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Xeroderma pigmentoso sob a ótica previdenciária

Por se tratar de uma enfermidade séria e rara, especialmente no Brasil, o Xeroderma Pigmentoso merece uma atenção especial perante o Direito Previdenciário.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Atualizado às 12:47

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia - SBD, o Xeroderma Pigmentoso (XP), é uma doença genética, não contagiosa, que afeta igualmente ambos os sexos e é caracterizada por uma extrema sensibilidade à radiação ultravioleta (presente nos raios solares), atingindo as áreas do corpo mais expostas ao sol como a pele e os olhos.1

Em pessoas com essa enfermidade, após exposição à luz solar surge um "defeito" no reparo do DNA, com possibilidade da pele formar câncer cutâneo. Alguns indivíduos acometidos por essa doença podem apresentar, também, comprometimento neurológico.

De acordo com o Centro de Pesquisa sobre o genoma humano e células-tronco, a frequência estimada é de 1 afetado para cada 200.000 indivíduos. A doença apresenta padrão de herança autossômico recessivo, e, portanto, para qualquer casal com uma criança afetada, o risco de que uma segunda criança venha a apresentar XP é de 25%,2 sendo que os sinais, sintomas e a gravidade podem variar de acordo com o gene afetado e o tipo de mutação.

Iniciadas nos primeiros anos de vida, as lesões causadas por esta enfermidade ocorrem nas áreas expostas à luz solar. Alguns sintomas como aumento de sardas e manchas esbranquiçadas, surgimento de bolhas e formação de crostas na pele, extrema sensibilidade nos olhos quando expostos ao sol e pele seca, são relatados por quem sofre dessa doença. Ademais, em relação às pessoas em geral, os portadores dessa doença rara, tendem a apresentarem maior incidência de tumores sistêmicos.

Contudo, a prevenção é bastante complexa, pois embora exija extrema proteção com roupas adequadas, chapéus, óculos escuros e filtro solar diariamente, a doença não tem cura definitiva, devendo o tratamento evitar possíveis complicações e ser seguido por toda a vida.

Em Araras, povoado com aproximadamente 800 moradores, situado a 40 quilômetros de Faina, região noroeste de Goiás, 24 pessoas tiveram o diagnóstico confirmado de Xeroderma Pigmentoso a partir de 2005, ano em que foi descoberto o primeiro caso. A taxa de incidência nesta região - de 1 para cada 40 habitantes - foi a maior do mundo, conforme a Associação Brasileira de Xeroderma Pigmentoso (AbraXP).3

Tamanha incidência da doença nesta comunidade se deu em razão dos casamentos consanguíneos, ou seja, entre parentes, o que fez com que o gene defeituoso hereditário fosse transmitido.

Os habitantes de Araras já foram submetidos a diversos procedimentos cirúrgicos e tiveram seus rostos mutilados, sendo obrigatório o uso de próteses rudimentares, feitas a mão. Além disso, relataram o constrangimento e o preconceito sofridos, em detrimento à aparência deles, através das sequelas deixadas pela enfermidade.

Infelizmente, apesar de toda a situação, ainda existe bastante dificuldade para que os portadores dessa doença rara aufiram benefícios pelo INSS, seja por não haverem leis que regulamentam a inclusão da doença no rol daquelas que admitem a concessão do benefício previdenciário, ou, pela objeção de muitos médicos e peritos a entenderem que estas pessoas não podem laborar ao ar livre e que não restam tantas atividades remuneradas em Araras, além do trabalho rural.

Outrossim, outros pacientes chegaram ao Centro Médico Paulistano, cegos ou com mutilações em diversas partes do corpo em razão do Xeroderma Pigmentoso, e ainda, uma adolescente de 14 anos, teve a remoção dos dois olhos por causa do câncer, consequência da progressão da enfermidade. É importante destacar que o oftalmologista Rubens Belfort Neto, liderando uma equipe de médicos, iniciou um amplo programa de acompanhamento e tratamento do Xeroderma Pigmentoso no país, de tamanha necessidade se faz a prevenção dessa doença grave.4

Diante das tantas limitações e transtornos vivenciados por pessoas afetadas pelo Xeroderma Pigmentoso, foi criado o PL 3.805/12, oriundo do Senado Federal de autoria da Senadora Lúcia Vânia (PSDB/GO) que altera a Lei nº 8.213/91 "que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências" para dispor que independe de carência a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao segurado portador de Xeroderma Pigmentoso, ainda que tenha sido acometido pela doença antes de se filiar ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS.5

O período de carência trata-se do número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício. No caso de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, o segurado precisa pagar pelo menos 12 (doze) contribuições para ter direito ao benefício, ficando dispensado dessa obrigação na hipótese de ser portador de doenças específicas, conforme preceitua o artigo 25, inciso I, da lei 8.213/916:

Art. 25.  A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:

I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;

As doenças e distúrbios que dão direito à isenção da carência dependem de critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado.

A Senadora, reconhecendo a gravidade da doença e demonstrando a necessidade de um tratamento particularizado sob o prisma previdenciário, nota que os portadores do XP não são contemplados no artigo 151 da lei 8.213/91, que lista as doenças que isentam de carência para a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez:

"Art. 151. Até que seja elaborada a lista de doenças mencionada no inciso II do art. 26, independe de carência a concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada." 

O Xeroderma Pigmentoso é uma doença crônica, de caráter progressivo e incapacitante, tanto para o trabalho, como para as atividades da vida diária.  Desse modo, pode tornar seus portadores, com o passar dos anos, dependentes permanentes de terceiros. Atende, assim, em sua plenitude, aos critérios de estigma, deformação, mutilação ou deficiência, que lhe confere especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado por parte da Previdência Social.

Vale ressaltar, que o artigo 151 da Lei nº 8.213/91 também delega ao Poder Executivo a elaboração da lista definitiva das doenças que devem perceber tratamento diferenciado no âmbito do RGPS.

Dessa feita, o relator deputado Geraldo Resende (PSDB-MS), aduziu: "Em que pese à competência do Poder Executivo para dispor sobre a matéria, julgamos que, diante dos argumentos apresentados, é justo e meritório contemplar os portadores de Xeroderma Pigmentoso com a dispensa do cumprimento de prazo de carência para a concessão dos benefícios de auxílio doença e aposentadoria por invalidez, entretanto, julgamos necessária uma pequena correção no projeto de Lei, uma vez que a redação apresentada pela nobre Senadora possibilita a concessão de benefícios de auxílio doença e de aposentadoria por invalidez às pessoas não seguradas pelo Regime Geral de Previdência Social, abrindo um precedente muito perigoso."7

Por fim, a proposta tramita em caráter conclusivo e ainda será analisada pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania, de onde se espera uma solução favorável aos portadores da doença em pauta, de modo emergencial para que essas pessoas tenham condições de arcar com o tratamento e viver a vida sem grandes transtornos.

_________

1- SBD - Sociedade Brasileira de Dermatologia. Xeroderma Pigmentoso. Disponível aqui. Acesso em: 22 Jan. 2021.

2- Centro de Pesquisa sobre Genoma Humano e Células-Tronco. Xeroderma Pigmentoso. Disponível aqui. Acesso em: 22 Jan. 2021.

3- BORGES, Fernanda. Povoado em Goiás tem a maior taxa mundial de doença rara de pele. 2014. Disponível aqui. Acesso em: 30 jan. 2021.

4- BIERNATH, André. Xeroderma pigmentoso: doença gravíssima ganha serviço inédito no Brasil. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 30 jan. 2021.

5- BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº 3.805/2012. Acrescenta parágrafo único ao art. 26 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que "dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências", para conceder aos portadores de xeroderma pigmentoso isenção de carência para a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Disponível aqui. Acesso em: 23 Jan. 2021.

6- BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível aqui. Acesso em: 23 Jan. 2021.

7- Agência Câmara de Notícias. Seguridade inclui doença de pele na lista oficial de doenças graves. Disponível aqui. Acesso em: 23 Jan. 2021.

 

Luciana de Fátima Eufrásio

Luciana de Fátima Eufrásio

Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de Viçosa - UNIVIÇOSA. Pós-graduanda em Direito de Família pelo Instituto Pedagógico Brasileiro - IPB. Mestranda em Economia Doméstica pela UFV.

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