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A evolução das constituições liberais para as constituições sociais

Estudo e reflexões do passado para o presente.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Atualizado às 08:22

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

Em primeiro lugar, para se entender a ideia de Constituição, é necessário compreender que existem na sociedade dois âmbitos: o público e o privado. É perceptível que durante a história da humanidade estes dois conceitos detiveram uma separação pouco efetiva, já que havia momentos em que ambos eram considerados como um mesmo conjunto e outros, principalmente na modernidade, em que foram considerados como âmbitos distintos, mas estes setores estão em situações que, na maioria das vezes se envolvem.

Nesse sentido, foi condicionado que o Direito Constitucional, ramo que formalizado ao final do século XVIII pela Constituição da França, detinha o principal objetivo de condicionar um estudo científico do Direito Político da época.

Atualmente, esta matéria diz respeito ao estudo de qualificar o Direito Público, cuja análise, diferente de tratar da relação entre particulares - Direito Privado-, estuda as relações em que o Estado é protagonista. Desse modo, consiste em uma ciência que coloca em exame a Teoria das Constituições e o ordenamento dos Estados, isto é, a apuração da organização estatal, do poder e das normas fundamentais de um Estado.

Assim temos o surgimento do conceito contemporâneo de Constituição e essa mesma constituição apresenta um pacto fundante entre uma nação sobre o ordenamento jurídico, sendo esta a principal ferramenta de estudo do Direito Constitucional.

Este documento é caracterizado por ser o topo da hierarquia legal, pois prevê desde leis ordinárias até códigos específicos, além de servir de base aos diversos ramos do Direito.

É indubitável que existem diversas fontes para o Direito Constitucional, a exemplo de fontes imediatas (como a Constituição) e as mediatas (a exemplo de costumes constitucionais ou lacunas, além da jurisprudência), as formais (que dão forma a todo o ordenamento: Constituição, normas, emendas e tratados internacionais) e complementares (auxiliam no acréscimo das formais, tais como a doutrina, jurisprudências, costumes constitucionais) e, por fim, fontes originárias (o marco inicial do ordenamento jurídico: a Constituição) e derivadas (determinadas pela Constituição: jurisprudência constitucional e leis ordinárias).

Ademais dos diversos métodos de estudo desta matéria criada pelos franceses e utilizada no ordenamento brasileiro contemporâneo, como: o Direito Constitucional Positivo (cuja temática é relativa ao escrito, a força jurídica), o Direito Constitucional Comparado (tópico que ilustra uma comparação entre Constituições diversas) e o Direito Constitucional Geral (utilizado no delinear de termos e instituições de leis).

É sob este sentido que surge a ideia de Constitucionalismo, que pode ser entendida pela doutrina por um sentido amplo ou um sentido estrito. O primeiro diz respeito ao fato de que em qualquer momento, seja no período arcaico, como no contemporâneo, a qualquer época e sociedade, foi adotado um perfil jurídico, com normas regentes.

Já o sentido estrito caracteriza apenas a etapa após o século XVIII, com as Revoluções Americana e Francesa, que constituíram as primeiras delimitadas e ditas Constituições.

Sob esta segunda análise, é possível dizer que os Constitucionalismos: primitivo (de 30.000 anos a.C. até 3.000 anos a.C.), antigo (de 3.000 ao século V) e medieval (século V ao século XV) são antecedentes do sentido moderno de constituição (do século XV ao XVIII), que tiveram extrema influência no contemporâneo (final do século XVIII até a atualidade).

Dessa maneira, observa-se a importância do Constitucionalismo moderno, surgido entre o período entre a tomada de Constantinopla pelos turcos-otomanos (no ano de 1453) até a data da Revolução Francesa (ocorrida no século XVIII), cujas bases teóricas políticas, sociais e jurídicas se fazem presentes até a atualidade.

A idade Moderna é marcada pelo surgimento de um Estado Nacional, ou seja, o poder que anteriormente estava decentralizado nos feudos, caracterizados pela relação de suserania e vassalagem, passaram a estar concentrados em um monarca. Todavia antes de analisarmos esse momento do Direito Constitucional, se faz necessário antes compreendermos as raízes históricas que fazem parte do moderno momento constitucional.

Durante a Antiguidade, levando em consideração principalmente o berço da civilização ocidental: Grécia e Roma Antiga, é visto que poderiam existir normas escritas que levavam em consideração acordos de vontade e observavam os costumes sociais da época, que caracterizavam direito e garantias fundamentais.

Existia a prevalência de uma espécie de assembleia e não havia exigências severas em relação ao cunho formal das normas.

Por fim, os detentores de poder, sejam reis, imperadores, déspotas ou tiranos (no caso de Atenas), não precisavam seguir um comportamento específico definido em lei. É visto que nessas sociedades existia a diferença entre Leis Constitucionais (regulava a organização do governo) e as Leis Simples (tratavam de interesses individuais), mas não existia uma hierarquia definida entre elas, mas apenas se observava uma diferenciação entre o âmbito público e privado, fato que influenciou as Constituições Modernas.

Já durante a Idade Média, é observado uma sociedade feudal, com poder desconcentrado, mas existia a ideia de legislação. Assim, em ordem de importância, existiam: a lei da cidade (a mais relevante e que regulava a organização dos burgos), a dos feudos (condicionava a administração e a relação entre senhor feudal e seus servos) e a lei do reino (observava a logística governamental do reino do monarca).

Nesse sentido, é durante este período que surgiram grandes textos jurídicos que foram o início da ideia atual disseminada de liberdades públicas contra o abuso de poder, mas as reais declarações vieram com força após a Revolução Francesa. Um exemplo de texto jurídico consiste na Magna Carta de 1215, um típico pacto entre o monarca e nobres, que previu diversos valores e princípios, que foram base para as constituições modernas, tais como: o direito de petição, a ideia de instituição de um Júri, habeas corpus, o devido processo legal (princípio utilizado com ênfase no Código Penal brasileiro de 1940), além de prever a liberdade de religião, o livre acesso a justiça e a aplicação proporcional das penas.

Ademais, existiram também os Forais (termo de origem latina que diz respeito a fórum, utilizado na antiguidade como lei dos juízes. No sentido medieval, se refere a atos redigidos escritos unilateralmente por reis ou senhores feudais, que atribuíam a um certo número de indivíduos o domínio a porções de terras, para que fosse desenvolvido o cultivo agrícola, além dos encargos dessas pessoas. Assim, organizavam as regiões e os direitos dos indivíduos.

Alguns municípios foram construídos sob ordem legal de Forais, colocando órgãos de governo e tratavam de Direitos Fundamentais) e as Cartas de Franquia (documentos, cartas redigidas unilateralmente por reis ou senhores feudais concedendo aos municípios questões tributárias: aumento ou diminuição de taxas, ou até mesmo, isenção. Esse fato favoreceu o comércio e a ascensão da Burguesia).

Vê-se aqui a importância destes documentos, sejam os pactos, os forais ou as cartas de Franquia para as Constituições do século XVIII, pois as ideias de organização de poder e do Estado, além da proteção aos direitos individuais serviram de pilares para a modernidade.

É sob essas influências que surgem as Constituições modernas, sob um Estado Nacional centralizado em um monarca. Em um primeiro momento, esta época foi caracterizada por valores de controle estatal e defesa dos direitos fundamentais. Surgiam neste início, Cartas de Colonização (contratos entre colonos ingleses na ida para as Treze Colônias na América do Norte, que posteriormente viraram as respectivas Constituições dos estados americanos), elas preservavam uma hierarquia e direitos fundamentais, com ênfase na Constituição de Virgínia de 1776, primeira colônia. Pode-se adicionar também que na Europa, principalmente na França e Alemanha, preservavam-se Leis Fundamentais do Reino, cujas características dizem respeito a matéria constitucional, determinavam o Estado e seu poder, além dos direitos da própria sociedade.

Podemos observar que as Constituições modernas são baseadas à luz das revoluções americana  de 1787 (após a Convenção da Aliança dos Estados, que decidiram pelo modelo Federalista criando assim a sua primeira Constituição) e francesa (que após sua revolução em 1789, determinou sua primeira Constituição em 1791, mas logo depois, devido as instabilidades políticas, viveu cerca de outras cinco).

As Constituições Modernas são conhecidas também por liberais, garantia, defensiva e clássica, cujas qualidades são: organização de um Estado e direitos fundamentais em apenas um documento, que mantém uma hierarquia e está acima de outras leis. Ademais, controla o poder Estado Absolutista e detém origem popular.

Esta legislação liberal consequentemente mudou as estruturas do Estado, que passou a ser conhecido como Estado Liberal, indicado pela priorização do setor privado- pela concessão de Direitos fundamentais como: a vida, a liberdade, a igualdade e a segurança- sobre o público- limita o poder público- e determina a ordem social, a partir de fiscalização. Com o tempo, outros países começaram a instituir ordenamentos legais a partir deste molde, tornando-se também Estados Liberais, pode-se citar sob este parâmetro a Espanha, Portugal e Bélgica.

Ao final do século XIX, devido às mudanças sociais como: aumento da tecnologia e a ciência aprimorada cada vez mais, graças à Revolução Industrial, a crescente vida urbana, surgiram diversas reivindicações sociais, principalmente após a crescente crise das profissões, o Estado começou a regular a economia, além de controlar e intervir de forma ampla em outros setores, a exemplo de assuntos como moradia, conteúdos trabalhistas e relativos à previdência social, ademais de aspectos como saúde e educação.

Assim, observa-se uma passagem do Estado Liberal com Constituições Defensivas, para um Estado Social ("Well-faire State") com leis que previam, além de direitos fundamentais, também direitos sociais, que necessitavam da intervenção, a ação estatal para garantir a sociedade esses direitos de "crédito". Se erguem, assim, as Constituições Sociais: sistemas de normas hierarquicamente superior ao resto do ordenamento jurídico, que dispõe da organização do Estado, do poder, além de manter os direitos individuais, com ênfase nos direitos sociais e disciplinar a ordem econômica. Nesse sentido, o Estado foi posicionado por Sindicatos para agir desta maneira, sendo ator da contenção das crises econômica e sociais.

Surgiram diversos estudiosos que dividiram os direitos fundamentais em gerações ou dimensões, como o doutrinador Karel Vasak (a primeira geração seria a das liberdades públicas do século XVIII, em que a intervenção do Estado é mínima, já a segunda, diz respeito ao século XX, em que surgem direitos sociais, econômicos e sociais.

A última se caracteriza por direitos de fraternidade e solidariedade, isto é, a ideia da relação fraternas entre os povos na promoção da qualidade de vida), o positivista Bobbio, que afirma de uma quarta geração conhecida como a da engenharia genética. Por fim, pode-se citar Paulo Bonavides, que afirma que a quarta geração seria a do direito de democracia direta pelo uso da tecnologia.

Sobre o assunto da Constituição Social, é perceptível que o primeiro país a adotar esse molde foi o México em 1917, colocando como direitos sociais o direito a maternidade, ao trabalho e à educação. Já a Alemanha foi o segundo país a assumir essa teoria, durante a República de Weimar, mais especificamente durante 1919, que trouxe à tona o federalismo, o parlamentarismo (com duas casas), o semipresidencialismo e uma série de direitos sociais além dos acolhidos pelo México, também o direito a habitação, a previdência social e o conceito da função social da propriedade.

Em relação ao Brasil, a primeira Constituição social foi instalada em 1934 por Getúlio Vargas (com direitos relativos ao trabalho com a Consolidação das Leis Trabalhistas, o direito ao voto a mulheres e diversas incidências de outros direitos sociais), mas já em 1937, devido ao aspecto ditatorial do sistema do Estado Novo, os aspectos da constituição foram mudados, a partir de uma nova mais autoritária.

Analisando a história podemos perceber que nesta época o Estado passou a intervir mais fortemente na economia, e essa intervenção acabou redundando em uma crise durante o final do século XX, assim sendo, o Estado passou a exercer mais atividade e responsabilidade acarretando assim um inchaço do Estado, que ficou sobrecarregado do cuidado de tantos setores, adicionado ao aumento da população mundial.

Tornou-se, assim, praticamente impossível este órgão conceder a todos igualmente os direitos sociais e fundamentais, pois não haveria erário suficiente para isso. Nesse sentido, surgiram diversos princípios na Alemanha, que foram adotados pelo Estado brasileiro, posteriormente, como: o princípio da reserva do possível (que consiste no dever estatal de prestar serviços efetivos sociais dentro da disponibilidade orçamentária, com exceção dos direitos conhecidos pelo mínimo existencial- um princípio vago, que deve ser alcançado por medidas estatais e seu erário) e o do não retrocesso social (consiste na ideia que as medidas sociais que foram colocadas anteriormente em prática pelos governos anteriores, não podem ser reprimidos, contudo, podem apenas sofrer medidas compensatórias), com o fim de conter esta recente crise vivida pelo Estado.

Por fim, esse período conhecido pelo Constitucionalismo Contemporâneo, que detém moldes de um Estado social, é caracterizado por diversas modalidades de Constituições Sociais, a exemplo da Constituição programática (cujas diretrizes são devidamente programadas devendo as mesmas serem implementadas pelo Estado), da dirigente (o Poder Executivo deverá regulamentar e implementar as políticas específicas ora prevista nas diretrizes no Estado (descreve de forma detalhada os estágios de relação de poder estabelecida, para a elaboração de uma nova legislação adaptada a essa atual situação).

Diante das linhas volvidas podemos observar que ambas as Constituições sejam ela a moderna ou contemporânea consiste em uma mudança clara de um Estado Liberal sob o molde de uma Constituição Clássica para um Estado Social com uma Constituição que preserva direitos além dos fundamentais da primeira, mas também um social. Nesse sentido, é indubitável que as duas tiveram suas importâncias em seus devidos contextos: a primeira para impedir o excesso de poder nas mãos de um monarca, concedendo a sociedade oportunidades de direitos individuais, que não podiam ser feridos, já a segunda diz respeito a uma contenção da crise econômica e social decorrida da não intervenção do Estado.

No entanto, é evidente que o modelo de um Estado menor, menos interventor, consiste na medida mais eficiente, atualmente, que pode ser feita. Podemos perceber nas linhas descritas acima que todo Estado interventor necessita de um orçamento quase que ilimitado para cumprir todas medidas estatais em todos os setores possíveis, ademais do fato de ser tão insustentável que foram criados princípios (da reserva do possível, do mínimo existencial e do não retrocesso social), com o único fim de que houvesse diminuição de certos erários em algumas áreas, já que não seria possível incluir a participação estatal em diversas setores com políticas eficientes a todos.

Além disso, é visto que este posicionamento constitucional coloca um poder excessivo nas mãos do Estado, fato que muitas vezes pode ferir os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana, pois o individualismo é colocado em segundo plano em prol do poder do público, muitas vezes, fato que pode amplamente ser associado ao Totalitarismo, devido ao fato do âmbito privado ser colocado como dependente do público nas políticas estatais, que, constantemente não pode agir em todas as áreas para beneficiar a todos e ainda impede a atuação do particular com diversas legislações, e, ao fim, a sociedade é a que menos se favorece. Em segundo plano, pode-se observar que os direitos individuais são essenciais, mas é preciso alguns direitos sociais, exclusivamente a saúde e educação. Assim esses direitos para que realmente sejam respeitados e cumpridos se faz necessário que o Estado não faça intervenções de forma plena e sim de forma reduzida, ou seja, um meio termo, assegurando assim, que os direitos individuais sejam respeitados e fornecidos por meio de políticas estatais pontuais não gerando assim um comprometimento do dinheiro público, mas principalmente procurando assegurar o possível a população do seu país.

Por fim, pode-se citar que as questões e situações sociais são especificadas de maneira mais abrangente e detalhada nos termos do Estado Social, fato que deve ser levado em consideração, porque a codificação consiste na maneira mais eficaz para manter o bem comum e o entendimento da atuação dos poderes públicos.

Então, é claro que os Direitos fundamentais (com ênfase na liberdade e na vida) e os dois sociais: educação e saúde devem ser preservadas e tuteladas pelo ordenamento jurídico constitucional, que deve conduzir as medidas do Estado, que não podem nem ser ausentes, nem excessivamente interventoras, mas sim, em medida mínima, com o fim de garantir os direitos assim relatados, a partir de uma codificação rica e detalhada.

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BULLOS, Uadi Lammêgo. O Curso de Direito Constitucional, 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015.

Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior

Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior

Advogado, pós-doutor em Direito Constitucional na Itália. Professor universitário. Sócio fundador escritório SME Advocacia. Presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO. Membro consultor da Comissão de Estudos Direito Constitucional da OAB Nacional e árbitro da CAMES.

Aline Falcão Almeida

Aline Falcão Almeida

Acadêmica do curso de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie - Alphaville - São Paulo.

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