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O seguro prestamista e a boa-fé objetiva

O seguro prestamista é contratado com o objetivo de assegurar o pagamento total ou parcial de obrigação assumida pelo segurado em caso de sinistro, este usualmente relacionado à morte ou ao desemprego involuntário.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Atualizado às 14:43

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em linhas gerais, o seguro prestamista é contratado com o objetivo de assegurar o pagamento total ou parcial de obrigação assumida pelo segurado em caso de sinistro, este usualmente relacionado à morte ou ao desemprego involuntário.

Na aquisição de automóvel mediante contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária, por exemplo, pode ser ofertada ao adquirente a contratação de seguro prestamista, segundo o qual, ocorrendo sinistro, a seguradora se obriga, a depender das condições contratuais, a quitar o saldo devedor ou a pagar uma quantidade de parcelas pré-determinadas.

O interessado em contratar o seguro prestamista deve ler com atenção as condições contratuais, sobretudo as cláusulas sobre as coberturas, riscos excluídos e capital segurado. Não raro, a promessa verbal do vendedor, que somente enaltece as vantagens do negócio jurídico, diverge daquilo que efetivamente consta do instrumento contratual.

Em instigante caso, o consumidor foi convencido a contratar seguro prestamista ao adquirir um carro mediante financiamento. Na oportunidade, o vendedor ressaltou que em caso de morte ou desemprego, não haveria razão para preocupação, a seguradora adimpliria as parcelas do financiamento.

À época da contratação, o consumidor, de quem foi solicitado documento de comprovação de renda, exercia cargo comissionado, é dizer, demissível ad nutum. A despeito disso, o vendedor apenas dizia que eventual perda de emprego não seria problema, a seguradora se encarregaria de pagar as parcelas do financiamento.

Aproximadamente dois anos se passaram e o consumidor, arrimo de família, foi exonerado de seu cargo. No meio de tantas preocupações, lembrou-se do tal contrato de seguro, e entrou em contato para reportar o sinistro e solicitar a devida indenização.

A seguradora, contudo, negou o pedido de indenização. Em sua resposta, afirmou que o pedido não encontraria respaldo contratual, pois a cobertura atinente a desemprego involuntário restringia-se a "dispensa sem justa causa de segurado com vínculo empregatício (carteira de trabalho assinada), desde que comprovado um período mínimo de 12 (doze) meses de trabalho ininterrupto para o mesmo empregador, com uma jornada de trabalho mínima de 30 (trinta) horas semanais na data do sinistro."

 Como dito, o consumidor entregara um comprovante de rendimentos ao representante da seguradora. Demais disso, preenchera formulário indicando laborar em cargo comissionado. Noutras palavras, o preposto da seguradora sabia, de antemão, que o consumidor não poderia se beneficiar da cobertura do desemprego involuntário.

Com a negativa da seguradora, a questão foi levada à apreciação pelo Poder Judiciário. Em primeira instância, os pedidos do consumidor foram julgados improcedentes. Entendeu a magistrada pela aplicação literal do contrato.

Interposto recurso, a Turma Recursal ponderou sobre a boa-fé objetiva. Ao interpretar o contrato, concluiu que a exoneração de cargo comissionado deveria ser equiparada à demissão de emprego de carteira assinada, condenando a seguradora a pagar a indenização contratual.

Do acórdão constou que se a intenção da seguradora era limitar a indenização à hipótese de perda de emprego celetista, deveria ter se negado a contratar quando verificado que o consumidor laborava com vínculo diverso (cargo comissionado).

Não houve o trânsito em julgado quando da elaboração deste texto, mas é inequívoco que a interpretação da Turma Recursal é a que mais se aproxima dos ditames do Código de Defesa do Consumidor e do princípio

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*Thiago Cardoso Pena é advogado.

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