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A democracia sem representatividade

O cidadão aliena parte de sua liberdade em prol do bem estar geral, e somente tem legitimidade para identificar e concretizar essa expectativa comum, o escolhido pela maioria absoluta dos pares.

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Atualizado às 12:55

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O pleito de 2020 demonstrou mais uma vez que nossa jovem democracia precisa de ajustes. Inobstante a necessidade de ampla reforma política - como a implantação do voto distrital - é urgente a revisão dos critérios para escolha dos municípios que devem passar pelo segundo turno. Quase 38 milhões de brasileiros voltaram às urnas em segundo turno para eleger os prefeitos das 57 cidades brasileiras em que a disputa foi definida no segundo turno. São 18 capitais estaduais e outros 39 municípios com mais de 200 mil eleitores, onde nenhum dos candidatos obteve a maioria absoluta dos votos válidos para se eleger em primeiro escrutínio.1 Nesses locais o prefeito irá administrar de forma legitima - governo eleito pela maioria -. Tais votações não despertam inquietudes, porem, o mesmo não se diga dos pleitos onde o eleito irá governar com menos de 35% dos votos validos, fato ocorrido em centenas de municípios brasileiros como Dourados - MS, onde o vencedor obteve 33,09%.2 Em Macaé - RJ, o eleito obteve 23,93%.3 Situação pior ocorreu em Barbacena - MG, pois o futuro prefeito obteve 19,98% dos votos.Caso seja considerado o numero de eleitores e não os votos validos - como é a regra - esses percentuais cairão a níveis alarmantes em termos de representatividade. Dos 5.570 municípios brasileiros, uma grande parte, terá Prefeitos empossados por vontade inferior a 1/5 dos eleitores. Essa ausência de representatividade pode ser ajustada, com a implantação do segundo turno em mais municípios, alem daqueles acima de 200.000 eleitores como impõe o artigo 29, II da CF. Os contrários a essa idéia, argumentam com o ônus financeiro da segunda eleição, porem, talvez não seja uma objeção significativa. Segundo o TSE, o pleito de 2020, deve ter custo de aproximadamente R$ 647 milhões.Não esquecendo que nesse montante é considerado todo o gasto do processo eleitoral (os dois turnos e a disputa nas câmaras municipais). Os partidos políticos no Brasil contam com duas fontes de recursos públicos para financiar as campanhas dos seus candidatos nas eleições: o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), também conhecido como Fundo Eleitoral, e o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, o Fundo Partidário. O total de recursos distribuídos do Fundo Eleitoral entre as 33 agremiações para o pleito deste ano, definido pela Lei Orçamentária Anual (LOA) em 2020 foi de R$ 2.034.954.823,96. Quanto ao Fundo Partidário em 2020, o valor total para este ano foi de R$ 959.015.755,00, conforme definido pela LOA.6 Somando os dois, as agremiações partidárias receberam neste exercício aproximadamente três bilhões de reais. Talvez a solução financeira para as despesas com a ampliação do segundo turno, esteja nos recursos destinados às atividades político partidárias. È importante a reflexão sobre tal vertente, pois o espírito democrático pressupõe um governo eleito pelas maiorias. Como a democracia direta - modelo ateniense - mostrou-se impraticável a partir do crescimento das comunidades, a forma representativa em regimes não autocráticos, foi a solução adotada a partir do século XIX, porem havia expectativa que o escolhido (eleito), tivesse expressivo apoio dos administrados. A realidade vivida no Brasil chama à reflexão: vamos continuar elegendo Prefeitos com o apoio de menos de 1/5 dos representados - situação de centenas de cidades - ou mudamos com urgência a Constituição Federal para impor segundo turno a municípios com numero inferior a 200 mil eleitores. Ao falar de democracia não é possível ignorar as ponderações de Rousseau quando destaca que no contrato social, o cidadão aliena parte de sua liberdade em prol do bem estar geral, e somente tem legitimidade para identificar e concretizar essa expectativa comum, o escolhido pela maioria absoluta dos pares.7

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1- Segundo turno em 57 cidades mobiliza 38 milhões de eleitores no domingo 

7- ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social; DIscurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. São Paulo, Abril Cultural, 1973. 

Jose Antonio Gomes Ignacio Junior

Jose Antonio Gomes Ignacio Junior

Advogado, Professor de Direito Tributário (Faculdade Eduvale), Mestre, Especialista em Direito Tributário, Eleitoral e Publico, doutorando pela Universidade Autônoma de Lisboa, Portugal.

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