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Previsão de assinatura em conjunto para estar em juízo: a nulidade da referida cláusula ante o princípio do acesso à justiça

Nota-se que se nem a lei pode impedir à apreciação pelo Poder Judiciário, por qual razão uma cláusula contratual haveria de prevalecer?

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Atualizado às 16:56

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O contrato social é o documento que delineia as regras sob as quais a sociedade empresária funcionará. Nele estão consignados os direitos e as obrigações para cada um dos sócios que integram a sociedade.

Existem cláusulas consignadas no contrato social que veda a representação em juízo da sociedade empresária por apenas um dos sócios, é dizer, exige-se a assinatura em conjunto dos sócios para concessão de procuração para representação em juízo.

Daí pode surgir o conflito: - Se um sócio outorgante quiser representar a sociedade empresária em juízo e o outro sócio não almejar tal interesse, como resolver a situação?

Não é raro o contexto mencionado. Muitas das vezes é arguida pela parte adversa - quando lido o contrato social, por isso de suma importância essa leitura - a irregularidade da representação processual em face da inobservância da assinatura em conjunto.

 Daí, o juízo concede prazo para regularização processual sob pena de extinção do feito quando tal providência couber ao autor; ou declarada à revelia do réu, se a este couber à incumbência. (Art. 76, I do CPC).

Ora, como proceder diante deste imbróglio? Será que uma cláusula contratual teria o condão de inviabilizar o acesso à justiça? E se um dos sócios estiver de boa-fé, contrapartida, o outro estiver de má-fé e por essa razão mantém o desiderato de não conceder a assinatura em conjunto. Como proceder?

Nossa jurisprudência no campo civil é rigorosa pela extinção do feito pela ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo (Art. 485, IV do CPC), quando tal incumbência couber ao autor; o que deveria ser reposicionado.

No meu sentir, a cláusula do contrato social que exige a assinatura em conjunto para estar em juízo não poderia impedir o acesso à justiça, eis que tal cláusula implica em violação ao Art. 5º, inciso XXXV da nossa Carta Magna que prevê que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, portanto, tal cláusula não pode ser entendida como lícita, logo, eivada de nulidade. 

Nota-se que se nem a lei pode impedir à apreciação pelo Poder Judiciário, por qual razão uma cláusula contratual haveria de prevalecer?

No contexto fático discorrido entendo pela possibilidade do prosseguimento do feito quando a procuração não fora assinada em conjunto eis que qualquer ato ilícito praticado pelo outorgante - e este assume o risco - poderia ser revisto por ação regressiva da pessoa jurídica em face do sócio outorgante que agira equivocadamente acarretando algum dano a sociedade.

E assim entende nossa Justiça Trabalhista. Vejamos a jurisprudência.

RECURSO DE REVISTA - RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO - IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL - PESSOA JURÍDICA - EXIGÊNCIA NO CONTRATO SOCIAL ESPONTANEAMENTE JUNTADO AOS AUTOS NO SENTIDO DE QUE MANDATO JUDICIAL SEJA OUTORGADO POR DOIS SÓCIOS DA EMPRESA - FALTA DE ASSINATURA DE UM DOS SÓCIOS NA PROCURAÇÃO AD JUDICIA - VALIDADE. Esta Corte Superior tem posicionamento firme no sentido de que a identificação do signatário da procuração outorgada aos representantes das partes é suficiente para demonstrar a regularidade de representação processual, sendo desnecessária a juntada de atos constitutivos e estatutos da pessoa jurídica a fim de comprovar a existência de poderes do outorgante do instrumento de mandato, conforme se depreende da Orientação Jurisprudencial nºs 255 da SBDI-1 do TST e da Súmula nº 456 do TST. Sem que tenha havido impugnação da parte adversa, é descabido que a Corte regional, agindo de ofício, coteje os estatutos e os instrumentos de mandato ad negotia contidos nos autos para questionar os poderes do outorgante do mandato ad judicia. Se é fato que o outorgante do instrumento de mandato que investiu de poderes a subscritora do recurso ordinário é representante legal da empresa, a questão concernente à necessidade de dois sócios outorgarem em conjunto mandato judicial e a eventuais excessos no exercício desse poder constituem res inter alias acta, que pode ensejar eventual ação de regresso da pessoa jurídica contra o outorgante em caso de prejuízos, mas que não invalida, dentro do processo, o instrumento de mandato passado . Nesse contexto, o não conhecimento do recurso ordinário da reclamada caracteriza violação do art. 5º, LV, da Constituição da República. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-131-51.2012.5.03.0064, 7ª Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 9/10/2015) (g.n.).

Assim, tendo em vista o princípio constitucional do acesso à justiça, de rigor a incompatibilidade da cláusula de assinatura em conjunto para estar em juízo, já que sua confecção embaraça o acesso à tutela jurisdicional, o que é vedado conforme discorrido.

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*Carlos Henrique de Souza Pimenta é advogado no escritório Fabio Berti Advogados.

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