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Vacinação, recusa do empregado e justa causa

O tema ainda vai se manter durante algum tempo em esfera polêmica, com desdobramentos ainda imponderáveis, inclusive no tocante a orientações que venham a ser estabelecidas pelo poder público.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Atualizado em 30 de setembro de 2022 09:58

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

A respeito das notícias veiculadas nos últimos dias, relativamente ao posicionamento do MPT quanto à possibilidade de rescisão do contrato de trabalho, por justa causa, nos casos de recusa do empregado em vacinar-se, seguem as orientações sobre o tema contidas no GUIA TÉCNICO INTERNO DO MPT SOBRE VACINAÇÃO DA COVID - 19, elaborado pelo GRUPO DE TRABALHO NACIONAL - GT - COVID - 19 (págs.63 e 64):

"... X - Diante da recusa, a princípio injustificada, deverá o empregador verificar as medidas para esclarecimento do trabalhador, fornecendo todas as informações necessárias para elucidação a respeito do procedimento de vacinação e das consequências jurídicas da recusa;

XI - Persistindo a recusa injustificada, o trabalhador deverá ser afastado do ambiente de trabalho, sob pena de colocar em risco a imunização coletiva, e o empregador poderá aplicar sanções disciplinares, inclusive a despedida por justa causa, como ultima ratio, com fundamento no artigo 482, h, combinado com art. 158, II, parágrafo único, alínea "a", pois deve-se observar o interesse público, já que o valor maior a ser tutelado é a proteção da coletividade.

Todavia, é necessário que a empresa não utilize, como primeira medida para obter a anuência com a vacinação, a possibilidade de despedida por justa causa, pois existe um dever do empregador de ministrar aos empregados informações sobre saúde e segurança do trabalho e sobre a aprovação da vacina pela Anvisa.

Ademais, há um dever de proporcionalidade na aplicação de penalidades, dentro do poder disciplinar do empregador, e de compreensão do contexto intelectual e psicológico do trabalhador em face das informações falsas (fake news) que têm circulado na sociedade.

Desse modo, se houver recusa do empregado à vacinação, a empresa não deve utilizar, de imediato a pena máxima ou qualquer outra penalidade, sem antes informar ao trabalhador a importância do ato de vacinação e as consequências da sua recusa, propiciando-lhe atendimento médico ou psicológico, com esclarecimentos sobre a vacina."

Há notícias de que essas orientações internas do MPT seriam convertidas em documento público destinado aos empregadores, mas até o momento da elaboração deste texto, não havia essa publicação.

Antes de tudo, é preciso destacar que orientações, recomendações, notas técnicas, ou quaisquer outros documentos dessa natureza, emitidos pelo MPT, não possuem status de lei, mas apenas de documentos indicativos quanto ao entendimento do órgão sobre as matérias neles tratadas, não sendo, portanto, de adoção obrigatória. O Judiciário Trabalhista poderá, assim, em decisões judiciais, divergir dos entendimentos do referido órgão, interpretando a legislação aplicável na forma que considerar correta, independentemente do posicionamento do MPT.

Porém, esse fato não retira o mérito de importância do posicionamento do MPT, uma vez que aponta caminho razoável de comportamento empresarial, com base na legislação e de acordo com posicionamento recente do STF.

Com efeito, o MPT aponta que a injustificada recusa do empregado em vacinar-se faria incidir o disposto no art. 158, alínea "a" da CLT, que estabelece como ato faltoso o fato do empregado recusar-se injustificadamente a observar normas de segurança e medicina do trabalho, e, uma vez instado pelo empregador a fazê-lo e persistindo a recusa injustificada, o empregado estaria sujeito à demissão por justa causa, com base no art. 482, inciso "h" que trata da hipótese de ato de indisciplina e insubordinação.

O tema é altamente polêmico e vários posicionamentos têm sido manifestados pelos operadores do Direito, sem que haja um consenso absoluto.

A posição que nos parece mais adequada é a que indica a possibilidade de caracterização de justa causa nesses casos, por ocorrência de ato de indisciplina ou insubordinação, desde que a empresa tenha estabelecido em regulamento interno, escrito, oficial e de inegável conhecimento prévio por parte dos empregados, sobre a obrigatoriedade destes se submeterem à vacinação, desde que a vacina seja disponibilizada pela empresa ou pelas autoridades públicas sanitárias.

Sugere-se, ainda, que esse regulamento interno seja precedido e seguido de ampla campanha de conscientização junto aos empregados que servirá   de prova de inequívoca orientação patronal quanto à importância da vacinação, principalmente como ato de preservação da vida e saúde do próprio empregado e de seus colegas, a considerar as características pandêmicas do Covid-19 e o fato de a vacina ter sido aprovada pelos órgãos de saúde pública, como elemento eficaz de imunização contra a doença.

Observados estes requisitos pelo empregador, consideramos aplicável os indigitados artigos da CLT mencionados pelo MPT que permitem a solução extrema da rescisão por justa causa, pois, aí sim, estariam os empregados obrigados a observar a referida determinação regulamentar advinda do empregador, por constituir-se, então, em norma interna de segurança e medicina do trabalho da empresa.

De destacar aqui, como elemento de convicção, o posicionamento já adotado pelo Supremo Tribunal Federal ao analisar o tema 1.103 de Repercussão Geral, que dá certo amparo como precedente invocável da Corte Constitucional , que assim decidiu:

"É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar". Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 17.12.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução 672/2020/STF)."

Dessa forma, na hipótese de o empregado recusar-se a tomar a vacina, e existindo norma específica em regulamento interno conforme acima apontamos, é aconselhável que o empregador o advirta formalmente com base no regulamento empresarial, apontando as razões de sua exigência e sua importância do ponto de vista da saúde e segurança no ambiente de trabalho. Recomenda-se que, nessa oportunidade, o empregador determine que o empregado providencie na sua imunização imediatamente, ou justifique, do ponto de vista exclusivamente médico, qualquer impedimento legítimo de vacinar-se.

Caso o empregado permaneça na posição de não tomar a vacina, mesmo após conscientizado e advertido, e caso não apresente qualquer razão médica plausível para a recusa, recomenda-se cautela de suspende-lo por um dia, por exemplo, com perda de remuneração, como ato tendente a corrigir seu comportamento; persistindo a resistência, restaria caracterizada a justa causa, com base nos dispositivos apontados pelo MPT.

De qualquer sorte, o tema ainda vai se manter durante algum tempo em esfera polêmica, com desdobramentos ainda imponderáveis, inclusive no tocante a orientações que venham a ser estabelecidas pelo poder público.

Marco Antonio Aparecido de Lima

Marco Antonio Aparecido de Lima

Advogado do escritório Lima & Londero Advogados.

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