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STJ conclui que não é abusiva a cláusula de coparticipação de planos de saúde em internações psiquiátricas acima de 30 dias

A tese foi fixada no julgamento de incidente de demandas repetitivas e recursos representativos da controvérsia 88, REsp 1.809.486/SP e REsp 1.755.866/SP.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Atualizado às 10:28

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Recentemente, em 16 de dezembro de 2020, foi publicada decisão do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Demandas Repetitivas para consolidar a tese relativa ao tema 1.032, que dispõe que nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internações psiquiátricas superiores a 30 (trinta) dias por ano.

A decisão da Corte Cidadã veio em meio à pandemia do novo coronavírus - covid-19 - que sabidamente gerou restrições de convívio social e, consequentemente, uma alta na ocorrência de transtornos psiquiátricos ao redor do mundo.

Para se chegar à referida decisão, foi necessária uma análise acerca da história das internações psiquiátricas, da intenção com as mudanças legislativas relativas ao tema, trazidas sobretudo pela Lei da Reforma Psiquiátrica (lei 10.216/01), bem como sobre todo o arcabouço principiológico e legislativo dos planos de saúde, como regulamentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU).

Importante frisar que o STJ já havia editado a súmula 312, que versa sobre assunto semelhante, mas não idêntico, e determina que é abusiva a cláusula de plano de saúde que limita o tempo de internação hospitalar do segurado.

Pois bem. O centro da discussão da recente decisão do STJ girou em torno da ponderação de que a cláusula de coparticipação representaria ou não um limite temporal à internação do segurado, bem como na diferenciação entre a internação hospitalar e a internação psiquiátrica.

No que tange à diferenciação entre as internações, a internação psiquiátrica, sendo medida excepcional que deve ser aplicada somente quando exaurida as outras formas de tratamento psiquiátrico ambulatorial, não representa uma possibilidade de salvar a vida do segurado e de pessoas próximas?

Por outro lado, surgiu o seguinte questionamento, deve o plano de saúde se responsabilizar integralmente por riscos que expressamente não assumiu em contrato?

Para responder aos argumentos apresentados pelas partes, as próprias características particulares do contrato de plano de saúde tiveram de ser estudadas.

Trata-se de contrato aleatório, no qual os art. 757 e 760 do Código Civil e art. 16, inciso VIII, da Lei de Planos de Saúde (lei 9.656/98) expressamente permitem a inserção de cláusula de limitação de risco.

Assim, mesmo que sob o enfoque da proteção da vida do consumidor, o Superior Tribunal de Justiça observou que não seria justo ou equilibrado estabelecer responsabilidade maior ao plano de saúde do que aquela que foi previamente ajustada entre os contratantes.

A difícil decisão do Tribunal da Cidadania teve que analisar se deve ser protegida primeiramente a esfera de saúde do indivíduo que necessita da internação psiquiátrica maior do que 30 (trinta) dias por ano ou os termos previamente ajustados no contrato.

Ao mesmo tempo, também estava-se tratando sobre margem de lucro dos planos de saúde e até mesmo a repercussão dessas internações psiquiátricas maiores de 30 (trinta) dias por ano, não previstas em contrato, no preço pago pelos demais segurados. 

Ou seja, de alguma forma outros segurados poderiam ter que arcar com valores mensais maiores de plano de saúde em função de internações por motivos psiquiátricos com tempo ilimitado.

Além disso, foi abordado, ao longo dos processos representativos da controvérsia, o caráter complementar da rede de saúde privada em contraposição à responsabilidade constitucional da rede de saúde pública.

Em outros termos, foi questionado se os contratos particulares que, querendo ou não, visam a obtenção de uma margem de lucro e benefícios devam ser equiparados ao Estado e seu dever constitucional de fornecer acesso ao direito fundamental da saúde.

A discussão teve participação de inúmeras associações e órgãos públicos, como amicus curiae, dada a repercussão sobre milhares de processos que discutem a mesma matéria, mas acabavam por ter decisões conflitantes conforme o juízo ou tribunal em que tramitavam.

Não foi fácil, mas o Superior Tribunal de Justiça analisou os pontos trazidos à baila e decidiu por privilegiar e defender o princípio do pacta sunt servanda, e tomar um caminho que visasse a estabilidade e equilíbrio contratual.

Decidiu-se que como o consumidor teve expresso conhecimento acerca da limitação de seus benefícios, no caso específico de internação psiquiátrica maior de 30 (trinta) dias por ano e em função disso, até mesmo, paga um valor mensal menor de plano de saúde, deverá arcar com a participação de até 50% (cinquenta por cento) das despesas.

Entendeu-se, portanto, que não está se limitando o tempo de internação, uma vez que caso o segurado arque com a sua parte, o plano de saúde será obrigado a continuar contribuindo para a manutenção da internação.

Por fim, deve-se ressaltar que a delicada decisão do Superior Tribunal de Justiça teve como característica própria um olhar cuidadoso sobre a evolução do histórico manicomial do nosso país (art. 4° da lei 10.216/11), que atualmente objetiva que o tratamento psiquiátrico ocorra no seio comunitário e familiar do paciente, evitando-se ao máximo o afastamento social.

Arnaldo Daudt Prieto Drumond

Arnaldo Daudt Prieto Drumond

Advogado do escritório Santos Perego & Nunes da Cunha Advogados Associados.

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