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Julgamento antecipado parcial de mérito na Justiça do Trabalho

Guilherme Luis Dantas Trindade e Ricardo Calcini

A lentidão dos julgamentos, além de provocar danos ao demandante, fere os princípios da celeridade, da duração razoável do processo e o da efetividade, os quais correspondem à base da Justiça Trabalhista.

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Atualizado às 08:15

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O julgamento antecipado parcial de mérito encontra-se previsto nos artigos 355 e 356 do Código de Processo Civil de 2015. Essa nova sistemática de julgamento poderá ocorrer quando se verificar a existência de um ou mais pedidos, ou parte deles, incontroverso(s) e apto(s) para o julgamento, em especial quando se verificar a cumulação dos pleitos, e que os mesmos sejam divisíveis e autônomos, continuando para os demais o rito procedimental normal, que passam para a fase instrutória.

Essa atual dinâmica processual veio como uma forma de quebrar o antigo dogma da unicidade da decisão do Código de Processo Civil de 1973, com graves danos aos princípios da efetividade e da celeridade processuais, principalmente quando se tratava de questões abarcadas pela jurisdição trabalhista. Ao possibilitar a execução imediata de direitos incontroversos, a técnica do julgamento antecipado possibilitou a eliminação de danos pelo tempo de espera para a obtenção de direitos incontroversos.

O lapso de tempo para a obtenção da tutela de um direito, por si só, já é fato gerador de dano ao demandante, ainda mais se o mesmo, para a sua comprovação, não necessite de instrução probatória por demonstrar ser o pleito incontroverso.

Com efeito, nas ações cujos demandantes são reconhecidamente hipossuficientes, que buscam no Judiciário um crédito trabalhista necessário para a sua existência, bem como daqueles de quem dele dependa, o procedimento suso citado, abarcado pelo CPC/15, confere celeridade e contribui para que haja a efetividade da prestação jurisdicional.

Quanto mais rápido o detentor do direito incontroverso obtém a tutela jurisdicional pretendida, maior será a ligação entre a efetividade e o disposto em lei; e, mais, quanto maior for essa equivalência, mais ágil e menos oneroso será o processo judicial.

Em contrapartida, quanto mais demorar, melhor será para o demandado por continuar sem ter que cumprir uma obrigação constitucionalmente prevista, deixando todo o ônus da demora para o reclamante, independentemente de o pleito ser controvertido ou não.

A lentidão dos julgamentos, além de provocar danos ao demandante, fere os princípios da celeridade, da duração razoável do processo e o da efetividade, os quais correspondem à base da Justiça Trabalhista.

O pleito que independe de instrução probatória será objeto de julgamento antecipado parcial, que permite cognição exauriente e de aplicação imediata, tendo em vista que o ato decisório só poderá ser impugnado por intermédio da interposição de recurso próprio, em tempo e modo, e sem o efeito suspensivo.

Esse procedimento, em verdade, é uma forma de promover celeridade e efetividade no processo trabalhista, cujo reflexo imediato é a mitigação de ônus que o demandante estaria submetido pela violação dos seus direitos incontroversos.

Portanto, o julgamento antecipado parcial do mérito consubstanciou-se numa forma de promover uma prestação jurisdicional de modo efetivo e célere, representando uma resposta às peculiaridades das ações judiciais. A decisão que permite à parte usufruir antecipadamente do seu direito deve ter o condão de promover resultado útil no mundo dos fatos, sob pena de tornar-se ineficaz.

Nessa ótica, verifica-se que o procedimento é plenamente aplicável às demandas trabalhistas, mesmo que nelas não seja possível impugnação de imediato como no procedimento comum. Por manter a cognição plena e exauriente, possibilita a execução provisória imediata, evitando ônus aos reclamantes, os quais, em sua maioria, configuram-se como hipossuficientes.

É certo que as mudanças realizadas no Código de Processo Civil de 1973 foram importantes para dar maior efetividade no âmbito do processo, com resultados mais rápidos para a sociedade. Aliás, a atual sistemática é vista como uma forma inovadora de acelerar o procedimento buscando uma maior efetividade na produção de resultados úteis àqueles que buscam a tutela judicial, pois, além de permitir que uma parcela dos pleitos seja sentenciada de forma antecipada, também propicia às partes a possibilidade de uma solução consensual dos pedidos remanescentes.

O  Código de Processo Civil de 2015, nos artigos 356 e 354 e no seu parágrafo único, permite um fracionamento do mérito processual, possibilitando que as partes alcancem rapidamente parte da pretensão pleiteada, de forma antecipada em relação ao todo, sem ter que esperar a fase decisória para obter a tutela de um direito percebido como incontroverso desde a fase antecedente a instrução processual. O artigo 356 do CPC/15 explicita que, para que o pleito seja julgado de forma antecipada, este tem que, além de ser incontroverso, estar apto para ser decidido nos moldes do que estabelece o art. 355.

Entretanto, para a realização da decisum, os pleitos devem ser divisíveis, autônomos e capazes de serem julgados de forma separada.

Insta mencionar que, em consonância com o artigo 8º do CPC/15, uma vez preenchidos os requisitos para a antecipação da decisão de mérito, configura-se um dever do Magistrado proceder com o fracionamento do decisum das partes do pleito aptas para o julgamento, uma vez que o art. 4º, do mesmo código, preceitua que o ato de decidir de forma antecipada e fracionada os pedidos, à luz dos princípios da efetividade, da celeridade e da duração razoável do processo, não se consubstancia numa mera faculdade do Juiz, mas sim numa verdadeira obrigação deste para com o jurisdicionado.

O julgamento antecipado parcial do mérito por configurar-se uma decisão interlocutória apenas pode ser "atacada" por intermédio da interposição do agravo de instrumento, na seara da Justiça Comum, como preceituam os artigos 356, § 5º e 1.015, II do Código de Processo Civil, conferindo ao decisum enfrentado o cumprimento de forma imediata, independentemente de que, para isso, seja dada uma caução (art. 356, § 2º, CPC/15).  

Deve ser salientado que as demais partes do pleito, ainda sem a necessária cognição para julgamento, deverão seguir para a fase instrutória e, posteriormente, para a fase decisória. Este entendimento também é corroborado pelo STJ, ao editar a súmula 401, a qual dita que mesmo que ocorra a formação de várias coisas julgadas, caso aconteça o trânsito em julgado de várias partes do mérito, o prazo decadencial para a propositura da rescisória só irá iniciar-se a partir da formação de coisa julgada do último ato decisório do litígio.

Com isso deve-se salientar que a decisão antecipada parcial do mérito se demonstra como uma grande inovação no que tange à gestão processual, à eficiência, à celeridade e a duração razoável do processo, ao passo de que permite o cumprimento imediato da decisão das matérias incontroversas, assim como a formação de coisa julgada a partir daquelas.

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t*Guilherme Luis Dantas Trindade é pós-graduado em Direito Processual Civil e do Trabalho. Advogado, Integrante da Liga Pernambucana de Direito Digital como Pesquisador e Secretário do grupo de Tributação e Tecnologia (TribuTec).




t*Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

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