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A aplicação da anterioridade para a lei estadual paulista 17.293/20 que alterou os requisitos para concessão da isenção do IPVA/SP para condutores portadores de deficiências

É questionável a revogação da isenção do IPVA/SP para portadores de deficiência sem aplicação da Anterioridade geral e nonagesimal.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Atualizado às 09:26

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 16/10/20 foi publicada a lei 17.293/20 pelo Governo paulista, com o objetivo de realizar um ajuste fiscal e equilibrar as contas públicas. Assim, entre outras medidas, a referida lei introduziu as novas normas de isenção do IPVA para veículos PCD (registrados em nome de pessoas com deficiência) no Estado de São Paulo, tornando mais restritas as hipóteses de isenção e revogando administrativamente isenções anteriormente concedidas.

Essa postura se deu porque, de acordo com dados informados pelo próprio governo paulista, nos últimos quatro anos, o número de veículos com isenção no Estado cresceu 150%, de 138 mil para 351 mil. No entanto, no mesmo período, a população com deficiência física severa ou profunda no Estado cresceu apenas 2,1%, saindo de 3,1 milhões para 3,2milhões.

Também como base nesses números, estimou o fisco estadual que, nos últimos quatro anos, teria subido de R$ 232 milhões para R$ 689 milhões o volume de recursos que deixaram de ser recolhidos com as isenções conferidas aos portadores de deficiência.

Portanto, foi nesse contexto que as normas de isenção para portadores de deficiência foram alteradas, de forma que, a partir da publicação da lei Estadual 17.293/20, somente terão direito ao benefício os condutores com deficiência física severa ou profunda, cujo veículo necessite de adaptação, e não condutores autistas ou portadores de deficiência física, visual e mental, severa ou profunda.

Como consequência de tais alterações, a fazenda estadual, baseada nas informações constantes de seu banco de dados, acabou revogando automaticamente o benefício de milhares de proprietários de veículos que gozavam da isenção até outubro de 2020, mas que não se enquadram nos novos requisitos - deficiência severa ou profunda, com necessidade de adaptações nos veículos -, os quais já receberam a notificação de lançamento do IPVA/21.

Nesse passo, respeitados os entendimentos em sentido contrário, não se pode falar em ilegalidade da revogação da isenção, contudo, a referida revogação de benefício fiscal representará, inquestionavelmente, efetivo agravamento para o contribuinte, similar à instituição de um tributo e, por essa razão, deveria respeitar o princípio da anterioridade previsto no artigo 150, III, "b" e "c", da CF/88.

Nesse passo, as alterações trazidas pela lei 17.293/20 só poderiam entrar em vigor no exercício atual (2021) e, vale ressaltar, somente após decorridos 90 (noventa) dias da sua publicação, o que não aconteceu tendo em vista a notória aplicação imediata da lei nova, desde sua publicação em 16/10/20.

Se respeitado o prazo mínimo de 90 dias, contados da data de publicação da lei 17.293/20 (16/10/20), somente em 13/1/21 a lei entrará em vigor e, portanto, seria inadmissível, já em 2021, a exigência do IPVA de carros usados anteriormente isentos ou de novos adquiridos até 13/1/21, tendo em vista que o fato gerador do IPVA ocorre no primeiro dia de janeiro de cada ano.

Nunca é demais lembrar: o princípio da anterioridade tem como objetivo permitir ao contribuinte programar-se com antecedência com relação à nova carga tributária que surgirá após o prazo de anterioridade, justamente para viabilizar o devido planejamento financeiro, e respeitar o princípio da segurança jurídica.

Entretanto, a produção imediata de efeitos da lei 17.293/20, afronta o princípio da anterioridade anual (art. 150, inciso III, "b", da CF/88) e nonagesimal (art. 150, inciso III, "c", da CF/88).

Não se desconhece que, concernente ao IPVA, dispensa-se a noventena quando ocorrer alteração de sua base de cálculo, como prescreve o artigo 150, §1º, da CF.

Também não se desconhece antiga posição do STF, no sentido de que "revogada a isenção, o tributo torna-se imediatamente exigível. Em caso assim, não que se observar o princípio da anterioridade" (RE 204.062, Rel. Ministro Carlos Velloso, julgamento em 27-9-96, DJ. 19-12-96).

Contudo, a Jurisprudência do STF vêm se alterando quanto ao tema e, no caso,  não houve alteração da base de cálculo, mas sim revogação de isenção, não havendo em nossa Lei Maior autorização para cobrança sem observância do princípio mencionado, conforme será adiante evidenciado. Logo, deve-se aplicar tanto a anterioridade anual quanto a nonagesimal.

Como já afirmamos acima, a revogação da isenção configura agravamento para o contribuinte, razão pela qual deve observar o princípio da anterioridade, conforme entendimento recente firmado pelo Supremo Tribunal Federal, daí poder falar-se em mudança jurisprudencial:

Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.TRIBUTÁRIO. ICMS. CRÉDITO. BENEFÍCIO FISCAL. ALTERAÇÃO OU REVOGAÇÃO. MAJORAÇÃO INDIRETA DE TRIBUTO. SUJEIÇÃO AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA. AGRAVO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA.INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.(ARE 1076550 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 20/12/2019,PROCESSO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 12-02-2020 PUBLIC 13-02-2020)

Neste caminho, considerando que o fato gerador do IPVA é a propriedade de veículo automotor em primeiro de janeiro de cada ano, as alterações trazidas pela lei 17.293/20 somente revogarão as isenções de veículos usados e novos a partir de 13/1/21, data na qual se completa os 90 dias exigidos.

Dito de outra forma, a isenção anteriormente concedida deve ser garantida aos proprietários de veículos já isentos, bem como para os adquirentes que preencherem os requisitos anteriores à lei 17.293/20, até 13/1/21 nos dois casos.

Daí a conclusão: ainda que os motivos das alterações das normas de isenção sejam ponderáveis, igualmente ponderável é o fato de que as isenções anteriormente concedidas respeitaram os requisitos legais, sendo questionável a revogação do benefício pelo Estado de São Paulo desrespeitando a anualidade e a noventena.

Rodrigo Xavier de Andrade

Rodrigo Xavier de Andrade

Advogado e coordenador da área tributária do escritório Benzota e Prestes Sociedade de Advogados.

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