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O limite das cobranças no ambiente de trabalho

O esporte é reflexo da sociedade e esta se inspira naquele. Que se inspire, pois, no brocardo latino mens sana in corpore sano.

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Atualizado em 27 de janeiro de 2021 09:46

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O São Paulo, atual líder do Campeonato Brasileiro de Futebol, foi derrotado para o Bragantino por 4x2 há alguns dias. O que mais gerou comentários e memes não foi o resultado, mas as cobranças do técnico Fernando Diniz ao jogador Tchê Tchê, com vários insultos e palavrões. Surgiu, então, o questionamento acerca dos limites com que um superior hierárquico pode cobrar seus subordinados.

O empregado tem direito ao trabalho em ambiente sadio e equilibrado, o que não se restringe à higidez física. A saúde mental, por fazer parte do patrimônio imaterial do ser humano, também deve ser preservada, em equilíbrio com o poder de direção da atividade econômica do empresário. Isso quer dizer que o empregador e seus prepostos podem e devem dirigir os trabalhos com a finalidade de produção e lucro, mas com respeito à intimidade, à honra e à imagem do obreiro.

O ambiente de futebol, de fato, possui características particulares. Os altos salários, as pressões de dirigentes, torcedores e patrocinadores e a alta rotatividade da função acabam levando os técnicos a abusar na cobrança de desempenho de seus jogadores. Os xingamentos de Diniz não foram os primeiros que as câmeras captaram, o que demonstra relativa tolerância a esses comportamentos no meio - muito embora seja sabido que os atletas usam formas veladas de prejudicar os técnicos com quem não simpatizam...

No mundo do trabalho "real", porém, a situação é diferente. O abuso não pode ser tolerado, e o respeito deve reger as relações de trabalho, apesar (e principalmente em razão) das grandes desigualdades econômicas, sociais e culturais entre superiores e subordinados. A cobrança deve ser feita de forma madura e urbana, sem gritos e/ou ofensas, preferentemente de forma individualizada, sobretudo quando envolver baixo desempenho.

Críticas abusivas, xingamentos, ameaças (em especial na frente de outros colegas) e ofensas sexistas/homofóbicas/racistas constituem assédio moral, ainda que sejam verdadeiras políticas de administração de recursos humanos em várias empresas. Essas condutas afrontam a dignidade do ser humano e são sancionadas pela Justiça do Trabalho, podendo até ter implicações penais, dependendo da situação.

Para evitar esse tipo de problema, as empresas devem reforçar seus controles de "compliance", disponibilizando canais de denúncias anônimas e punindo os empregados abusadores, se necessário. A iniciativa tem a finalidade de evitar gastos com ações judiciais e manter a produtividade dos empregados, pois já há estudos que demonstram que o ambiente tóxico de trabalho é contraproducente na melhoria do desempenho.

Logo, Fernando Diniz, que felizmente já pediu desculpas públicas ao jogador ofendido e é conhecido por seu temperamento explosivo, não pode ser considerado um modelo. Há outras formas de liderar empregados e obter deles resultados excelentes. O esporte é reflexo da sociedade e esta se inspira naquele. Que se inspire, pois, no brocardo latino mens sana in corpore sano.

Fabio Augusto Mello Peres

Fabio Augusto Mello Peres

Advogado trabalhista e sindical, sócio trabalhista de Brotto Campelo Advogados, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, pós-graduado em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Unicamp e integrante da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/PR.

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