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Os aspectos inconstitucionais da nova aposentadoria por invalidez

O novo coeficiente aplicado no cálculo do benefício gera situações desiguais e desproporcionais entre os segurados da Previdência.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Atualizado às 13:55

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A aposentadoria por invalidez, atual aposentadoria por incapacidade permanente, é paga ao segurado que está incapacitado para o trabalho e sem possibilidade de reabilitação para outra função.

O auxílio-doença, atual auxílio por incapacidade temporária, por sua vez, é o benefício pago àquele que está temporariamente incapacitado para exercer as suas atividades laborais.

Peço licença ao leitor para transpassar as questões relacionadas aos requisitos de concessão dos benefícios, para adentrar, sem delongas, ao ponto chave do artigo: o novo coeficiente aplicado no cálculo da renda da aposentadoria por invalidez.

Dentre as mudanças promovidas pela Reforma da Previdência, a alteração no valor dos benefícios, sem sombra de dúvidas, foi a que mais penalizou o segurado. O cálculo das aposentadorias, inclusive a aposentadoria por invalidez, determina a aplicação do coeficiente de 60% ao salário de benefício, acrescido de 2% para cada ano de contribuição que ultrapasse os 15 anos para a mulher e 20 anos para os homens.

Pelas regras anteriores, o coeficiente aplicado ao salário de benefício, em caso de aposentadoria por invalidez, era de 100%, independentemente do tempo de contribuição do segurado no momento em que acometido da incapacidade permanente que resultou na concessão dessa aposentadoria.

Atualmente, a exceção à regra ocorre em razão da incapacidade permanente por acidente de trabalho, doença profissional e doença do trabalho, situações em que o coeficiente da aposentadoria por invalidez/por incapacidade permanente será de 100% do salário de benefício, independentemente do tempo de contribuição.

De forma mecânica passamos a estudar e assimilar as novas regras sem promover o necessário juízo crítico.

O novo cálculo da aposentadoria por invalidez promove situações de patente injustiça, isso porque, podemos, por um lado, ter segurados com o mesmo grau de incapacidade, mas com tratamento diverso conferido pela norma e, por outro lado, situação de risco social mais grave recebendo o menor amparo previdenciário.

Ora, se a aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez) como o próprio nome sugere, é destinada àqueles segurados que se encontram sem possibilidade de recuperar a capacidade para o trabalho, qual a justificativa técnica para que no caso de incapacidade permanente por doença não relacionada ao trabalho seja aplicado coeficiente menor do que para a incapacidade decorrente do trabalho? Em ambos os casos, não estão os segurados, de forma igual e permanente, impossibilitados de trabalhar?

Para facilitar o entendimento, imagine a situação de um trabalhador com 50 anos de idade e 20 anos de tempo de contribuição que tenha sofrido uma queda de elevada altura nas dependências da empresa, vindo a ficar paraplégico em razão do acontecido. Agora imagine a situação de outro segurado, também com 50 anos de idade e 20 anos de contribuição, que sofreu um AVC, vindo a ficar com todo o lado esquerdo do corpo paralisado, sem possibilidade de realizar as atividades mais cotidianas de forma independente.

Ambos os casos hipotéticos são suficientes para ensejar a concessão da aposentadoria por invalidez/por incapacidade permanente, contudo, no segundo caso, pelas regras atuais, será aplicado o coeficiente de 60% ao benefício do segurado, enquanto no primeiro caso, o coeficiente será de 100%.

Ambas as situações, assim como todas as outras que ensejam a concessão do benefício por incapacidade permanente, requerem a mesma proteção social.

Sabe-se que os benefícios por incapacidade decorrente de acidente de trabalho possuem consequências práticas diversas daqueles que não possuem correlação com o trabalho, como por exemplo, a estabilidade do empregado e a majoração do FAP (Fator Acidentário de Prevenção) da empresa. Tais consequências visam, acima de tudo, proteger o trabalhador da desídia da empresa no seu dever de cuidado, assim como, pretende penalizar financeiramente o causador do dano ao segurado e à Previdência: o empregador.

Contudo, causar distinção entre segurados no que se refere ao coeficiente aplicado no cálculo da renda mensal, prejudica injustificadamente o próprio trabalhador, aquele que deve ser sujeito de direitos e da proteção social no âmbito da Previdência.

O princípio constitucional da igualdade, um dos pilares da justiça social e do Estado Democrático de Direito, determina que a lei não poderá tratar desigualmente os iguais, ou seja, aqueles que se encontram em situações semelhantes ou idênticas devem ter o mesmo tratamento.

Nas palavras de Marinoni, Sarlet e Mitidiero, sintetizando os ensinamentos de CANOTILHO,

[...], é possível afirmar que também no Brasil o princípio (e direito) da igualdade abrange pelo menos três dimensões: (a) proibição do arbítrio, de modo que tanto se encontram vedadas diferenciações destituídas de justificação razoável com base na pauta de valores constitucional, quanto proibido tratamento igual para situações manifestamente desiguais; (b) proibição de discriminação, portanto, de diferenciações que tenham por base categorias meramente subjetivas; (c) obrigação de tratamento diferenciado com vistas à compensação de uma desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelo Poder Público, de desigualdades de natureza social, econômica e cultural.1

Permitir que a mesma situação de incapacidade permanente resulte em regras diversas no cálculo do benefício fere, flagrantemente, tal princípio.  

É cediço que os valores dos benefícios observarão os salários de contribuição vertidos por aquele segurado, o que justifica a variação no valor das rendas: quem tem a maior contribuição média, receberá o maior benefício.

A explanação trazida não trata da situação contributiva particular de cada segurado, mas da aplicação de regras de cálculo diferentes para pessoas em mesma situação de risco social.

Outro efeito esdrúxulo promovido pela alteração no cálculo do benefício da aposentadoria por invalidez se consubstancia na possibilidade da renda do auxílio-doença ser maior do que a renda da aposentadoria, isso porque, enquanto a aposentadoria por invalidez parte do percentual de 60%, o auxílio-doença/auxílio por incapacidade temporária é fixado em 91%.

Assim, não raro, teremos situações em que um segurado acometido de um risco social de maior gravidade, qual seja, a incapacidade permanente, terá uma cobertura previdenciária menor do que caso fosse acometido pelo risco social menos grave que é a incapacidade temporária. Ou seja, a renda mensal do benefício por incapacidade permanente, poderá ter valor menor do que a do benefício por incapacidade temporária.

Evidente a desproporção promovida pela norma, revelando o caráter inconstitucional da Reforma nesse ponto.

O princípio da proporcionalidade, em que pese não estar expressamente previsto na Carta Magna é reconhecido como princípio geral do Direito que serve como regra norteadora de todos os ramos jurídicos e todos os atos emanados do Estado.  

Conforme ensina Inocêncio Mártires Coelho2, "o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico".

A distinção dos coeficientes aplicados aos benefícios pagos em razão do risco social "incapacidade permanente", frente àquele aplicado ao risco social "incapacidade temporária", se revela injusto, desproporcional e carente de bom senso.

Evidente que a discussão sobre os pontos ora abordados apenas se inicia. Assim, convido todos a refletirem sobre a problemática para juntos desenvolvermos argumentos e fomentarmos o debate, levando às Cortes Superiores a necessária apreciação das situações apresentadas, as quais são de tamanha relevância para o trabalhador, pois tratam de valores destinados ao seu sustento.

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1 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional - 8. ed. - São Paulo : Saraiva Educação, 2019, 769 p.

2 COELHO, Inocêncio Mártires. Métodos - Princípios de interpretação constitucional. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 230, p. 163-186, out. 2002. ISSN 2238-5177. Disponível clicando aqui. Acesso em: 21 Out. 2020. doi:https://dx.doi.org/10.12660/rda.v230.2002.46340.

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 *Alini Patrícia Alves de Melo é advogada, proprietária do escritório Alini Melo Advocacia e Consultoria. Especialista e pós-graduada em Direito Previdenciário.

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