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A retirada forçada e a exclusão de sócio nas limitadas

Sempre foi tema de grande discussão na ordem jurídica brasileira a retirada de sócios nas sociedades limitadas.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Atualizado às 08:16

No regime legal anterior (decreto 3.708) criou-se na jurisprudência- diante da ausência de norma expressa-- a figura da dissolução parcial da sociedade face ao socio retirante, apurando-se os haveres deste calculados em função de sua parcela de capital, e continuando a empresa com os sócios restantes

No regime do Código Civil atual há disposição clara prevendo a chamada "exclusão forçada do sócio" por deliberação majoritária dos demais sócios (artigo 1030), pagando-se ao mesmo sua fração de capital mediante balanço especial (artigo 1031). Tal exclusão, como resta claro do texto legal, há de ser motivada, evidenciando-se falta grave do sócio em questão, ou sua incapacidade superveniente declarada, sua falência ou execução forçada sobre suas cotas (parágrafo único). A necessária motivação, centrada nas expressas previsões da lei, impede naturalmente que a maioria exerça poder arbitrário de eliminação do socio do corpo social.

Ainda, existe no trato das sociedades limitadas no Código Civil atual (artigo 1077), a expressão de um direito de retirada pertencente ao socio cotista que se mostre insatisfeito com qualquer modificação do contrato social, ou com a incorporação pela sociedade de outra, ou dela mesma por outra sociedade. Lembrar que o mero aumento de capital ou a entrada de novo socio acarreta necessária alteração no contrato social, ensejando, pois, tal direito de recesso.

Um verdadeiro direito de recesso semelhante ao que ocorre nas anônimas, já acobertando essas hipóteses mais radicais nas incorporações da sociedade já abrindo a chance da retirada em caso de modificação no contrato social. Também aqui o código, remetendo a seu artigo 1031 prevê o reembolso das cotas do retirante com base em balanço patrimonial de determinação a ser levantado, sempre se advertindo que a lei concede possibilidade de outro tipo de solução que não seja tal balanço patrimonial desde que o contrato social assim determine.

Mas há ainda a permissão legal (artigo 1029) para, nas sociedades por prazo indeterminado de duração (a grande maioria delas), o socio insatisfeito retirar-se de vontade própria mediante simples aviso prévio de 60 dias. Aqui, ao contrário da hipótese das sociedades a prazo certo - onde o legislador demanda "justa causa" - o dispositivo legal não exige motivação específica, tratando-se de caso claro de denúncia vazia. Os efeitos serão os mesmos daquela antiga "dissolução parcial" sob a legislação anterior, como o próprio código deixa claro (art. 1031). E a lei nova (artigo 1029, parágrafo único) ainda declara que em 30 dias dessa "denúncia vazia" a sociedade pode optar por sua dissolução, que aí será total, e não parcial, pagando-se fração de capital a todos, não só ao socio denunciante.

Deve se entender aí que a lei contemple hipóteses onde a saída daquele socio denunciante torne desinteressante ou inconveniente o prosseguimento dos negócios sociais, sendo desnecessária previsão expressa no contrato social. Isso se e quando a sociedade assim preferir, pois a mera exclusão de sócio - qualquer sócio - não implica extinção, mas sim mera dissolução parcial (Jornada I STJ/ 67).

Também o código no parágrafo segundo do artigo 1031 prevê o pagamento dos haveres ao retirante em 90 dias e em dinheiro, algo a merecer atenção pois que usualmente o contrato social, o qual, pela lei em tela, pode dispor de modo diferente, estipula pagamento mais alongado no tempo, em parcelas mensais para minorar os efeitos da inevitável descapitalização da sociedade.

Observa se que o sócio insatisfeito deve notificar, já a sociedade na pessoa de seu representante legal, já os demais sócios, por isso que a eventual necessária ação judicial deve ser promovida contra a sociedade e os demais sócios remanescentes '"em litisconsórcio necessário, pela singela razão de que o pagamento dos haveres deverá ser feito com o patrimônio da empresa", como já decidiu e proclamou o STJ no Recurso Especial 105.667/SC.

De outra parte o judiciário tem prestigiado o direito material potestativo de retirada do socio, até admitindo a ausência da notificação prévia"' sendo tal requisito suprido pela citação na ação judicial de retirada"' (Apelação Cível 70033038271, 5a Câmara Cível do TJ/RS, julgado em 14/12/11).

Já o código de processo civil veio estipular prazo curto de 10 dias após notificada a sociedade para se formalizar o desligamento do sócio (artigo 600, IV), findo o qual o interessado pode propor a competente ação judicial visando tal efeito de retirada. Naturalmente que o pagamento dos haveres do retirante vai se processar depois, levantando se antes o balanço de verificação para se chegar ao valor devido, como o código (artigo 1031) o determina.

Realça observar que tal modo de mensuração do valor devido ao socio retirante ou na hipótese aqui cuidada (denúncia vazia) ou no caso de direito de recesso do artigo 1077, é afirmado pelo art. 1031 como prevalente salvo disposição contratual diversa. Matéria, pois a ser vista com atenção por quem adere como socio a uma sociedade limitada, pois que pode haver no contrato social dispositivo que ordene algum modo de reembolso que não corresponda a real fração de patrimônio líquido cabível, que corresponda a participação do socio no capital social.

Na exclusão forcada, hipótese onde o socio é ejetado do corpo social, consigna-se, como o Conselho da Justiça federal já proclamou no enunciado 216, que a decisão deve ser determinada pela maioria dos demais sócios, pois de outro modo se computado para tal maioria a parcela de capital do próprio retirante, nunca se conseguiria excluir da sociedade algum majoritário.

O que o judiciário não tem admitido é a exclusão "tout court" sem reunião prévia e sem oportunidade de defesa por parte do excluído (Bol AASP 2274/498 TJ/SP Des Cesar Peluso).

Sempre há de se distinguir e o código não se mostra muito sistemático nesse particular entre a exclusão forcada prevista no artigo 1085 da lei, daquela contemplada no artigo 1030 acima visto. De início a hipótese do artigo 1085 exige de modo categórico a previsão expressa no contrato social, e a prática de atos de "inegável gravidade", o que não sucede no caso de invocação do artigo 1030. De todo modo já a mera referência do artigo 1085 ao anterior artigo 1030 solidifica o entendimento que a norma deste último inserida nas regras das sociedades simples também se aplica às limitadas.

No REsp 1653.421 de 20/10/17 o STF pontuou que nesses casos do artigo 1030 "não incide a condicionante prevista no artigo 1085 do código civil, somente aplicável na hipótese de exclusão extrajudicial de socio por deliberação da maioria representativa de mais da metade do capital social mediante alteração do contrato social. Ou seja, aqui não há a condicionante da tal pratica de atos de inegável gravidade.

Se portanto a maioria social ("mais da metade do capital social") pretender excluir algum sócio deverá ter evidenciado o risco da continuidade da empresa por comprovados atos de evidente gravidade atribuíveis a tal socio, e assim já modificar o contrato social com tal exclusão, desde que o contrato comporte tal exclusão por justa causa.

A lei13.792 de 2019 deu redação apropriada ao parágrafo único daquele artigo 1085 demandando se de modo expresso reunião ou assembleia de sócios especialmente convocada com aviso prévio ao interessado para comparecer e exercer sua defesa.

Enfim sempre se note como já nos referimos acima, que o artigo 1030, tratando daqueles casos especiais e expressos, nessa matéria de exclusão de socio "traz inovação que diz respeito ao poder da minoria já que a exclusão de socio majoritário pode se dar por decisão majoritária entre os demais (Arnold Wald citando Salvio de Figueiredo in "comentários ao novo código civil", Vol XII, pág. 237 Ed Forense).Já na vertente do artigo 1085, dos casos de atos de inegável gravidade acaso praticados por um sócio só a maioria de mais da metade do capital social pode assim deliberar.

Há, na previsão do código, inscrita no artigo 1030, as ocorrências "patológicas" de exclusão do sócio, seja quando ele se qualifica como remisso (artigo 1004) na sua obrigação básica de integralizar sua cota, seja no caso de sua falência, ou de penhora e liquidação de suas cotas, ou ainda havendo incapacidade superveniente do mesmo. Admite a lei ainda hipóteses expressas de eventos outros constantes do contrato social, devendo se ter em conta que nesses casos graves a exclusão será extrajudicial, cabendo ao socio inconformado ajuizar ação anulatória para reverter tal situação.

Em suma, ao contrário do que sucede com as sociedades anônimas (exceto as companhias abertas onde as ações podem ser vendidas no mercado a toda hora) onde o acionista insatisfeito só tem raras chances de se desligar catalogadas na hipótese legal do direito de recesso, aqui nas sociedades limitadas os sócios podem exercer a toda hora seu direito de retirada, apenas se demandando justa causa se a empresa for estatuída como de prazo determinado

Anote-se, contudo, em ressalva que tanto a doutrina mais moderna como a jurisprudência mais recente do STJ tem admitido exclusão de acionista de companhia face a falta grave (citamos aqui o EREsp 132.1263/PR autuado em 7/3/17 Rel Min Maria Isabel Gallotti).

É este o quadro normativo vigente regrando já a retirada forcada, por vontade própria, do socio na sociedade limitada, já a exclusão forcada do sócio por vontade do corpo social.

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 *João Luiz Coelho da Rocha é pós-graduado em Direito empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, professor de Direito Comercial da PUC/RJ e advogado do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados.

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