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Direito econômico e Direito social - Limites

Em uma democracia encontram-se harmônicos e independentes os poderes executivo, legislativo e judiciário, ou melhor dizendo, assim deve ser.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Atualizado às 08:07

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Lendo uma conferência faz tempo prolatada pelo inesquecível ministro Orlando Teixeira da Costa, tive a impressão de ler algo que parecia ter sido escrito agora, nessa realidade que estamos passando.

Diz Orlando Teixeira da Costa que,

"Os campos do Direito Econômico e do Direito do Trabalho são fronteiriços e as regras de um não podem repercutir com força sobre o outro. Os limites têm de ser preservados e não se pode pensar que o primeiro esteja autorizado a penetrar sobre o outro e apagar seu objetivo primordial que é assegurar a paz social."

Em uma democracia encontram-se harmônicos e independentes os poderes executivo, legislativo e judiciário, ou melhor dizendo, assim deve ser.

Neles atuam o poder social, o econômico e político, bem como o poder das comunicações. Não haverá democracia, entretanto, se um desses puder assumir o campo de atuação de outro, hipertrofiando-se o equilíbrio necessário ao jogo democrático e, consequentemente, pondo-se em risco a paz almejada por todos.

O direito social tem como base a dignidade da pessoa humana, sendo este um princípio fundamental de nossa Constituição, bem como os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

A economia, por sua vez, tem como objetivo o desenvolvimento, produzindo a força dos detentores do meio de produção.

Vemos então dois poderes que devem correr juntos, em harmonia, sendo que o econômico tem de ter como meta o maior desenvolvimento social.

Sim, porque vejam bem, a empresa não existe sem o homem, mas o homem continua vivo sem a empresa, daí porque a Constituição da República, em seu artigo 1º , inciso III afirma como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e em seu inciso IV, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Mas o que vemos em nosso país atualmente, sem querer entrar na legislação extraordinária para minimizar a pandemia, o que vemos é que o poder econômico, que tem como objetivo desenv0lver os meios de produção em favor do social, transformar o trabalhador como meio, e não meta desse desenvolvimento, inserindo-o como mais uma ferramenta pela qual é possível alcançar-se um crescimento econômico de maior amplitude.

É clara a influência da globalização na economia e na política entre os países, com reflexos sociais dos mais nefastos.

De algum tempo que teve início uma campanha contrária à Consolidação das Leis do Trabalho, dizendo que ela era ainda do tempo de Vargas , totalmente defasada da realidade.

Evidentemente que haviam alterações a ser feitas, especialmente no que concerne a novos tipos de trabalho decorrentes da evolução social existente, cuja legislação não acompanha as mudanças exigidas de forma atualizada.

Mas, na verdade, a Consolidação das Leis do Trabalho, como o nome mesmo diz, é uma Consolidação e foi consolidando quase todas as leis trabalhistas  razão pela qual nunca esteve desatualizada como se pretendeu e como se diz até hoje.

Os Tribunais trabalhistas, não sei se por uma ideia equivocada de que o processo trabalhista seria inferior aos demais, passaram a apresentar projetos complicando o que era simples para o trabalhador e empresas, sendo que atualmente a legislação processual que rege os processos sobre relação de trabalho é mais complexa do que as que regem o direito processual comum.

O governo atual extinguiu o Ministério do Trabalho, acredito que o mais importante dos ministérios porque trata do trabalho humano, levando suas principais secretarias para o Ministério da Economia.

O próprio Supremo Tribunal Federal está confirmando o entendimento agora legal de que o negociado se sobrepõe ao legislado, o que me parece um absurdo jurídico sobre o qual nunca ouvi uma palavra em qualquer outro ramo de direito.

É certo que o negociado poderá ser válido no vácuo da legislação mas dizer que ele se sobrepõe à própria lei é dizer que nada vale a lei se houver acordo concedendo ou negando direitos diversos da mesma. 

Vejam, em um país cujos sindicatos são relativamente fortes em São Paulo e no Rio de Janeiro, e no resto do Brasil não têm grande  pressão, com raras exceções, e que, atualmente, são e serão cada vez mais fracos porque não existe mais a contribuição sindical obrigatória, retirada sem uma regra de redução proporcional temporária, dizer que o negociado vale mais do que o legislado é o mesmo que dizer que os empregadores concedem o que quiser, independentemente do que diga a lei.

Confirmou ainda o Supremo Tribunal Federal, que é constitucional a norma do artigo 114, IX, parágrafo segundo mediante a qual poderão as partes , não havendo acordo, ingressar com dissídio coletivo desde que haja comum acordo.

Ora, de início nunca vi na minha vida alguém entrar em conflito de comum acordo. Aliás, já vi em filmes quando se trata de duelo. Mas disse o Supremo que esse comum acordo seria uma forma de ampliar a negociação coletiva.

Ao mesmo tempo, porém, entendeu a Suprema Corte que não há ultra atividade da sentença normativa anterior, ou seja, qual o empregador que vai conceder maiores benefícios em um acordo coletivo se sabe que os anteriores concedidos caducaram e que novos só mediante dissídio coletivo ao qual podem não concordar?

Esses poucos exemplos já demonstram que estamos caminhando cada vez mais para a predominância do econômico sobre o social.

Peço que me perdoem a piada, mas ouvi dizer que o primeiro economista , assim considerado no mundo, foi Cristóvão Colombo, pois navegava sem saber para onde e sempre por conta do Governo.

E é nessa navegação, sem rumo certo, que me parece que o Brasil está caminhando, colocando a economia regendo o social, ao contrário do que dispõe a Constituição Cidadã de 1988.

Parece-me que a globalização sem limites, decorrente de avanços tecnológicos, gerou um desequilíbrio no mercado de trabalho  e uma crise de desemprego mundial.

Com a abertura internacional dos mercados, países com superpopulação, que carecem de consumo interno, produzem por preço inferior, invadindo as  demais nações com seus produtos, e em consequência, gerando maior desemprego, sem nem falar na pandemia.

A globalização, nesse sentido, traz como consequências sobre o direito dos trabalhadores o desemprego, a inexistência de direitos trabalhistas, ou sua redução, a diminuição de custos e aumento da produção, com a exploração da mão-de-obra e reduzido valor salarial correspondente, fazendo com que haja um retorno da área social a uma forma mais próxima da escravidão.

Acontece, que ao não se enxergar que os direitos sociais estão ao lado dos interesses econômicos, vê-se no país a inexistência da paz social, pois a passividade do trabalhador afasta-se quando a fome fala mais alto.

Esse movimento cíclico de perda do nosso direito social, frente a essa doutrina neoliberal, nada mais é do que a repetição de movimento já existente na história que agora, com a independência concedida pelos meios de comunicação e redes sociais, aparece com maior ênfase, pois essa grande novidade da globalização já se encontrava no manifesto de Marx e Engels, como parte integrante do sistema capitalista, que assim a descrevia:

"Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte. Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países."

A doutrina liberal repousa na crença de uma harmonia natural decorrente da atividade econômica espontânea na procura de maior ganho, sendo que os meios de comunicações atuais permitem que as consequências de tal doutrina sejam aceleradas, especialmente nos países do terceiro mundo.

O que se verifica é que o caminho desse mundo econômico leva ao pensamento de que todos são iguais, patrões e empregados, e que garantias de lei aos mais fracos seria algo de um mundo intervencionista que não deveria mais existir, ou seja, vamos tratar os iguais com igualdade e os desiguais também.

Mas não estou querendo dizer que sou contrário à globalização e ao mundo tecnológico. Não, sou contrário à globalização desenfreada ao lucro sobre o social, aos interesses econômicos sobre os direitos dos trabalhadores.

Finalmente, e já que estamos tratando de avanços na era eletrônica  e tecnológica, esclareço que muito menos a elas sou contrário, pois entendo de fantástica relevância essas redes sociais.  É preciso, porém, deixar claro que elas têm de ser vistas como um meio de comunicação extraordinário, mas não como um fim de comunicar prejuízos sociais como vantagens concedidas.

Ou seja, a rede social  é benéfica. O que pode haver de ruim são notas e vídeos expostos para prejudicar os trabalhadores, ou melhor, sempre o homem que utiliza a rede e não a rede em si própria.

Como disse Orlando Teixeira da Costa, "os limites entre o econômico e o social têm de ser preservados e não se pode pensar que o primeiro esteja autorizado a penetrar sobre o outro e apagar seu objetivo primordial que é assegurar a paz social."

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 *José Alberto Couto Maciel é sócio fundador do escritório Advocacia Maciel.

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