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A utopia do Direito ao Esquecimento e fake news

Enquanto não se tenha uma ferramenta legal eficaz, capaz de prevenir, dissuadir e sancionar àqueles que violam a honra, a imagem, a intimidade e a privacidade, mediante a disseminação desse tipo de conteúdo, o direito ao esquecimento pode ser visto como uma mera utopia

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Atualizado às 11:20

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O direito ao esquecimento é discutido há muito tempo em diversos países, tais como Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido. No Brasil, ainda que não haja lei especifica, encontra-se positivado na jurisprudência e no enunciado 531 do STJ1, com a seguinte justificativa: 

Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados. 

Trata-se de um direito que qualquer indivíduo tem de não querer que determinado fato, mesmo verídico, que tenha acontecido em sua vida, venha a se tornar público e/ou ser lembrado. Apesar de ser um assunto antigo, é muito debatido e discutido atualmente, tendo em vista que vivemos em uma sociedade da informação. Mas será que de fato há um direito ao esquecimento?

Segundo alguns autores, o esquecimento que se anseia não é viável, ainda que através de ordem judicial. O que ocorre é uma remoção ou desindexação do conteúdo. O requerente pode solicitar pela remoção do conteúdo propriamente dito ou apenas que seu nome seja desatrelado.

Com o advento da internet e toda a sua capacidade de armazenamento é possível pesquisarmos notícias e fatos de muitos anos atrás, o que antes só era possível com pesquisas densas em jornais antigos, arquivos históricos e livros. Com a globalização e a amplificação das redes sociais, a velocidade com que uma foto, vídeo ou notícia, se espalha na internet é imensurável. Isso porque, na atualidade, uma foto compartilhada no Brasil pode chegar em segundos para alguém que se encontra na China, por exemplo. Portanto, mesmo que seja apagada posteriormente, não é possível avaliar o seu alcance e saber se efetivamente ela foi apagada de todos os lugares em que chegou.

Juntamente com o avanço da internet e toda a sua facilidade em disponibilizar conteúdo gratuito, vieram as conhecidas fake news (notícias falsas). No presentequalquer indivíduo consegue postar e compartilhar informações de origens duvidosas e até mesmo falsas, sem que haja, na maioria das vezes, qualquer tipo de punibilidade.

Como bem colocado por Pereira de Souza (2017)2, o termo mais adequado para tal situação seria a "desinformação", tendo em vista que as fake news não se referem apenas a notícias falsas, mas também aquelas notícias incompletas, ou, ainda, fatos verdadeiros que foram totalmente distorcidos pelo emissor a fim de que o receptor tenha conclusões manipuladas por aquele que disponibilizou o conteúdo.

Nesse contexto, a nossa Constituição Federal, em seu Art. 5º prevê: "X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."3 Além disso, já existem vários projetos de leis que visam a punibilidade daquele que dissemina informações falsas, tais como 471/20184, 533/20185, 473/20176, entre outros.

Assim, pode-se ver que há um projeto de políticas públicas para que cada vez haja menos a disseminação desse tipo de conteúdo, ou melhor, para que haja uma punição para aquele que a disseminou. Mas como o direito ao esquecimento se aplica a isso?

Aquele que teve sua imagem ou honra violada por uma disseminação de fake news, mesmo que recorra à remoção do conteúdo ou à desindexação, jamais será esquecido. Os danos decorrentes lhe perseguirão por um bom tempo ou até mesmo pela vida inteira. É o caso, por exemplo, do influenciador Felipe Neto7, que teve seu perfil falsificado com uma mensagem fazendo apologia à pedofilia. Mesmo com comprovação do conteúdo falso, a sua simples disseminação fez com que o influenciador tivesse enormes prejuízos, já que o seu público é infantil.

A partir da identificação de um conteúdo falso, talvez fique mais evidente a garantia a um direito ao esquecimento. Acontece que, desde o momento da sua identificação até que ocorra a remoção efetiva do conteúdo, essa notícia/informação pode ter chegado ao outro lado mundo em segundos. Ainda, para que essa remoção se concretize, muitas vezes se faz necessária a judicialização, o que, além de levar muito tempo, pode resultar o efeito oposto. Isso porque aquilo que está sendo postulado a ser esquecido, pode ser ainda mais lembrado e exposto, como, por exemplo, foram os casos de Bárbara Streisand8, da Xuxa9, entre outros.

Atualmente, várias plataformas já possuem algoritmos para identificação e remoção desse tipo de conteúdo, mas ainda não são totalmente eficazes, sendo algumas vezes necessário que haja a sinalização ou "denúncia" para que então, sem garantias efetivas, aquele conteúdo seja removido.

Sendo esse o cenário, enquanto não se tenha uma ferramenta legal eficaz, capaz de prevenir, dissuadir e sancionar àqueles que violam a honra, a imagem, a intimidade e a privacidade, mediante a disseminação desse tipo de conteúdo, o direito ao esquecimento pode ser visto como uma mera utopia. Isso porque, a sua tutela só visa garantir a remoção do conteúdo ou desindexação, mas é impossível garantir que ele, de fato, seja esquecido, ao menos não de imediato, por aquele que leu.

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1 BRASIL. Conselho de Justiça Federal. VI Jornada de Direito Civil. Enunciado 531 Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/142. Acesso em 24.08.2020.

2 PEREIRA DE SOUZA, Carlos Affonso. Dez Dilemas sobre o Chamado Direito ao Esquecimento. Artigo. Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (2017). Disponível em: https://itsrio.org/wp-content/uploads/2017/06/ITS-Rio-Audiencia-Publica-STF-Direito-ao- Esquecimento-Versao-Publica-1.pdf.Acesso em 24.08.2020.

3 BRASIL, Constituição (1988). Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 24.08.2020.

4 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 471, de 2018. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/134781. Acesso em 24.08.2020

5 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 533, de 2018. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/134952. Acesso em 24.08.2020

6 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 473, de 2017. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131758. Acesso em 24.08.2020.

7 BRASIL. Notícia Jornalística. Influenciador digital Felipe Neto é vítima de fake news e de ameaças. (2020). Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/07/30/influenciador-digital- felipe-neto-e-vitima-de-fake-news-e-de-ameacas.ghtml. Acesso em: 24.08.2020.

8 BRASIL. Notícia Jornalística. O que é efeito Streisand? Fenômeno viraliza 'segredos' de famosos. (2019). Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2019/10/o-que-e-efeito-streisand- fenomeno-viraliza-segredos-de-famosos.ghtml. Acesso em: 24.08.2020.

9 BRASIL. Notícia Jornalística. ESQUECIMENTO X INFORMAÇÃO Google não terá que apagar resultado de buscas para a expressão "Xuxa pedófila". (2017).

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 *Caroline Bagesteiro é advogada no escritório Pierozan Advogados e pós-graduanda em Direito Digital.

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