Exoneração do servidor que pediu prioridade para o STF na vacinação contra a covid-19
O Presidente do STF responsabilizou um servidor pelo pedido de prioridade na vacinação contra a covid-19 e o exonerou. A pedido.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2021
Atualizado às 17:43
Pela portaria 506, de 27/12/20, o presidente do Supremo Tribunal Federal, min. Luiz Fux, exonerou o funcionário Marco Polo Dias Freitas do cargo em comissão de secretário da Secretaria de Serviços Integrados de Saúde daquele tribunal. Verifica-se deste ato administrativo que ele teria ocorrido "a pedido" do próprio servidor, a teor do disposto na lei que regulamenta o regime jurídico do servidor federal (art. 35, II da lei 8.112/90).
Como todo ato administrativo tem que ser motivado (CF art. 93, X), ainda que se trate de ato demissível "ad nutum", é comum que as autoridades brasileiras prefiram utilizar a opção mais fácil - ainda que não verdadeira - do disposto no inciso II artigo 35 da lei 8.112/90, ou seja, a "vontade" do servidor, no lugar de expor o real motivo dentro do seu "juízo de autoridade competente".
No caso acima, tanto o servidor como a autoridade competente expuseram na mídia o verdadeiro motivo do ato de exoneração. A autoridade competente revelou que o pedido de vacinação prioritária contra a covid-19 não era do seu conhecimento e que "mandou exonerar o servidor responsável" (Folha, 28/12/20). O "mandou exonerar" travestiu-se da opção mágica e definitiva de "a pedido do servidor".
O servidor, por sua vez, saiu dizendo aos quatro ventos que "nunca realizou ato administrativo sem a ciência e anuência de seus superiores hierárquicos", o que demonstraria, nas entrelinhas, a manifestação viciada de vontade no pedido de exoneração.
Ainda que, por óbvio, a autoridade competente do STF não carregue na cintura qualquer arma mortífera, ainda assim pode se entender que o "pedido" de exoneração do servidor (agente subalterno) decorreu de manifestação viciada de vontade por coação moral, com o objetivo de limpar, de forma rápida, o nome do Supremo da solicitação vexaminosa de prioridade na vacinação. Ainda que "sujando" (só um pouquinho) o currículo do bode expiatório.
Se o que alega o servidor é verdadeiro e se houve vício na manifestação da sua vontade, caberia a anulação do ato de exoneração editado com motivação sustentada no art. 35, II da lei 8.112/90.
Se, ao contrário, ele teria agido por conta própria ao solicitar o benefício para o Supremo, sem conhecimento das autoridades superiores (e inclusive do presidente do STF), a exoneração teria que estar sustentada no art. 35, I da mencionada lei.
Ser exonerado a pedido não macula o currículo de ninguém. Mas, diferentemente, a exoneração "a juízo da autoridade competente" pode sim reverberar negativamente no currículo do servidor.
Entonce, a decisão de compadrio. Pedir para sair não machuca muito o servidor e, de outro lado, resolve-se rapidamente o problema com a opinião pública. Um final feliz para todos, não?
Mas...como fica o direito? Pode-se tolerar esse faz-de-conta corriqueiro?
Ocorresse esse pedido viciado sob a leis do trabalho, em relação contratual, no direito de família, no direito sucessório, no direito previdenciário... sua análise e anulação posterior não seriam estranhas à ordem jurídica posta.
Já no Direito Administrativo...ah, no Direito Administrativo...esta análise sequer inexiste. Ainda que os fatos posteriores comprovem que a motivação do ato de exoneração (pedido do próprio servidor) não carregue o verdadeiro motivo, ainda assim este ato administrativo persistirá indene. Máxime porque muitos entendem que ainda que o servidor interessado conseguisse provar a manifestação viciada da vontade no seu pedido de exoneração, ainda assim ele seria posteriormente demitido "ad nutum" a juízo da autoridade competente (art. 35, I da lei 8.112/90). Trocaria 6 por meia dúzia.
Ora, neste caso há de se entender que o ato discricionário de exoneração "a juízo da autoridade" não é livre, visto que foi a própria autoridade competente que o amarrou, ao revelar o motivo da exoneração "punitiva".
Se o servidor não cometeu nenhuma irregularidade, mas decide realmente pedir sua exoneração, cabível, claro, o uso do disposto no inciso II do art. 35 da lei 8.112/90.
Todavia, quando a autoridade superior revela em praça pública que o servidor responsável teria agido de forma irregular, sem seu conhecimento, e, por este motivo, o exonera, fica claro que esta exoneração seria uma punição pelo alegado malfeito e só poderia ter, como fundamento, o inciso I do art. 35 da lei 8.112/90.
Mas, com o jeitinho brasileiro, tudo se resolve e ninguém fica ferido. Basta um "peça pra sair", ou, melhor dizendo, basta uma "exoneração forçada a pedido".