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Obrigatoriedade das operadoras de planos de saúde custearem capacete de órtese craniana

Operadoras não podem negar o fornecimento de capacete para tratamento de braquicefalia e plagiocefalia.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Atualizado em 5 de agosto de 2020 07:33

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Infelizmente, corriqueiramente muitos recém-nascidos são diagnosticados com braquicefalia e plagiocefalia e, como isso, para que possa ocorrer a correção da assimetria craniana, os médicos prescrevem como forma de tratamento, a utilização de capacete de órtese craniana.

Por meio do aludido tratamento, será possível corrigir as alterações no formato do crânio de origem posicional (posição do bebê dentro do útero da mãe) e cranioestenoses (causadas pela fusão prematura de uma ou mais suturas cranianas).

A respeito do tema objeto e posto para discussão, durante muitos anos se discutiu sobre a obrigatoriedade das operadoras de planos de saúde em arcarem com este tipo de tratamento, inclusive quais tipos de planos de saúde (individual, familiar, empresarial ou coletivo por adesão) estariam abrangidos para receber este tipo de tratamento.

Por um lado, as operadoras de planos de saúde apresentavam e ainda continuam apresentando como argumento para sustentar a negativa de cobertura para este tratamento, que a órtese craniana não estaria incluída no rol da ANS e que não possuem rede credenciada apta para a realização do tratamento, razão pela qual, não estariam obrigadas em custeá-lo.

Por outro lado, os consumidores, por meio de seus advogados, refutam referida negativa, sobretudo com base no argumento de que (dentre outros) a saúde é um direito e uma garantia constitucional assegurado para todo e qualquer cidadão, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.

Me parece, por deveras abusiva, a negativa apresentada pelas operadoras, pois infringe o artigo 51, inciso IV e §1º, do CDC, que estabelece como "nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou equidade, presumindo-se exagerada a vantagem que restringe direitos ou garantias fundamentais, inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar o seu objeto ou o equilíbrio contratual".

Além disso, infringe também o entendimento jurisprudencial do C. STJ:

"(...) a ausência de determinado procedimento médico no rol da ANS não afasta o dever de cobertura por parte do plano de saúde, quando necessário ao tratamento de enfermidade objeto de cobertura pelo contrato". (AgInt no AREsp n. 1.353.908/BA, Min. Rel. MARCO BUZZI, Quarta Turma, j. 23/09/2019). 

"A falta de previsão de procedimento médico solicitado no rol da ANS não representa exclusão tática da cobertura contratual." (AgRg no AREsp 845.190/CE, Min. Rel. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, j. em 16/06/2016).

Da mesma forma, o Eg. TJ/SP segue essa linha intelectiva de raciocínio, no sentido de que rol da ANS é meramente exemplificativo: Apel. nº. 576.709.4/7-00, Des. Rel. Luiz Antônio de Godoy, 1ª Câmara Direito Privado; Apel. nº. 4005925-12.2013.8.26.0564, Des. Rel. Lucia Ramahole, 6ª Câmara de Direito Privado; Apel. nº. 654.415.4/3-00, Des. Rel. Percival Nogueira, 6ª Câmara de Direito Privado; Apel. nº. 0019016-09.2009, rel. Des. Roberto Solimene, 6a Câm.. Dir. Priv.

A propósito, referida negativa infringe as súmulas 96 e 102 do Eg. TJ/SP:

Súmula 96: Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento.

Súmula 102:  Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS".

A respeito do tema, recentíssima decisão proferida pelo Eg. TJ/SP:

APELAÇÃO CÍVEL PLANO DE SAU'DE - Segurado que apresenta braquicefalia e plagiocefalia posicional e que necessita de tratamento especifico - Recusa de cobertura - Abusividade - Inteligência da Sumula 102 deste E. Tribunal - Existência de indicação médica - Presente o dano moral indenizável-  Descumprimento contratual que em tese não enseja abalo moral indenizável, tendo sido evidenciada situação extremamente delicada no caso concreto, devendo se arbitrar, de fato, montante apto a atender as funções da reparação civil, inclusive a preventiva, visando obstar a repetição de recusa infundada - Manutenção da r. sentença - Recurso desprovido.  (TJ/SP, Apel. nº. 1000948-18.2019.8.26.0564, Des. Rel. JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, 2ª Câmara de Direito Privado, j. em 01/06/2020)

Inquestionável, portanto, a abusividade no argumento utilizado e hostil apresentado pelas operadoras, de que referido tratamento não teria cobertura no rol da ANS.

E nem se cogite ainda a aplicação da Resolução Normativa 428/17, pois a exceção de cobertura assistencial elencada em seu art. 20, §1º, inciso II1, refere-se aqueles casos que envolva fins estéticos, que não visam restauração parcial ou total da função de órgão ou parte do corpo humano lesionada, por enfermidade, traumatismo ou anomalia congênita.

Importante lembrar que a órtese utilizada para referidos tratamentos, mesmo aqueles destinados a correção da malformação craniana, certamente não possui fins estéticos, enquadrando-se perfeitamente na exceção legal conferida pela legislação apresentada.

Assim sendo, imperiosa a cobertura do tratamento pelas operadoras de planos de saúde, pois além do rol da ANS ser considerado meramente exemplificativo, com base no entendimento jurisprudencial do C. STJ e do Eg. TJ/SP, não há que se falar também em exclusão da cobertura assistencial, conforme preconiza o art. 20, §1º, inciso II da Resolução Normativa ANS 428/17.

No entanto, caso referidas ilegalidades sejam perpetradas pelas operadoras de planos de saúde, o lesado deverá fazer valer seus direitos, por meio de um advogado especialista na área e, com isso, evitando também a perpetuação desses abusos de direito praticados por referidas empresas.

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1- Art. 20. A cobertura assistencial de que trata o plano-referência compreende todos os procedimentos clínicos, cirúrgicos, obstétricos e os atendimentos de urgência e emergência, na forma estabelecida no art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998.
§ 1º São permitidas as seguintes exclusões assistenciais: (...)
II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim, ou seja, aqueles que não visam restauração parcial ou total da função de órgão ou parte do corpo humano lesionada, seja por enfermidade, traumatismo ou anomalia congênita.

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*Vinícius G. F. Jallageas de Lima é advogado, sócio e fundador do escritório Vinícius Jallageas Advocacia, mestrando em Direito Processual Civil pela USP, pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-SP, em Direito Imobiliário pela FGV-SP e em Direito Médico e Hospitalar pela EPD.

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