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Concessionárias de serviços públicos podem cobrar valores de pessoas jurídicas de direito público em razão do uso de faixas de domínio?

Incidente de Assunção de Competência 8 e uso das faixas de domínio

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Atualizado às 12:49

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Recentemente foi afetado à 1ª Seção do STJ um Incidente de Assunção de Competência (IAC) de nº 8, visando discutir a legalidade de cobrança promovida por concessionária de rodovia, em face de autarquia de prestação de serviços de saneamento básico, pelo uso da faixa de domínio da via pública concedida1.

Diferentemente do instituto dos Recursos Repetitivos também previsto no CPC, que demanda o preenchimento simultâneo da (i) existência de inúmeros processos relacionados ao tema, (ii) aliado ao risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, o Incidente de Assunção de Competência (IAC) exige (i) uma relevante questão de direito, (ii) com grande repercussão social (em cujo conceito se compreendem questões de cunho econômico, politico, religioso e cultural), sendo despicienda a existência de inúmeros processos.

Por esta razão é que a eminente Ministra Regina Costa decidiu afetar este processo, reconhecendo uma questão de direito com repercussão econômica (social), assentada sobre os seguintes fundamentos: a) o artigo 11 da lei 8.987/952, que permite ao poder concedente, prever, em favor dos concessionários, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas3, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a garantir a modicidade das tarifas, e, por consequência, b) o equilíbrio econômico financeiro dos contratos de concessão.

A faixa de domínio, de acordo com Floriano de Azevedo Marques Neto é o terreno marginal da rodovia, que remanesce do leito carroçável, de modo a permitir uma zona de segurança e uma reserva de terreno para ampliações futuras, mas ainda assim integrante do conjunto de bens vinculados à operação rodoviária4.

Trata-se de local que pode ser explorado com a inserção de placas de publicidade, instalação de postos de combustível, telefones de emergência, áreas de descanso, além da instalação de cabeamento de energia elétrica, gás ou até rede coletora de esgoto, como é o caso do Incidente de Assunção de Competência.

Portanto, a faixa de domínio está efetivamente atrelada à totalidade de bens objeto da concessão, ainda que a titularidade de alguns deles possa pertencer a um ente político. Trata-se de bem de uso comum do povo5, que nos termos do artigo 103 do CC, pode ser utilizado gratuitamente ou mediante retribuição, conforme estabelecer a lei a que pertencem.

Logo, inexistindo legislação do ente político titular isentando a utilização do bem de uso comum, prevalecem as regras dos editais e dos contratos de concessão, com absoluta presunção da possibilidade de cobrança de valores pela utilização do local objeto de concessão, uma vez que deverá ser mantido de alguma forma por parte da concessionária, seja pela simples manutenção ou ainda pela construção de acesso pavimentado ou outro tipo de infraestrutura, que implicará dispêndio econômico a ser devidamente ressarcido por parte do poder concedente ou daquele que faz uso da faixa de domínio.

E ainda que legislação criada pelo ente político proibisse a cobrança de valores quando da utilização do local por parte de um terceiro, o edital do contrato de concessão deveria dispor sobre os critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, nos termos do artigo 23, inciso XI, da lei 8.987/95, uma vez que estaria evidenciada a restrição da plena exploração do plexo de bens outorgados.

É importante destacar que além dos cuidados com a faixa de domínio, são impostos às concessionárias a manutenção e a operação do complexo viário, abrangendo o leito carroçável, as praças de pedágio, as edificações e os acostamentos, o que demanda pesado investimento e gestão.

Portanto, presente esta autorização no edital, e fixados parâmetros de cobrança destes valores no contrato, lícita é a arrecadação a título de receita alternativa pela utilização por parte de um terceiro, da faixa de domínio, independentemente se for uma um particular, um órgão ou entidade da Administração Pública, ou ainda uma outra concessionária, conforme já reconheceu a própria 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça nos Embargos de Divergência no REsp 985.695/RJ6, e que por questão de similitude fática e jurídica, deve ser aplicado ao caso, de forma a manter a jurisprudência estável e coerente, em homenagem à segurança jurídica.

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1- IAC discute se concessionária de rodovia pode cobrar de autarquia de saneamento pelo uso da faixa de domínio 

2- Além deste dispositivo, é importante mencionarmos o artigo 103, do Código Civil, cujo teor dispõe que "o uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem".

3- O edital de licitação pode estabelecer parâmetros para a cobrança de valores por parte das concessionárias.

4- MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; ZAGO, Marina Fontão. Utilização das faixas de domínio por concessionária de rodovias federais. F'rum de Contratação e Gestão Pública - FGCP, Belo Horizonte, ano 10, nº 111, mar. 2011. Disponível em: Utilização das faixas de domínio por concessionária de rodovias federais. Acesso em 09 mar. 2019.

5- Código Civil. Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

 

6- ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. CONCESSÃO. RODOVIA. DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. COBRANÇA PELO USO DE FAIXA DE DOMÍNIO. ART. 11 DA LEI 8.987/95. POSSÍVEL DESDE QUE PREVISTA NO CONTRATO. CASO SOB ANÁLISE. PREVALÊNCIA DA DISPOSIÇÃO LEGAL. MANUTENÇÃO DO ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA SEÇÃO EXPLICITADO NO ACÓRDÃO PARADIGMA. PROVIMENTO.

1. Cuida-se de embargos de divergência interpostos contra acórdão que consignou não ser possível - no caso - a cobrança de concessionária de distribuição energia elétrica pelo uso da faixa de domínio de rodovia concedida, em razão da existência do Decreto n. 84.398/80.

2. É trazido paradigma da Primeira Seção no qual foi apreciado caso similar, quando se debateu a extensão interpretativa do art. 11 da Lei n. 8.987/95 (Lei de Concessões e Permissões) e a possibilidade de cobrança pelo uso de rodovia por outras empresas concessionárias.

3. No acórdão paradigma está firmado que o art. 11 da Lei n. 8.987/95 autoriza a cobrança de uso de faixas de domínio, mesmo por outra concessionária de serviços públicos, desde que haja previsão no contrato de concessão da rodovia, em atenção à previsão legal.

4. Deve prevalecer o entendimento firmado pela Primeira Seção, que se amolda com perfeição ao caso: "Poderá o poder concedente, na forma do art. 11 da Lei n. 8.987/95, prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas. (...) No presente caso, há a previsão contratual exigida no item VI, 31.1, da Cláusula 31" (REsp 975.097/SP, Rel. Ministra Denise Arruda, Rel. p/ Acórdão Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 9.12.2009, DJe 14.5.2010). Embargos de divergência providos.

(Relator Ministro Humberto Martins, j. 26.11.2014, DJe 12.12.2014).

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*Roberto Tadao Magami Junior é procurador Autárquico, Advogado. Pós-Graduado em Direito Público. Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP. Membro Fundador do Instituto de Direito Administrativo Sancionador - IDASAN.

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