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Condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade à luz da redação contida no artigo 11, § 10, da lei 9.504

Das alterações fáticas ou jurídicas supervenientes ao pedido de registro de candidatura que atraem ou afastam eventuais restrições ao exercício da capacidade eleitoral passiva

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Atualizado às 11:12

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As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.

As alterações fáticas ou jurídicas supervenientes ao registro que beneficiem o candidato, afastando eventuais causas de inelegibilidade, nos termos da parte final do art. 11, § 10, da lei 9.504/97, também devem ser admitidas para as condições de elegibilidade (sumula TSE 43).

A recíproca, todavia, também é verdade, ao menos parcialmente verdadeira: Ac.-TSE, de 5/12/17, no AgR-REspe 16.507 e, de 9/11/17, no AgR-REspe 7.239: a modificação fático-jurídica capaz de atrair a inelegibilidade é aquela surgida após o registro de candidatura e antes das eleições.

A data da diplomação é o termo final para alterações supervenientes que afastem a inelegibilidade; em regra, a data final da diplomação é o termo derradeiro para se conhecer de alteração, fática ou jurídica, superveniente ao registro de candidatura que afaste inelegibilidade, a que se refere o art. 11, § 10, da lei 9.504/97. Precedentes: REspe 150-56, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 21/6/17; REspe 326-63, rel. min. Edson Fachin, DJE de 6/11/18; AgR-REspe 170-16, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, red. para o acórdão ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 4/10/18. (Ac de 19/3/19, no ED-RO 060417529, Rel. min. Admar Gonzaga); havendo, assim, o advento de um fato superveniente que afasta a inelegibilidade, ocorrido até a data da diplomação, essa matéria poderá ser arguida no bojo da Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC), se ainda estiver sub judice, ou mesmo como matéria de defesa em Recurso Contra a Diplomação (RCED) e, ainda, em Ação Rescisória Eleitoral.

São fatos supervenientes que afastam a inelegibilidade, p. ex.: Ac.-TSE, de 6/5/14, no REspe 15.705 (decisão da Justiça Comum, posterior à interposição do REspe, mas anterior ao pleito, declarando a nulidade do decreto legislativo de rejeição de contas); Ac.-TSE, de 7/2/13, no AgR-REspe 16.447; de 2/5/12, no AgR-RO 407.311 e, de 7/10/10, no AgR-RO 396.478 (obtenção de tutela antecipada na Justiça Comum ou de liminar posterior ao pedido de registro, no caso de inelegibilidade decorrente da rejeição de contas); Ac.-TSE, de 30/10/12, no AgR-REspe 9.564 (provimento de embargos de declaração, pelo Tribunal de Contas, para julgar regulares as contas de candidato); Ac.-TSE, de 25/10/12, no REspe 20.919 (obtenção de medidas liminares ou quaisquer outras causas supervenientes ao pedido de registro, exceto quando a extinção da inelegibilidade se der por eventual decurso de prazo, caso em que será aferida a data da formalização do pedido de registro); Ac.-TSE, de 22/3/11, no RO 223.666 (procedência de pedido de revisão pelo TCU).

Não obstante, nos autos do REspe 7.481, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, o TSE decidiu que as alterações de fatos ou de questões jurídicas ocorridas após a diplomação dos candidatos, que afastem a inelegibilidade destes, também podem ser analisadas pela Justiça Eleitoral em sede de Recursos Contra a Diplomação (RCED) e em ações rescisórias, mesmo ocorridas após a diplomação; no bojo destas ações, assim sendo, o fato superveniente que afasta a inelegibilidade poderá ter ocorrido mesmo após a diplomação, observados os prazos inerentes à ação rescisória (até 120 dias após a diplomação).

A esse respeito, o min. Roberto Barroso lembrou em seu voto que a jurisprudência do TSE admite que alterações baseadas em fatos ou questões jurídicas ocorridas após o registro de candidatura, que afastem inelegibilidade, podem ser apreciadas pela Justiça Eleitoral somente até a data da diplomação; o entendimento é aplicável aos processos relativos às Ações de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC); segundo o ministro, essa jurisprudência não deve, todavia, ser aplicada aos casos de Recurso Contra Expedição de Diploma (RCED), meio processual utilizado para contestar inelegibilidades supervenientes à data de diplomação dos candidatos eleitos; para Barroso, a utilização nas RCDE da limitação temporal prevista na análise das AIRC (até a diplomação) conflita com o princípio democrático; o ministro também propôs uma solução inspirada na alínea "j" do inciso I do artigo 22 do lei 4.737/65 (Código Eleitoral), que trata do prazo de 120 dias para ajuizamento de ações rescisórias nos casos de inelegibilidade.; Barroso sugeriu a aplicação, por analogia, desse mesmo prazo para as hipóteses de RCED.

As circunstâncias fáticas e jurídicas supervenientes ao registro de candidatura que afastam a inelegibilidade podem ser conhecidas em qualquer grau de jurisdição, inclusive nas instâncias extraordinárias, até a data da diplomação (Ac.-TSE, de 23/11/16., no RO 9.671);

Nos autos do REspe 283-41, redator para o acórdão o ministro Luiz Fux, PSESS de 19/12/16, o Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, firmou o entendimento de que não é possível considerar fato superveniente apto a afastar a inelegibilidade o mero transcurso do prazo de inelegibilidade ocorrido após as eleições, ressalvando-se, portanto, a regra, que é a possibilidade de reconhecimento do fato superveniente apto a afastar a inelegibilidade, desde que ocorrido até a diplomação, isso em sede de AIRC, ou ocorrido mesmo após a diplomação, em sede de RCED ou Ação Rescisória; assim sendo:

"[...]. 9. O art. 11, § 10, da Lei das Eleições, em sua exegese mais adequada, não alberga a hipótese de decurso do prazo de inelegibilidade ocorrido após a eleição e antes da diplomação como alteração fático-jurídica que afaste a inelegibilidade. 10. O art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97, em sua primeira parte, estabelece que as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, por serem requisitos imprescindíveis ao exercício do ius honorum, i.e., ao direito de concorrer a cargos eletivos e eleger-se, não se confundindo com os requisitos essenciais à diplomação ou à investidura no cargo eletivo (posse). 11. A análise sistêmica do processo eleitoral demonstra que a data do pleito é o marco em torno do qual orbitam os demais institutos eleitorais, e.g., o prazo de domicílio eleitoral para concorrer; o prazo de filiação partidária; o prazo para o partido registrado no TSE participar da eleição; os prazos de desincompatibilização; o prazo de substituição de candidatos; o prazo de preenchimento das vagas remanescentes; os prazos de publicação das relações dos candidatos/partidos; os prazos de impedimentos; os prazos de condutas vedadas; os prazos da propaganda eleitoral; os prazos de organização e administração do processo eleitoral; e os prazos de publicação de atos partidários, além do marco de incidência do princípio constitucional da anualidade. 12. O candidato deve preencher as condições de elegibilidade e não incidir nas causas de inelegibilidade no momento em que se realiza o ato para o qual tais pressupostos são exigidos, qual seja, no dia da própria eleição, raciocínio que vem orientando as decisões desta Corte Eleitoral há mais de uma década (Precedente: REspe nº 18847/MG, Rel. Min. Fernando Neves, PSESS de 24.10.2000).13. A ressalva contida na parte final do art. 11, § 10, da Lei das Eleições alberga essas hipóteses de suspensão ou anulação da causa constitutiva (substrato fático-jurídico) da inelegibilidade, revelando-se inidônea a proteger o candidato que passa o dia da eleição inelegível com base em suporte íntegro e perfeito, cujo conteúdo eficacial encontra-se acobertado pela coisa julgada. O mero exaurimento do prazo após a eleição não desconstitui e nem suspende o obstáculo ao ius honorum que aquele substrato atraía no dia da eleição, ocorrendo, após essa data, apenas o exaurimento de seus efeitos (Súmula nº 70 TSE: "O encerramento do prazo de inelegibilidade antes do dia da eleição constitui fato superveniente que afasta a inelegibilidade, nos termos do art. 11, § 10, da lei 9.504/97") [...]" (Recurso Especial Eleitoral nº 28341, Acórdão, Relator(a) Min. Luciana Lóssio, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 19/12/16);

A inelegibilidade superveniente que autoriza a interposição de recurso contra expedição de diploma (art. 262 do CE) é aquela de índole constitucional ou, se infraconstitucional, superveniente ao registro de candidatura, e que surge até a data do pleito (súmula TSE 47). Assim, as inelegibilidades infraconstitucionais preexistentes, se não arguidas na fase de impugnação ao registro de candidatura, precluem (Ac.-TSE, de 17/5/18, no AgR-REspe 1.873 e, de 30/5/17, no AgR-REspe 30.813).

A lei 13.877/19 trouxe uma inovação a respeito da chamada "inelegibilidade superveniente", introduzindo no artigo 262, §1°, do Código Eleitoral, o seguinte texto, literis: "A inelegibilidade superveniente apta a viabilizar o recurso contra a expedição de diploma, decorrente de alterações fáticas ou jurídicas, deverá ocorrer até a data fixada para que os partidos políticos e as coligações apresentem os seus requerimentos de registros de candidatos".

Diga-se, todavia, que a modificação legislativa em comento foi vetada pelo presidente da República. E que o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional. Ocorre que a derrocada do veto presidencial se deu em prazo inferior a um ano antes das eleições de 2020, apenas em 27 de dezembro de 2019. À luz do artigo 16 da CF, então, essa alteração legislativa, considerando que lida diretamente com a matéria afeta às inelegibilidades e, consequentemente, que interfere substancialmente no processo eleitoral vindouro, assim como na igualdade de chances entre os potenciais candidatos, é claramente inaplicável ao pleito eleitoral do ano corrente.

Para além da ineficácia do precitado dispositivo legal com a redação atual, pós lei 13.877/19, há teratologia manifesta a ser denunciada: se a inelegibilidade superveniente apta a viabilizar o RCED deve ocorrer até a data do registro da candidatura, essa alteração fática ou jurídica seria superveniente a...? Superveniente a nada, eis a verdade. E a razão é singela: se a inelegibilidade superveniente é aquela advinda até a data do registro, ela deverá ser arguida, necessariamente, no bojo do registro - em ação de impugnação de registro de candidatura (AIRC), em notícia de inelegibilidade ou, diga-se, mesmo de ofício, desde que respeitado o contraditório. Não arguida no bojo do registro, haverá preclusão, não sendo possível o manejo futuro de RCED. Simples assim.

Tal reforma, ainda que tenha possuído por pano de fundo o bom intuito de estabilizar os processos eleitorais quanto aos respectivos resultados, acabou por trazer redação que acaba por esvaziar o recurso contra a expedição do diploma (RCED). Sem contar a supracitada teratologia, invencível teratologia. A vingar a vigência e a validade do texto legal em voga, o RCED ficará com causa de pedir restrita ao descumprimento de condições de elegibilidade (constitucionais) e à incidência em causa de inelegibilidade constitucional (reeleição, parentesco, militares, juízes, ministério público e militares), o que poucos perceberam. Inelegibilidades infraconstitucionais, por serem sempre pré-existentes ao registro de candidatura (a redação assim dispõe), jamais poderão ser novamente veiculadas em recurso contra a diplomação. A indigitada superveniência consubstancia pré-existência, na verdade. E disso não há dúvidas.

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Post-scriptum: sobre o tema, indicamos a leitura de um excelente texto escrito pelos professores Rodrigo Lopez Zílio e Edson de Resende Castro: "Inelegibilidade superveniente às avessas: uma nova modalidade de inelegibilidade?"

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t*Guilherme Barcelos é mestre em Direito pela UNISINOS. Pós-graduado em Direito Constitucional e em Direito Eleitoral. Graduado em Direito pela URCAMP. Membro do Conselho Editorial da Juruá Editora. Membro-fundador da ABRADEP. Professor da pós-graduação em Direito Eleitoral da UERJ. Sócio fundador da Barcelos Alarcon Advogados.

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