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O princípio da informação nas relações virtuais de consumo

A informalidade do e-commerce resulta no aumento de compras, contudo, reflete a desinformação da sociedade quanto aos seus direitos básicos, possibilitando o cometimento de inúmeras práticas abusivas.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Atualizado às 10:45

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Não é novidade que o isolamento social, consequência da pandemia de COVID-19, refletiu no aumento do e-commerce. Segundo dados do índice MCC-ENET, desenvolvido pelo Comitê de Métricas da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, as vendas do setor mais que dobraram em junho de 2020. Em comparação ao mesmo período do ano passado, a alta foi de 110,52%, o que demonstra um aumento contínuo e significativo.

Esse crescimento expressivo nas vendas online traz consigo algumas reflexões sobre os métodos empregados na oferta de produtos, e se eles estão em conformidade aos princípios consagrados pelo CDC.

A oferta, fase pré-contratual, é considerada o momento primordial para a concretização do negócio, sendo regulada especialmente pelo CDC. Possuindo caráter vinculante, a oferta obriga o Fornecedor a executá-la exatamente nos termos apresentados em seu anúncio. Por esse motivo, as características e especificações dos produtos ou serviços, quando veiculadas pela oferta, por informação ou publicidade, integram o contrato, ainda que seja formalizado verbalmente (Art. 30, CDC)

A legislação reforça a obrigatoriedade do Fornecedor em prestar informações prévias acerca de qualquer produto ou serviço, para o cumprimento do princípio da informação. Isso porque apenas munido das informações substanciais, o consumidor terá a capacidade de optar ou não pela contratação do serviço.

Apesar de não ser exigida a formalidade na oferta, considerando-se válida aquela veiculada por qualquer meio de comunicação, desde que seu objetivo seja atingir o consumidor com o viés de atraí-lo ou influenciá-lo, esta deve ser exercida nos limites dos direitos primaciais, como o princípio da informação, a livre escolha e a proteção contra métodos e práticas desleais (Art. 6, II e IV), sendo a indicação completa de características dos produtos e serviços direito basilar do consumidor (Art. 6, III).

Desta feita, instruções em letras minúsculas e ilegíveis não bastam para a concretização do direito fundamental, uma vez que todas as informações e advertências devem ser prestadas com clareza. Parafraseando SANSEVERINO, apud Denari, pg. 152: "No Brasil, como país em vias de desenvolvimento, a necessidade de prestação de informações claras pelos fornecedores assume um relevo especial, em face do grande número de pessoas analfabetas ou com baixo nível de instrução que estão inseridas no mercado de consumo. As informações devem ser prestadas em linguagem de fácil compreensão, enfatizando-se, de forma especial, as advertências em torno de situações de maior risco".

Além disso, é importante refletir que o conceito de consumo existente no momento de promulgação do codex passou por alguns mudanças, visto que a Lei é datada de 1990. Não podemos deixar de considerar que o advento das novas tecnologias e das plataformas de interação social trouxeram  significativas transformações na vida em sociedade, impactando, de igual forma, no mercado consumerista.

A publicidade, que antes só afetava o leitor de um jornal ou o telespectador de algum programa, começou a tomar novos rumos, a adentrar em plataformas diferentes das midiáticas, como o Youtube, o Facebook e o Instagram com o intuito de potencializar a oferta e a posterior aquisição de produtos e serviços, visto que neste ambiente há possibilidade de influência e rastreamento do perfil consumidor dos usuários.

O que observa-se atualmente nessas redes sociais utilizadas como mercado virtual é a prática do "preço por direct, por inbox ou por whatsapp", que consiste na divulgação de produtos e serviços com apenas publicidade visual, sem mais especificações, como tamanho, composição ou preço, deixando implícito que caso o consumidor se interesse, este deverá enviar uma mensagem privada para a loja.

Levando em consideração a nova teoria contratual pelas plataformas digitais e todos os riscos e abusos cometidos neste meio, o legislador regulamentou a contratação via e-commerce, por intermédio do Decreto Federal nº 7.962/2013. A legislação, especificamente em seu Art. 2, V, é expressa e não dá margem para dúvidas: as condições integrais da oferta devem se localizar em local de destaque e de fácil visualização.

Além do desatendimento ao princípio da informação ser considerado prática abusiva, o CDC inclusive criminaliza a conduta que não observar os ditames necessários para a oferta. Destaca-se que o delito constitui crime de perigo, ou seja, não é exigida, para a sua caracterização, a ocorrência de efetivo dano ao consumidor.

Em seu Art. 66, o codex consumerista dispõe sobre o crime de fraude em oferta, cujo objeto jurídico são exatamente os direitos de livre escolha e informação adequada (Art. 6, II e III, Art. 30 e Art. 31, CDC). O sujeito passivo, nestes casos, trata-se do consumidor difusamente considerado, ainda que simplesmente exposto à oferta fraudulenta ou com déficit de informação. A penalidade incorre em detenção de três meses a um ano e multa, podendo ser agravada se este for cometido em época de grave crise econômica ou por ocasião de calamidades, ou ainda, quando ocasionar grave dano individual ou coletivo, conforme previsão do Art. 76 do CDC.

Por todo exposto, a prática abusiva do "preço via inbox" é totalmente incabível no mercado brasileiro regulamentado pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Decreto Federal nº 7.962/2013, uma vez que o princípio da informação é basilar quando da disponibilização de todas as informações referentes ao produto, no momento da oferta oficializada pelo Fornecedor.

Ao vedar a realização das práticas abusivas, inclusive a abordada no presente artigo, o legislador impõe o dever de atuação em conformidade com a norma, caso contrário, sanciona o Fornecedor, por meio de multa, interdição, cassação de licença ou até mesmo penas restritivas de liberdade, como é o caso do Art. 66 do Código. Contudo, a prática na área demonstra que faltam instrumentos para exercer um efetivo controle e punição, haja vista que o meio virtual ainda dificulta o diagnóstico e rastreamento desses crimes.

A atualidade do tema requer maior discussão sobre a origem do problema e estratégias para identificação e paralisação dos gatilhos, para evitar abusos e garantir exercícios de direitos.

É de competência das entidades de Proteção e Defesa do Consumidor, tanto o PROCON, quanto a Defensoria e o Ministério Público, a forte atuação preventiva e repressiva com o intuito de identificar a violação deste direito e efetivar as medidas para punição ou reparação do dano, efetuando um controle mais rígido e eficaz no comércio realizado pelas plataformas virtuais.

O contexto atual mostra que ainda é necessário insistir na educação do consumidor, em todas as etapas de sua formação, em um estrito cumprimento da educação para o consumo, constante no Art. 4, IV, do Código. 

Quando informados de seus direitos, os consumidores conseguem identificar as situações abusivas e promover as devidas reclamações ou denúncias. Da mesma forma o fornecedor, sabendo de seus deveres e da consequência de seus atos, ainda que no mundo virtual, também consegue evitar cometer uma prática abusiva.

A insistência no tema faz coibir abusos e evitar costumes. O preço via inbox é ilegal e inconstitucional e pode ser passível de sanção tanto na esfera cível quanto criminal.

 

Carolina Rosiak Lemes

Carolina Rosiak Lemes

Assistente jurídico na Sabemi Seguradora. Graduanda pela Fundação Escola Superior do Ministério Público.

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