações e movimentos negros denunciam o racismo estrutural e o genocídio da população negra, que mata cada vez mais crianças e adolescentes.

Reconhecer adolescentes como sujeitos de direitos é não deixar que sejam responsabilizados de maneira exclusiva por suas ações como se não tivéssemos nenhum dever a ser cumprido, logo, como se não fossemos co-responsáveis enquanto sociedade.

Por mais importante que sejam, as normas, dados e estatísticas sozinhas não  asseguram direitos, portanto, precisamos fazer cumprir nosso dever coletivo de proteger e vigiar a situação de meninas e meninos em atendimento socioeducativo para que no próximo aniversário do ECA possamos, com mais conhecimento e sensibilidade, defender, proteger e assegurar direitos adolescentes no Sistema Socioeducativo com prioridade absoluta.

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1  Pesquisa Nós e as desigualdades 2019. Disponível em: Clique Aqui. Acesso em: 1/7/20.

2 Conforme artigo 2º, do ECA, considera-se criança a pessoa com até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

3 O artigo Art. 103, do ECA, considera ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

4 Conforme o artigo verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; e internação em estabelecimento educacional.

5  De acordo com o artigo 105, do ECA, sendo o ato infracional praticado por criança, serão aplicadas as medidas protetivas e não socioeducativas, que serão aplicadas exclusivamente para adolescentes.

6 O Levantamento Anual do Sinase de 2017 informa 26.109 adolescentes em meio fechado, cumprindo medidas restritivas e privativas de liberdade, e 117.207 adolescentes em meio aberto. Disponível em: Clique aqui.. Acesso em: 1.7.2020.

7 O Levantamento Anual do Sinase de 2017.

8 O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional.

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*Mayara Silva de Souza é advogada do programa Prioridade Absoluta, iniciativa do Instituto Alana.

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