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A introdução do open banking não exime a necessidade de atuação do órgão antitruste

O open banking pode, de fato, introduzir mais competição no setor financeiro? Qual o papel da autoridade antitruste nessa agenda?

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Atualizado em 21 de outubro de 2020 10:24

 (Imagem: Arte de Migalhas)

(Imagem: Arte de Migalhas)

A agenda pró competição no mercado financeiro capitaneada pelo Banco Central apresenta alguns elementos que têm atraído bastante atenção da mídia especializada, estudiosos e participantes do mercado. Dentre eles podemos mencionar o PIX, cujo lançamento ocorreu no último dia 5 de outubro, com mais de 3,5 milhões de chaves de identificação registradas em seu primeiro dia, e o open banking, que promete fomentar a competição no setor e contribuir para que, finalmente, os spreads bancários praticados no país passem a patamares civilizados.

No caso particular do open banking, muito se fala sobre seu potencial de viabilizar a redução dos juros aos consumidores. Mas, como isso seria possível? O open banking pode, de fato, introduzir mais competição no setor financeiro? Qual o papel da autoridade antitruste nessa agenda?

Sob a ótica do Banco Central, o open banking constitui uma interface de compartilhamento de dados, informações sobre produtos e serviços pelas instituições financeiras, disponibilizados a critério de seus clientes, por meio da abertura e integração de plataformas e infraestruturas de sistemas de informação. Em outras palavras, esse ecossistema permitirá viabilizar a troca de informações entre instituições financeiras sobre o comportamento de seus clientes, atacando talvez o principal elemento que impede um maior nível de concorrência nesse mercado: a assimetria informacional.

Para entender a razão disso, devemos ter em mente que, quanto maior for o tempo de relacionamento entre um cliente e seu banco, maior será o conhecimento acumulado sobre o usuário do serviço, permitindo análises de risco mais individualizadas e precisas. Contudo, qual seria o incentivo que essa instituição financeira possuiria para oferecer produtos mais vantajosos ao seu cliente de longa data, sabendo que outras instituições não o conhecem a fundo para que possam lhe oferecer algo melhor?

Atualmente é quase que uma regra as situações nas quais os novos clientes, ao demandarem algum produto creditício de uma instituição financeira, serem informados sobre a necessidade de manterem algum nível de experiência com a instituição para acessar determinados produtos ou para obtê-los em condições mais vantajosas.

Esse é o dilema da assimetria informacional que o open banking pretende endereçar. Na presença da informação imperfeita, os agentes concedentes de crédito tendem a aplicar taxas de juros elevadas de modo a compensar o risco de emprestar para consumidores que desconhecem. Nesse cenário, as instituições concorrentes têm dificuldades de contestar a instituição que já mantém um longo relacionamento com determinado cliente, o que permite que esta última se acomode, oferecendo produtos pouco competitivos.

Já com a consolidação do open banking poderemos ter uma redução mais rápida do nível de assimetria de informação, dado que toda instituição financeira poderá requerer o histórico de relacionamento do potencial novo cliente perante à antiga instituição. Em outras palavras, o período de aprendizado sobre o comportamento deste novo cliente, sua renda, capacidade de pagamento, risco de inadimplemento, dentre outros fatores que influenciam a concessão de crédito, será substancialmente minimizado. Com isso, a informação deixa de ser um ativo da instituição financeira e passa a ser um ativo do consumidor, que pode, a partir disso, permitir que concorrentes tenham acesso ao seu conjunto de dados financeiros.

Como consequência deste processo, os custos de troca para que um cliente possa migrar de um banco para outro também poderão se reduzir substancialmente, desde que o banco de atual relacionamento do cliente não tenha imposto algum tipo de cláusula de fidelidade com penalidades desarrazoadas, como já detectados pelo próprio CADE em alguns contratos de pessoas jurídicas. Note-se que baixos custos de troca e facilidade para o consumidor migrar para um concorrente são alguns dos elementos mais decisivos, segundo a literatura econômica em antitruste, para o nível de concorrência de um mercado.

Um exemplo prático do potencial do open banking pode ser inferido a partir de caso recém concluído pelo Cade (Guia Bolso vs. Bradesco), que terminou com um acordo (Termo de Compromisso de Cessação). Em síntese, o Guia Bolso é um aplicativo para smartphones que utiliza uma metodologia própria de rating de clientes bancários por meio do acesso das informações de movimentação bancária de seus usuários. De posse dessa nota de crédito, o aplicativo permite a outras instituições financeiras a possibilidade de ofertarem, em sua plataforma, produtos de créditos a esses clientes.

Este aplicativo funciona nos moldes de uma plataforma de dois lados, ligando clientes em busca de crédito, de um lado, e instituições concedentes, de outro. O mais relevante deste processo é que, com o desenvolvimento de um mecanismo de rating via acesso à movimentação bancária de seus usuários, o Guia Bolso conseguiu reduzir a assimetria informacional a tal ponto que as instituições financeiras que atuam na plataforma conseguem ofertar crédito, sistematicamente, a taxas de juros mais baixas do que as oferecidas pelos bancos com que os usuários possuem relacionamento.

No caso levado ao Cade, o Bradesco estaria impondo dificuldades para que, mediante autorização do cliente, o aplicativo tivesse acesso às suas informações de movimentação financeira naquela instituição, inviabilizando a oferta de produtos concorrentes em condições mais competitivas para os clientes desta instituição financeira.

O acordo, homologado pelo Cade no último dia 7 de outubro, prevê, dentre outras obrigações, a concordância do Bradesco em desenvolver interfaces de conexão que permitam ao Guiabolso capturar o consentimento de seus usuários, bem como acessar os sistemas do Bradesco por meio de comunicação criptografada. Tal compromisso deverá estar em pleno funcionamento em até 90 dias contados da homologação do acordo e prevê, inclusive, índice de disponibilidade técnica de 99% e tempo de resposta de 1000 ms (mil milissegundos) por solicitação de consentimento.

As obrigações terão validade até a efetiva entrada em vigor do open banking, sendo substituídas automaticamente pelas regras de compartilhamento de dados previstas pela resolução CMN-BCB 1/2020 e eventuais normas supervenientes que regulem a matéria. Ainda, o Bradesco terá que recolher uma contribuição pecuniária de pouco mais de R$ 23 milhões, além de estar sujeito a penalidades (cujos detalhes infelizmente não foram divulgados pelo Cade) em caso de descumprimento das obrigações assumidas.

Note-se que, à despeito da inexistência de regulamentação vigente relacionada ao open banking - cujo cronograma prevê o início das atividades para 30 de novembro - a Superintendência-geral do Cade entendeu, preliminarmente, com base na lei 12.529/2011, que a conduta do Bradesco era potencialmente lesiva à concorrência e que o aplicativo Guia Bolso poderia ter acesso às informações bancárias de seus usuários mediante autorização sem que tal fato constituísse desrespeito ao sigilo bancário. Em que pese o disposto no art. 1º, §3º, V, da LC 105/2001, a lei 13.709/2018 (LGPD), em seus artigos 17 e 18, garante o direito ao titular da informação de acessar seus dados e efetuarem a portabilidade dos mesmos a outro fornecedor ou serviço.

Sob o ponto de vista antitruste, com a regulamentação do open banking, cuja Resolução Conjunta do Banco Central do Brasil e do CMN 1/2020 constitui norma instituidora, uma questão que pode surgir é se o Cade poderá ser um agente ativo e ser demandado a resolver questões relacionadas à implementação do open banking. Na visão desses autores, a resposta é positiva.

Basta lembrar que a lei 12.529/2011 não confere qualquer imunidade antitruste, devendo o Cade atuar em qualquer circunstância em que potencialmente haja alguma conduta ofensiva à concorrência. E isto, independente de haver regulação positivando a conduta dos agentes ou não.

É fato que a resolução supramencionada é muito clara ao dispor sobre alguns dos princípios que nortearão o open banking, como a interoperabilidade e o tratamento não discriminatório. Contudo, a lei 12.865/2013, que regula o setor de pagamentos, também dispõe sobre os mesmos princípios e, mesmo assim, o Cade tem sido um agente essencial para a efetiva implementação de uma agenda de abertura de mercado e de estímulo à concorrência no setor em anos recentes. Na realidade regulação pró-competitiva e defesa concorrência, longe de serem políticas excludentes, são mecanismos complementares que, se bem aplicados, tendem a se reforçar mutuamente.

Há que se lembrar, por exemplo, que a resolução conjunta 1/2020 também prevê, em seu art. 44, a necessidade de elaboração de uma convenção pelos participantes do open banking, que vigorará em regime de autorregulação. Neste aspecto, é importante que os dispositivos da referida convenção não sejam utilizados como instrumento de manutenção do poder de mercado dos incumbentes, impondo custos desproporcionais aos novos entrantes e instituições de menor porte, de modo a perpetuar o status quo. Na mesma linha, há que se ter muito cuidado com a ação de determinados agentes com poder de mercado que objetivem a criação de padrões e requisitos exclusionários. Nesses casos, é fundamenta que, além da discussão envolver o âmbito regulatório, o Cade seja sempre acionado, como ocorreu em relação ao malfadado Sistema de Controle de Garantias - SCG.

Em última instância, as perspectivas para que a implementação do open banking representem um ponto de inflexão na política de juros elevados praticados pelo setor financeiro no Brasil são otimistas. Acerta o Banco Central em forçar esse caminho como medida promoção da competição em detrimento de ações mais intervencionistas e com resultados geralmente pífios, como a regulação de preços. No mesmo sentido, é salutar a sinalização dada pelo Cade no caso supramencionado em defesa da liberdade de troca de informações dos clientes bancários, ressaltando seu papel em defesa de um ambiente mais competitivo no setor financeiro.

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*Cleveland Prates é professor de Econômica da FGV-Law, coordenador do curso de Regulação da Fipe, foi conselheiro do CADE e secretario-adjunto de Acompanhamento Econômico do Ministério da Economia.

*Marcelo Nunes de Oliveira é coordenador técnico-legislativo na Câmara dos Deputados. Foi coordenador-geral de Antitruste na Superintendência-geral do Cade para o mercado de serviços financeiros.

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