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Aspectos práticos da capitalização de créditos em contexto de recuperação judicial

Para a realização da capitalização dos créditos, uma série de cuidados adicionais devem ser tomados pelos interessados.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Atualizado às 08:53

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

Num contexto nacional de retração do PIB, majoração da inflação e taxa básica de juros (Selic) em patamar mínimo histórico, somados a um mercado financeiro mundial com alta liquidez, parece natural aos investidores que, se quiserem melhores retornos financeiros, terão de aceitar, também, maiores riscos.

Assim é que finalmente ganha força, em escala nacional, as operações de Distressed Assets e de Distressed M&A, operações essas vinculadas a reestruturações de dívidas que ocorrem em contextos vários, inclusive em recuperações judiciais.

Trata-se de mercado com enorme potencial, eis que ativos tendem a ser vendidos a preços ínfimos. Não se pode perder de vista, porém, que ditas operações estão mais afeitas a investidores qualificados, levando em consideração a necessidade de expertise suficiente para evitar (ou mitigar) os riscos inerentes a esta seara.

Neste sentido, interessante notar que as eventuais oportunidades não se limitam aos novos entrantes (que injetem new money nessas reestruturações). Isso porque, no contexto das alterações realizadas pela lei 14.112/20, que modificou a lei de Recuperação Judicial e Falências (LREF), inseriu-se novo inciso (XVII) ao artigo 50 da lei 11.101/05, explicitando, dentre os meios de recuperação, a "conversão de dívida em capital social". Ou seja, eventuais credores que já tiveram créditos pretéritos, arrolados numa das milhares de recuperações judiciais em tramitação, podem convertê-los em equity, transformando-se de credores em sócios do negócio.

Dessa forma, considerando que o artigo 50 contém, em seus incisos, um rol exemplificativo das formas passíveis de recuperação, parece-nos claro que o legislador da reforma, ao inserir o inciso XVII, apenas pretendeu outorgar aos operadores do direito um viés instrutivo. E não foi sem razão que assim procedeu, já que a capitalização dos créditos, nesses 15 anos de vigência da lei, recebeu aplicação prática aquém da sua plena potencialidade.

Apesar de previsões nesse sentido serem relativamente corriqueiras nos planos de recuperação judicial, os aspectos práticos dessa operação acabaram obstando que ela, de fato, fosse utilizada em larga escala nesse ambiente de crise empresarial. Assim, a alteração na LREF procurou incentivar a adoção desse mecanismo também ao estipular, em seu art. 56, §7º, que o plano de recuperação judicial apresentado pelos credores pudesse prever a capitalização dos créditos, inclusive com a alteração do controle da sociedade devedora. 

Apesar da sintética previsão, a capitalização de créditos, com a transformação do credor em sócio da empresa, é um assunto complexo, cuja efetiva implementação deve revestir-se de uma série de cuidados.

Sob o ponto de vista jurídico, trata-se de aumento de capital social mediante subscrição de quotas (art. 1.081, CC), no caso das sociedades limitadas, ou de ações (art. 170 da LSA), no caso das S/A.  Nesse caso, o credor irá subscrever tantas quotas ou ações quantas correspondam ao valor do seu crédito e irá integralizá-las com o seu crédito.

Para a realização da capitalização dos créditos, uma série de cuidados adicionais devem ser tomados pelos interessados.

  1. Valuation Base para Conversão - o plano de recuperação judicial deve prever um valuation adequado à empresa, através do qual possa se calcular a participação a que determinado crédito corresponderá e, consequentemente, o preço de emissão das quotas ou ações do credor. O valuation pode ter um valor pré-determinado ou uma fórmula variável; entretanto, qualquer que ele seja, é importante que seja de conhecimento e que tenha sido previamente aprovado pelos credores (é de grande valia a realização de due diligence quanto a eventuais passivos extraconcursais da recuperanda).
  2. Direito de Preferência dos Sócios para Subscrição de Quota ou Ações - O art. 1.081, §1º, do CC e o art. 171 da LSA preveem que os acionistas terão preferência para a subscrição do aumento de capital, na proporção do número de quotas ou ações que possuírem. Dessa forma, é importante que, previamente à deliberação do plano, os sócios acordem em renunciar ao seu direito de preferência com o intuito de permitir a capitalização dos créditos sem quaisquer imprevistos, o que ganha ainda maior relevo em casos de planos de recuperação propostos pelos credores.        
  3. Regime do Capital Autorizado nas Companhias - Para evitar a complexidade do aumento de capital através de assembleia geral, a LSA, em seu art. 168, prevê que a companhia poderá adotar o regime do capital autorizado, por meio do qual é possível o aumento de capital com emissão de ações mediante deliberação do conselho de administração até um limite pré-determinado pelos acionistas, que constará do estatuto. Através da adoção desse mecanismo, a companhia poderá evitar as dificuldades de realizar aumento de capital por meio de assembleia geral em situações de tensão societária, simplificando seu procedimento, mas ainda assim garantindo os direitos dos credores. 
  4. Quotas ou Ações Ordinárias e Preferenciais - Para evitar a perda do controle e excessivos conflitos políticos, os antigos sócios podem sugerir que os credores se tornem preferencialistas, restringindo direitos políticos dos novos sócios em troca de maiores benefícios econômicos. Trata-se de bom mecanismo para assegurar uma gestão estável da sociedade aos controladores, ao mesmo tempo em que oferece maiores incentivos econômicos aos credores.
  5. Governança Corporativa - A relação societária entre os controladores e os credores (novos sócios) tende a já nascer delicada (ainda mais quando o Plano é por estes apresentado), altamente suscetível, portanto, a conflitos de interesse e litígios societários. Nesse sentido, recomenda-se que, antes mesmo do ingresso dos credores como sócios, a sociedade realize uma revisão da sua situação societária e proponha aos novos sócios uma estrutura de governança que proteja adequadamente os interesses de ambas as partes e que contribua para evitar conflitos entre eles.
  6. Direito de Retirada - Por fim, considerando os elementos acima pormenorizados, em especial a frágil affectio que tende a existir entre os sócios ingressantes (antigos credores) em face dos antigos controladores, recomenda-se a clara estipulação do regramento de retirada, a fim de que se evite a perpetuação de conflitos societários deletérios ao negócio propriamente dito. Esse cuidado deve ser tomado principalmente nas sociedades limitadas (e em algumas companhias de pessoalidade mais ressaltada), tendo em vista a possibilidade dilatada dos sócios requererem dissolução parcial.

 

Daniel Báril

Daniel Báril

Advogado. Sócio do Silveiro Advogados. Especialista na área de insolvência e reestruturação de empresas, autor e organizador de livros, como "Recuperação Judicial de Empresas: Temas Atuais".

Daniel Raupp

Daniel Raupp

Sócio do Silveiro Advogados.

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