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Artigo II da Convenção de Nova Iorque e a Jurisprudência do STJ

Tendo em vista as mudanças paradigmáticas no que concerne à interpretação do art. II da Convenção de Nova Iorque, a doutrina internacional discute as possíveis interpretações da expressão "acordo escrito".

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Atualizado em 24 de novembro de 2020 10:29

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No plano internacional, a Convenção de Nova Iorque entrou em vigor no dia 07 de junho de 1958, tendo sido promulgada, no Brasil, pelo decreto 4.311, de 23 de julho de 2002.

Tendo em vista as mudanças paradigmáticas no que concerne à interpretação do art. II da Convenção de Nova Iorque, a doutrina internacional discute as possíveis interpretações da expressão "acordo escrito" no que tange à validade da manifestação de vontade das partes de submeter o litígio à arbitragem.

A corrente positivista/formalista demanda uma interpretação literal da expressão "acordo escrito". Em contrapartida, a corrente progressista advoga uma interpretação extensiva do artigo II da Convenção de Nova Iorque devido à realidade contemporânea dos negócios jurídicos comerciais internacionais.

A abordagem tradicional prega que o artigo II da Convenção de Nova Iorque deve ser interpretado de forma literal, de modo que a validade das cláusulas arbitrais ou dos compromissos arbitrais está intrinsecamente relacionada à presença de assinatura ou troca de correspondência. Consequentemente, os acordos de arbitragem feitos oralmente - ainda que ratificados posteriormente por escrito ou pelo comparecimento das partes perante o tribunal arbitral - não são aceitos como formas válidas de adesão ao litígio arbitral.

Mencione-se, a título de exemplo de interpretação formalista, a decisão do STJ no processo envolvendo Plexus Cotton Limited e Santana Têxtil S/A.

As partes firmaram contrato de compra e venda de algodão. Santana não assinou o contrato e rejeitou a mercadoria. Plexus iniciou o procedimento arbitral, e o tribunal arbitral condenou Santana a pagar o valor de U$230.000,00 à Plexus por inadimplemento contratual. A decisão baseou-se no artigo 4º (1) da Lei Brasileira de Arbitragem, que é próximo, mas não idêntico ao artigo II (1) (2) da Convenção de Nova Iorque. Como as partes não assinaram o contrato, Santana contestou a competência do tribunal arbitral em todas as instâncias. Assim, o artigo 39, II, da Lei Brasileira de Arbitragem (que corresponde ao artigo V(2)(b) Convenção de Nova Iorque) teria sido violado. O STJ, na linha do precedente do Supremo Tribunal Federal, considerou que a sentença arbitral não deveria ser homologada.

Diferentemente, a abordagem pós-positivista advoga a atualização da terminologia empregada pelo fato de muitas convenções de arbitragem não serem pactuadas "por escrito", como determina o artigo II da Convenção de Nova Iorque. Mencione-se, a título exemplificativo, os contratos de transporte internacionais, os quais, em geral, são celebrados oralmente.

De fato, as regras de mercado evoluem mais rapidamente do que a lei, tornando-a obsoleta. A fim de contornar este problema, deve-se considerar uma interpretação razoável baseada na boa-fé e no bom senso, adotando-se o entendimento de que o artigo II (1) (2) da Convenção de Nova Iorque tem por objetivo acomodar os costumes atuais do comércio internacional.

Em mudança paradigmática, o STJ adotou uma abordagem pós-positivista no processo envolvendo L'Aiglon S.A e Têxtil União S.A. O requerido argumentou que o contrato em que a cláusula compromissória foi inserida não foi assinado pelas partes, além de não ter havido troca de correspondência entre elas. Como não houve acordo expresso sobre a cláusula arbitral, o Requerido postulou pela não homologação da sentença arbitral proferida pela Liverpool Cotton Association.

Não obstante isso, o STJ argumentou que (I) no comércio comercial internacional, é costume submeter disputas legais à arbitragem; (II) o contrato foi parcialmente cumprido; (III) houve concordância tácita, na medida em que o Requerido participou do procedimento arbitral e não  contestou a jurisdição do juízo arbitral. Por essas razões, a Corte considerou que a sentença arbitral estrangeira deveria ser homologada.  

Na mesma linha de entendimento, o STJ homologou a sentença arbitral impugnada no caso Comverse INC. V. American Telecommunication do Brasil LTDA em que a empresa American Telecommunication do Brasil LTDA alegou não ter celebrado cláusula compromissória ou compromisso arbitral com a empresa Comverse INC. Muito embora o STJ tenha reconhecido a ausência de acordo sobre a cláusula compromissória, a Corte constatou que o Requerido compareceu e participou ativamente do procedimento arbitral. Assim, foram atendidos os requisitos da Lei de Arbitragem Brasileira e do art. V, I, a, da Convenção de Nova Iorque.

Essa abordagem leva em conta o comportamento das partes para determinar a real intenção de arbitrar considerando-se os costumes do comércio internacional e a boa-fé. Os costumes do comércio internacional são importantes para desenvolver acordos comerciais e o estimular o crescimento econômico. A boa-fé, por sua vez, inibe comportamentos abusivos, enriquecimento ilícito e estratégias protelatórias.

Outra questão oriunda do artigo II (2) da Convenção de Nova Iorque é a "troca de cartas e telegramas". De fato, o desenvolvimento tecnológico avançou, e a "troca de cartas e telegramas" não reflete a realidade moderna. Hoje em dia, a comunicação eletrônica é o método de comunicação mais utilizado, já que muitos contratos são negociados e celebrados por esta via.

Dessa forma, a UNCITRAL recomenda que o rol do artigo II (2) da Convenção de Nova Iorque seja interpretado de forma não taxativa, incluindo-se a comunicação eletrônica como prova válida de confirmação da convenção de arbitragem.

Em conclusão, sugere-se a adoção pelos tribunais de uma abordagem pós-positivista quanto à interpretação do artigo II (1) (2) da Convenção de Nova Iorque, já que a lei deve estar atualizada e alinhada à necessidade do mercado. De fato, muitos contratos comerciais são celebrados oralmente, e as negociações internacionais são conduzidas de acordo com os costumes do comércio internacional.

No entanto, os tribunais devem analisar os fatos cuidadosamente a fim de definir se o requisito de manifestação de vontade foi devidamente preenchido. Uma interpretação ampla e imprudente pode minar a uniformidade de interpretação, que é a maior realização da Convenção de Nova York. Ademais, a decisão de arbitrar gera sérias consequências, pois as partes renunciam aos seus direitos de ter suas disputas resolvidas pelos tribunais estaduais.  

A título de sugestão, os seguintes tópicos devem ser considerados para determinar se o acordo arbitral preenche os requisitos do art. II (1) (2) da Convenção de Nova Iorque:

a)  Existência de provas de que as partes concordaram voluntariamente em arbitrar com base na sua intenção e no seu comportamento (ainda que não haja documentação escrita), devendo a comunicação eletrônica ser aceita para fins de comprovação do requisito previsto no artigo II (2) da Convenção de Nova Iorque, conforme recomendado pela UNCITRAL;

b)  Observância dos costumes do comércio internacional e da boa-fé contratual;

c)  Existência de adimplemento parcial ou total do contrato;

d)  Participação das partes no procedimento arbitral;

e)  Existência de arguição de incompetência do tribunal arbitral durante o trâmite dos procedimentos arbitrais.

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 *Luciana Lie Kuguimiya é especialista em Direito Constitucional, em Direito Internacional Civil e Comercial e em Arbitragem Internacional. Sócia do escritório Godke Advogados.

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