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Da ausência de independência funcional da autoridade nacional de proteção de dados

Não tratar a autoridade nacional de proteção de dados como órgão de Estado é comprometer a sua independência funcional, assim como não considera-la uma agência regulamentadora.

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Atualizado às 16:29

Com o advento da LGPD (lei 13.709/18) após a conversão da MP 959/2020 na lei 14.058/2020, instaurou a principal norma no Brasil objetivando tutelar os direitos dos titulares dos dados.

Dessa forma, a legislação referendada trouxe no seu manto a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) que visa zelar pela proteção dos dados pessoais, elaborar diretrizes para a Política Nacional de Proteção e da Privacidade, bem como fiscalizar, aplicar sanções administrativas e dentre outras competências atribuídas no rol de incisos do artigo 55-J da lei 13.709/18.

Trata-se, portanto, de um órgão da Administração Pública Federal e vinculado à Presidência da República, conforme disposição do artigo 55-A, §1º da lei 13.709/18.

Ademais, antes mesmo da vigência da LGPD, o Presidente da República confeccionou o decreto 10.474/2020 aprovando a estrutura regimental e dentre outras providências, reconhecendo a Autoridade como órgão integrante da Presidência da República com autonomia técnica e decisória com o escopo de proteger os fundamentos norteadores da lei 13.709/18.

Para tanto, esquadrinhando os dispositivos da LGPD e do decreto organizacional que tratam da competência da Autoridade Nacional, nota-se atribuições de uma autarquia regulamentadora, isto porque, a presente Autoridade dispõe de atributos inerentes ao do Poder de Polícia em razão do seu regular exercício, sendo: autoexecutoriedade, discricionariedade e coercibilidade.

A autoexecutoriedade consiste na prerrogativa da Administração Pública de executar de forma direta os seus atos administrativos sem a necessidade do Poder Judiciário.  Essa característica pode ser extraída na competência da ANPD em editar normas, orientações e procedimentos diferenciados para microempresas, empresas de pequeno porte "startups" possam adequar-se à referida legislação.

De outro lado, a discricionariedade está relacionada a liberdade de atuação em conformidade com a conveniência e oportunidade nos limites estabelecidos na lei, nas quais buscará a proporcionalidade na aplicação das sanções conforme o caso concreto. Assim, tal disposição é percebida na aplicação de eventuais sanções administrativas previstas no artigo 52 e incisos da LGPD, que, por sua vez, foi prorrogado a sua vigência para o dia 1º de agosto de 2021 por força da lei 14.010/2020.

E, por fim, tem-se a coercibilidade. Essa característica é indissociável da autoexecutoriedade. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o define como:

O ato de polícia só é autoexecutório porque dotado de força coercitiva. Aliás, a autoexecutoriedade, tal como a conceituamos, não se distingue da coercibilidade, definida por Hely Lopes Meirelles (2003:134) como "a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30 ed. Rev. Atual. Rio de Janeiro. Editora Forense. 2017. Pág. 154).

Logo, pode extrair este atributo na eventual aplicação das sanções administrativas em caso de descumprimento de qualquer preceito estabelecido na LGPD.

Ademais, diante da integração da ANPD a Administração Pública Federal vinculada à Presidência da República com as atribuições acima destacadas, percebe-se uma função típica e exclusiva de Estado. Além disso, tendo em vista o caráter puramente de uma autarquia não parece tecnicamente correto denominar esse órgão fiscalizador de "Autoridade", pois parece ser mais apropriado intitular como "Agência'. 

É cediço que o legislador-infraconstitucional destacou que a ANPD possui natureza jurídica transitória e poderá ser transformada em autarquia especial pelo Poder Executivo, consoante o disposto do artigo 55-A, §1º da LGPD. Todavia, o verbo "poder" utilizado no futuro do presente indicativo retrata uma incerteza sobre esta modificação de órbita jurídica, podendo acontecer ou não.

De outro lado, as características de fato de uma agência regulamentadora necessitará da observância da lei 9.986/2000 que dispõe sobre a gestão dos recursos humanos das agências regulamentadoras.

Dessa forma, com a nomeação do Conselho Diretor da ANPD a ser realizado pelo Presidente da República, dependerá da aprovação do Senado Federal por força do comando constitucional previsto no artigo 52, inciso III, alínea "f" da Constituição Federal.

Neste mesmo sentido, com a eventual modificação da natureza jurídica da ANPD, obrigatoriamente o Congresso Nacional passará a fiscalizar e controlar os atos perpetrados por determinação do comando constitucional previsto no artigo 49, inciso X, ao passo que o controle financeiro, contábil, orçamentário estará sobre o crivo do Tribunal de Contas da União em razão da previsão estatuída no artigo 70 da Carta Magna.

Portanto, ante a brevíssima explanação perfilhada é impreterível a transformação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados numa Agência Regulamentadora a fim de evitar possíveis ingerências de Governo, tendo em vista o nascimento da ANPD ligado diretamente à Presidência da República, uma vez que o órgão da Administração Pública Federal com tais atribuições como nesse particular, deverá ser considerada uma instituição de Estado com o objetivo de salvaguardar a sua independência funcional e autonomia.

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 *Kleber dos Santos Vasconcelos é advogado do escritório Fernando Brasil & Vasconcelos Advogados. Pós graduando em Processo Civil.

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