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O que o PL 3.317/20 da Alerj ensina sobre segurança nos investimentos públicos?

Segurança é um dos pressupostos necessários para atrair investimentos privados no setor de infraestrutura.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Atualizado às 15:01

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Ao autorizar o Executivo a extinguir antecipadamente contratos
de concessão por meio do PL 3317/2020, Legislador usurpa
competência do poder Executivo e deixa de prestigiar a
egurança jurídica nos investimentos públicos.

Os contratos de concessão são terreno fértil para demagogia. Sabendo disso, políticos costumam investir contra os contratos celebrados pelo Estado. É fácil explorar o sentimento de que os serviços deveriam ser mais baratos ou mesmo gratuitos. A realidade, todavia, é menos atraente que a ficção. No mundo do faz de conta existem serviços de qualidade sem custos. No mundo real, serviços de qualidade exigem investimentos vultosos.

A questão fundamental é saber quem financiará a implantação e operação desses serviços. O Estado pode assumir esse encargo ou repassá-lo à iniciativa privada, onde particulares buscarão obter lucro pelos investimentos que fazem. Assim, modelos de parceria com a iniciativa privada exigem proteção aos investidores. Segurança é um dos pressupostos necessários para atrair investimentos privados no setor de infraestrutura. Sem segurança, sobram as soluções mágicas que acreditam que o caixa do Estado é infinito.

Ainda assim, políticos agridem contratos de concessão e, para seu próprio benefício, entre se apresentar como defensor do usuário e colher dividendos eleitorais e preservar a institucionalidade, a primeira opção lhes é mais vantajosa. Especialmente considerando que não se costuma responsabilizar agentes públicos pelos efeitos da quebra do equilíbrio econômico-financeiro. Ou seja, o capital político obtido traz ganhos imediatos, já os prejuízos para o sistema são projetados para o futuro e diluídos coletivamente. É uma opção fácil para o político.

Regras jurídicas servem para tentar neutralizar esses riscos. Sua eficácia depende, contudo, de aqueles que aplicam as leis compreenderem que a defesa da segurança jurídica é um fim em si mesma. Além das dificuldades inerentes ao Judiciário, não raro prevalece uma visão de que proteger o interesse público é dar curso a arroubos estatais.

Uma amostra interessante do fenômeno descrito acima é o PL 3317/20, de autoria do deputado Brazão. O projeto é uma coleção de equívocos jurídicos. As ideias nele expostas estão para o direito tal como o terraplanismo está para a astronomia.

O objeto do contrato é autorizar o Executivo a extinguir antecipadamente e por caducidade o contrato de distribuição de gás. Para tanto, alegam-se descumprimentos contratuais que são listados. Indica-se que o sistema deve ser licitado e que o Estado deve se valer da colaboração de Agências reguladoras, inclusive a ANP que é federal.

O projeto implica uma absurda tentativa de o Legislativo se intrometer em temas reservados ao Executivo. Quem faz a gestão do contrato de concessão é o Executivo, que deve se basear nas normas federais que regulam as concessões. A lei federal já autoriza o Executivo a extinguir contratos no caso de o particular descumprir com suas obrigações. Nada de novo aqui. O elemento novo do projeto é fazer juízo de valores sobre a execução do contrato e impor condutas ao Executivo.

Em termos diretos: o projeto é um nada jurídico. Cuida-se de uma tentativa de obrigar o Executivo a agir, sendo que não cabe ao Legislativo assim o determinar. Descumprimentos de contrato devem ser avaliados mediante devido processo legal sob a lógica das sanções previstas contratualmente. Na prática são temas complexos, muitas vezes traumáticos. Isso sem falar na dificuldade de licitar tais serviços, reconhecidamente complexos.

O problema é que mesmo sendo manifestamente improcedente, essas medidas ganham espaço e são percebidas como riscos pelos investidores. Isso é sintoma da baixa crença nas instituições jurídicas. Mesmo sendo evidente que se trata de algo muito equivocado, fato é que o absurdo não pode ser desconsiderado. Talvez o mais triste seja que o absurdo faz parte da gestão desses contratos.

Em suma, ou se protegem os contratos de concessão e suas regras, prestigiando-se à segurança jurídica, ou se convive com a balbúrdia. Por enquanto, infelizmente, a segurança jurídica está perdendo o jogo.

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*Bernardo Strobel Guimarães é doutor em Direito. Professor da PUC/PR. Advogado.

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