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Responsabilidade civil do médico cirurgião plástico no tratamento embelezador

É imprescindível definir a natureza da cirurgia estética para se chegar à conclusão em relação ao tipo de obrigação envolvida - meio ou resultado -, bem como para se aferir os efeitos patrimoniais envolvidos em caso de erro médico.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Atualizado às 13:24

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em regra, o profissional da medicina assume obrigação de meio, já que as ações e as reações do corpo humano são imprevisíveis e incertas. Na obrigação de meio, o profissional promete empregar seus conhecimentos, meios técnicos para a obtenção de um resultado, sem, no entanto, se responsabilizar por ele.

Assim, a responsabilidade do médico, como profissional liberal, será apurada mediante a verificação de culpa, conforme preceitua o artigo 14, § 4º, da lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC), eis que o objeto do contrato estabelecido com o paciente não é a cura garantida, mas sim o compromisso do profissional no sentido de uma prestação de cuidados precisos e em consonância com a boa prática médica na busca pela cura. Isto acontece também com os advogados, por exemplo, que não se obrigam a vencer a causa, mas sim a defender os interesses dos clientes. Caso a obrigação destes profissionais fosse de resultado, poderiam ser responsabilizados se não obtivessem êxito na causa, no caso da advocacia, ou se o paciente experimentasse algum resultado danoso no tratamento necessitado, no caso da medicina.

Contudo, em determinadas situações excepcionais, o médico passa a ter obrigação de resultado, ou seja, somente há exoneração da obrigação quando o fim prometido é atingido.

São aquelas nas quais o paciente contrata um profissional da área médica para realizar o tratamento do qual necessita, com expectativa de alcançar determinado resultado. É o que ocorre nas cirurgias estéticas ou embelezadoras, por exemplo, quando do implante de prótese de silicone (em não havendo qualquer anomalia na mama), ou, ainda, quando da redução das linhas de expressão na face, por exemplo.

O ilustre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves ensina que:

A obrigação assumida pelos cirurgiões plásticos é, igualmente, como foi dito, de resultado. Os pacientes, na maioria dos casos de cirurgia plástica, não se encontram doentes, mas pretendem corrigir um defeito, um problema estético. Interessa-lhes, precipuamente, o resultado. Se o cliente fica com aspecto pior, após a cirurgia, não se alcançando o resultado que constituída a própria razão de ser contratado, cabe-lhe o direito à pretensão indenizatória. Da cirurgia malsucedida surge a obrigação indenizatória pelo resultado não alcançado. O cirurgião plástico assume obrigação de resultado porque o seu trabalho é, em geral, de natureza estética. (2011, p. 192).

Portanto, nos casos de cirurgias estéticas, se a promessa feita ao paciente quando da contratação não for alcançada, o médico pode ser responsabilizado civilmente pelos danos causados, à medida que, nesta hipótese, assumiu obrigação de resultado. No que tange à cirurgia reparadora, a jurisprudência majoritária entende que a obrigação contraída pelo cirurgião plástico é de meio, uma vez que a intervenção cirúrgica é indispensável para a manutenção ou continuidade da vida.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que:

[...] nas obrigações de meio, à vítima incumbe, mais do que demonstrar o dano, provar que este decorreu de culpa por parte do médico. Já nas obrigações de resultado, como a que serviu de origem à controvérsia, basta que a vítima demonstre, como fez, o dano (que o médico não alcançou o resultado prometido e contratado) para que a culpa se presuma, havendo, destarte, a inversão do ônus da prova. (STJ, 2009a, p. 14).

Importante consignar que o fato de se tratar de obrigação de resultado não torna objetiva a responsabilidade do médico. Ou seja, ela continua sendo subjetiva, entretanto, é deslocado ao médico o ônus de demonstrar que o insucesso da cirurgia decorreu de fatores externos. Segundo Sérgio Cavalieri Filho:

Em conclusão, no caso de insucesso na cirurgia estética, por se tratar de obrigação de resultado, haverá presunção de culpa do médico que a realizou, cabendo-lhe elidir essa presunção mediante prova da ocorrência de fator imponderável capaz de afetar o seu dever de indenizar. (2008, p. 370).

Portanto, em uma linguagem de fácil compreensão, cabe ao médico demonstrar de forma inequívoca, razão plausível para o desvio do resultado almejado.

Outra questão importante para atenuar a responsabilidade do médico cirurgião plástico é a demonstração de que este cumpriu com o seu dever de informar os riscos de qualquer resultado insatisfatório, por exemplo, nos casos de cicatriz, queloide e assimetrias. Nesses casos, é notório que cada pessoa possui um tipo de cicatrização, sendo algumas mais propensas para o resultado indesejado.

No mais, o cirurgião plástico, assim como nas demais especialidades médicas, além da obrigação principal, possui obrigações anexas, como por exemplo, o dever de prestar informações corretas e claras para seu paciente sobre os riscos e prevenções da intervenção médica, bem como das possíveis consequências do tratamento. Caso seja comprovado o não cumprimento deste dever, fica configurado o inadimplemento desta obrigação anexa, surgindo o dever de indenizar.

O dever de informação do médico ocorre desde o primeiro contato com o paciente até quando for necessário. O médico cirurgião plástico tem o compromisso de avisar, alertar, prevenir, indicar, aconselhar, lembrar, advertir, além de avaliar os riscos da cirurgia, sopesando as expectativas psíquicas do paciente, fazendo-se relação com o possível resultado que será obtido com a cirurgia. Assim, o cumprimento deste dever serve para alertar o paciente para que não haja decepção e descontentamento com o resultado, eis que já era esperado.

Neste passo, a relação entre o médico e paciente está sujeita as normas do Código de Defesa do Consumidor, e o direito à informação está previsto no artigo 6º, III do mesmo diploma legal, in verbis:

Art. 6º, III, CDC. A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação corre de qualidade, características, composição, qualidade e preço, bem cimo sobre os riscos que apresentem.

Ainda, este se encontra em complemento com o artigo 8º, daquele dispositivo legal:

Art. 8º, CDC. Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão risco à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a respeito.

Portanto, a obrigatoriedade do prestador de serviços (cirurgião plástico) em oferecer informações plenas e adequadas ao consumidor (paciente) é importante para que seja estabelecida igualdade substancial entre eles, isto porque o consumidor não detém as informações técnicas e científicas dos serviços prestados.

Importante ressaltar que, em relação ao dever de informação, a jurisprudência recente caminha no sentido de que o simples fato de o termo de consentimento alertar sobre a possibilidade de um resultado adverso, como cicatrizes e assimetrias, não significa que a paciente concorde com o mau resultado. Nessa linha de consideração, foi o entendimento do I. Desembargador Relator Dr. Francisco Loureiro, em acordão que resta a seguir ementado:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. Erro médico. Cirurgia plástica estética. Obrigação de resultado. Nexo causal entre a cirurgia e a deformidade apresentada pela paciente. Prova produzida nos autos comprova de forma suficiente o resultado insatisfatório, a despeito da conclusão do laudo pericial pelo emprego da boa técnica. Obrigação de resultado que não torna a responsabilidade objetiva, mas inverte o ônus da prova, cabendo ao médico justificar as razões de eventual insucesso da intervenção. Réu que não se desincumbiu do ônus de demonstrar a razão do resultado parcialmente insatisfatório da cirurgia. Dever de indenizar a paciente. Inequívoca existência de danos morais. Circunstâncias do caso concreto recomendam que a indenização seja fixada no montante de R$ 10.000,00, que cumprem a função ressarcitória e preventiva. Danos estéticos igualmente verificados, a serem ressarcidos na quantia de R$5.000,00. Danos materiais, que não podem abranger a totalidade dos valores pagos pela paciente, uma vez que o resultado foi parcialmente alcançado. Ação parcialmente procedente. Recurso provido em parte. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO - TJ/SP, 2020).

Neste caso específico, em julgado primoroso, entretanto, incomum, a conclusão do laudo pericial no sentido de que teria sido empregada boa técnica na realização do procedimento cirúrgico não foi adotada pela turma julgadora, que reformou a r. sentença de improcedência, condenando o médico em sede recursal ao pagamento de indenização, uma vez que o resultado final da intervenção cirúrgica teria modificado para pior os seios da autora.

Desta feita, tratando-se de obrigação de resultado, ainda que tecnicamente a cirurgia tenha observado adequado procedimento, o resultado estético deve estar de acordo com o objetivo esperado. Neste ponto, o ilustre Desembargador ainda ressaltou que "o dano estético não é necessariamente inerente ao próprio procedimento, de sorte que competia ao réu demonstrar que o resultado insatisfatório se deu em virtude de fatos outros que não a própria cirurgia" (TJ/SP, 2020, p. 08).

Conclui-se, portanto, que não basta o médico cirurgião plástico justificar que o resultado da cirurgia pode ter decorrido de fatores relativos a condições próprias do organismo do paciente ou, ainda, que teria atuado com a diligência necessária. É preciso que o profissional demonstre a razão pela qual o resultado não foi obtido.

Por fim, nos casos em que averiguada a responsabilidade civil do médico cirurgião plástico em razão do dano experimentado, deve-se aferir a extensão deste dano, para se chegar ao valor da indenização material, moral e eventualmente estética.

Explica-se. No que tange ao dano material, se as queixas do paciente não estiverem relacionadas com a atuação médica, ou seja, se forem alheias ao procedimento cirúrgico, não se mostra razoável a devolução de todo o valor pago no procedimento, eis que se obteve um parcial benefício com a realização da cirurgia estética. Neste caso, o valor pago será devolvido com juros e correção monetária em montante correspondente à parte da cirurgia que o resultado desejado não foi alcançado.

Na esfera moral, deve-se levar em consideração as funções ressarcitória e punitiva da obrigação. E, sopesados tais fatores, o quantum indenizatório será arbitrado em montante correspondente ao comumente estabelecido pelo órgão julgador em casos análogos. Por isso, é de suma importância a análise jurisprudencial para que seja elaborada uma boa defesa pelo casuístico contratado pelo profissional da área médica.

Em última ordem de consideração, porém não menos importante, passa-se a discorrer sobre à indenização por dano estético.

O dano estético deve preencher alguns requisitos para que possa ser cumulado com o pedido de indenização por danos morais. Enquanto o dano moral é psíquico, o dano estético se caracteriza por uma deformação humana externa ou interna. O dano estético, portanto, deixa marca corporal no paciente, causa dor no seu íntimo e gera sofrimento social no lesado perante as demais pessoas.

Não disciplina o novo Código Civil a possibilidade de indenização do dano estético. Após alguma oscilação, o Superior Tribunal de Justiça acabou por admitir a indenização independente do dano estético, cumulada com a indenização por danos morais, sob o argumento de que uma situação é a alteração morfológica que agride a visão, provoca desagrado e repulsa de terceiros e outra situação é o sofrimento da vítima em razão dessa repulsa. Possível, assim, a cumulação das indenizações (STJ, 1995, 2000).

A questão foi objeto da Súmula 387 do C. Superior Tribunal de Justiça, de seguinte teor: "É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral" (2009b).

Destarte, as normas de prudência determinam que o cirurgião plástico providencie a bateria de exames necessários ao aperfeiçoamento do diagnóstico e, consequentemente, como já abordado, preste e ofereça informações precisas e claras ao cliente, com base em seu conhecimento técnico e na análise dos exames previamente feitos.

É dever do profissional manter o cliente informado, sobretudo, de seu quadro de saúde atual e das prováveis alterações advindas da cirurgia, bem como as cautelas necessárias que deverão ser adotadas antes, durante e depois do procedimento cirúrgico.

Assim, no âmbito processual compete ao médico comprovar que prestou ao cliente informações cristalinas e suficientes, sempre em linguagem acessível e não técnica e, sobretudo, prévias a respeito do risco e contraindicações do procedimento médico-cirurgião, sob pena de violar o dever de prestar informação e afrontar as normas éticas inerentes à profissão médica.

O advogado do profissional deverá analisar qual o objetivo da cirurgia plástica, ou seja, se o profissional da saúde estava realizando uma intervenção reparadora ou embelezadora e, a partir desse ponto, realizar a sua defesa, de acordo com as orientações alhures. Entretanto, não se pode esquecer a importância de o paciente assinar o Termo de Consentimento Informado (TCI), antes da intervenção cirúrgica, a fim de isentar o médico de responder por danos morais pela sua não apresentação ou para instruir defesa caso ocorra qualquer alegação de erro médico.

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Caroline Emmerich Gomes Leal de Moura

Caroline Emmerich Gomes Leal de Moura

Assessora Jurídica de desembargador no TJ/SP. Especialista em Direito da Saúde. Graduada em Direito pela FAAP. Pós-graduada em contratos pela PUC/SP. Mestranda em Direito Empresarial na Universidade Nove de Julho.

Rafael Salhani do Prado Barbosa

Rafael Salhani do Prado Barbosa

Advogado. Graduado em Direito pela FAAP.

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