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A derrubada parcial do veto do art. 9º da "lei da pandemia" e a insegurança jurídica

Cláudio Jaeger Sirangelo e Cícero Barcellos Ahrends

A atuação do Senado Federal, no caso da derrubada parcial do veto ao art. 9º, foi ao menos descuidada, contribuindo para a insegurança jurídica que o texto original enviado à sanção presidencial não trazia.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Atualizado em 18 de setembro de 2020 14:01

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O Congresso Nacional derrubou um limitado número de vetos do Poder executivo à dispositivos da lei 14.010/20, que instituiu o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), também intitulada Lei da Pandemia.

Um dos mais importantes dispositivos cujo veto da Presidência da República foi derrubado, trata-se do art. 9º, que proíbe à concessão de medidas liminares em ações de despejo, elencadas no art. 59, § 1º, incisos. I, II, III, V, VII, VIII e IX, da lei do Inquilinato.

No texto aprovado pelas câmaras legislativas e enviado para sanção presidencial, o dispositivo era constituído pelo caput e por parágrafo único, com a seguinte redação:

 "Art. 9º Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59, § 1º, incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 30 de outubro de 2020.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se apenas às ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020." 

Nas razões do veto, a Presencia sustentou que "a propositura legislativa, ao vedar a concessão de liminar nas ações de despejo, contraria o interesse público por suspender um dos instrumentos de coerção ao pagamento das obrigações pactuadas na avença de locação (o despejo), por um prazo substancialmente longo, dando-se, portanto, proteção excessiva ao devedor em detrimento do credor, além de promover o incentivo ao inadimplemento e em desconsideração da realidade de diversos locadores que dependem do recebimento de alugueis como forma complementar ou, até mesmo, exclusiva de renda para o sustento próprio."

Como se percebe, acertadamente, na visão dos autores, o veto não considerou apenas os interesses dos locatários inadimplentes, mas também de locadores que têm no aluguel fonte auxiliar de renda mas e, muitas vezes, sua única origem para subsistência.

Ocorre que ao derrubar o veto, o Senado Federal o fez de forma parcial, apenas do caput do art. 9º, mantendo o veto ao parágrafo único, que expressamente restringia à proibição do despejo liminar às ações ajuizadas a partir de março de 2020 e assim a lei foi promulgada.

Não se desconhece que o art. 1º, parágrafo único da mesma lei estabeleceu o dia 20 de março de 2020, data da publicação do decreto legislativo 6, como termo inicial dos eventos derivados da pandemia do covid-19.

Ocorre que à manutenção ao veto do referido parágrafo único poderá dar ensejo a diferentes interpretações do texto legal, em prejuízo à segurança jurídica.

Uma das interpretações possíveis é de que o marco inicial previsto no art. 1º, parágrafo único, teria aplicação geral a todos às situações jurídicas que os demais artigos da lei da pandemia regulam.

Por outro lado, poder-se-á sustentar que noutros artigos a lei faz referência expressa aos termos iniciais, a exemplo do art. 12, par. único, art. 14, caput e §1º, art. 15 e art. 16, de modo que se o intuito do legislador fosse restringir à proibição do despejo liminar apenas às causas ajuizadas a partir de 20 de março de 2020, teria mantido a redação integral do parágrafo único do art. 9º.

Como se vê, a derrubada parcial do veto gera dubiedade em relação às causas que poderão ter obstado o deferimento do despejo liminar, tema que possivelmente escoará ao Judiciário para dirimir a questão.

No entanto, considerando-se que o termo final da proibição tem data breve, será improvável a unificação do entendimento jurisprudencial sobre a questão.

Concluímos, portanto, que a atuação do Senado Federal, no caso da derrubada parcial do veto ao art. 9º, foi ao menos descuidada, contribuindo para a insegurança jurídica que o texto original enviado à sanção presidencial não trazia.

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*Cícero Barcellos Ahrends é sócio do escritório Ahrends & Ahrends Advogados Associados.

*Cláudio Jaeger Sirangelo é sócio do escritório Ahrends & Ahrends Advogados Associados.

 

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