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Momento da incidência do IRPJ e da CSLL sobre o crédito tributário a compensar decorrente da decisão judicial em mandado de segurança

Afinal de contas, qual é o momento de incidência de tributação sobre tais acréscimos patrimoniais?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Atualizado às 18:36

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Constantemente são travadas implacáveis disputas judiciais envolvendo as chamadas teses tributárias. Ocorre que, mesmo transitadas em julgado muitas dessas demandas ajuizadas através da via mandamental, os contribuintes, contadores e advogados agora se encontram em meio a mais um dilema, dessa vez relativo à tributação sobre a quantia que se pretende recuperar através da declaração de compensação: o marco temporal de incidência do IRPJ e da CSLL sobre o indébito a compensar decorrente da decisão judicial transitada em julgado.

Afinal de contas, qual é o momento de incidência de tributação sobre tais acréscimos patrimoniais? Seria tão logo a partir do próprio trânsito em julgado da decisão que os reconheceu? Do pedido de habilitação do crédito objeto de ulterior compensação perante do órgão público competente? Da transmissão das declarações de compensação (PER/DCOMP)? Da homologação dessas declarações de compensação na via administrativa? A resposta parece estar tão distante quanto a expectativa pela concretização de um sistema tributário praticável no país.

Adiante-se que, considerando a disposição clara dos art. 53 e 74 da lei 9.430/96 e do art. 5º do ato declaratório interpretativo (ADI) SRF 25/2003, este cenário foi traçado sob a perspectiva das seguintes hipóteses: (i) no exercício em que a despesa foi incorrida, o contribuinte tiver sido tributado pelo lucro real (regime de competência) e; (ii) a despesa com o pagamento do tributo indevido tiver reduzido a base tributável daquele período. 

Em meio a este cenário, ao menos no atual entendimento da Receita Federal (solução de divergência COSIT 19/2013), é no trânsito em julgado da sentença declaratória do direito à compensação que os créditos compensáveis passam a ser receitas tributáveis do IRPJ e da CSLL. As Varas Federais e os Tribunais Regionais Federais, da mesma forma, parecem compartilhar dessa percepção que, adiante-se, será refutada no presente artigo, na medida em que as empresas "vencedoras" de demandas judiciais envolvendo a declaração do direito a compensação do indébito tributário estão sendo compelidas a pagar os tributos sobre proveito econômico que, no momento do trânsito em julgado, inexiste.

A Receita Federal do Brasil, partindo de inadvertidas premissas, concluiu que o marco temporal para a exigência do recolhimento dos tributos é a data do trânsito em julgado da sentença judicial que reconheça o direito à compensação, sob o pretexto de que, neste momento, o direito é exigível e, portanto, estaria caracterizada a disponibilidade das rendas ou proventos.

Do ponto de vista puramente jurídico e literal da legislação tributária, ninguém discorda que o fato gerador do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica (art. 43 do CTN), assim como também sabe-se que as empresas submetidas ao lucro real, por estarem sujeitas ao regime de competência, devem reconhecer suas receitas na medida em que são produzidas (accrual), independentemente da efetivação da disponibilidade financeira,  dos recebimentos ou de pagamentos em caixa (art. 258 do RIR/2018).

Acerca do fato gerador do imposto de renda, didática é a lição de Kiyoshi Harada, para quem a "disponibilidade econômica seria a percepção da renda em dinheiro, ao passo que, a jurídica, seria o nascimento do direito à percepção da renda"1. A doutrina parece complementar-se com o conceito de Hugo de Brito Machado, de que "A disponibilidade econômica decorre do recebimento do valor que se vem acrescentar ao patrimônio do contribuinte. Já, a disponibilidade jurídica decorre do simples crédito desse valor, do qual o contribuinte passa juridicamente a dispor, embora este não lhe esteja ainda nas mãos."2.

Ocorre que, a despeito das determinações legais para a incidência do imposto sobre a renda, a doutrina não se restringe a dicção literal da lei, e estabelece demais aspectos elementares, imprescindíveis para se perquirir sobre a disponibilidade e efetiva realização da renda, ou melhor, para a perfectibilização do fato gerador do IRPJ e da CSLL, requisitos estes intrínsecos à ideia de capacidade contributiva. Tais condições, obviamente, estão atreladas a necessidade de caracterização de definitividade e certeza sobre o suposto acréscimo patrimonial. Mais precisamente, com referência no assunto, o brilhante doutrinador, Ricardo Mariz de Oliveira esclarece que não podem incorporar um patrimônio créditos que representem "[...] meras expectativas de direitos, direitos subordinados à condição suspensiva, meras potencialidades econômicas e jurídicas ainda não confirmadas em definitivo, porque dependentes de fato futuro e incerto quanto à sua existência ou ao seu conteúdo."3.

É inexorável que, para além da vaguidade na legislação sobre qual o momento da incidência do tributo na hipótese, a autoridade fiscal há de restringir-se ao campo da aplicação do princípio fundamental da capacidade contributiva insculpido no art. 145, § 1º, da CF/1988, sob pena de violação a preceitos fundamentais basilares atinentes às limitações constitucionais ao poder de tributar, tais como a igualdade tributária e a própria justiça fiscal. Não é por acaso que a capacidade contributiva já fora reconhecida como instrumento para a consecução desses dois princípios por inúmeros autores de renome. Nas palavras de Ricardo Lobo Torres, a capacidade contributiva "manda que cada qual pague o imposto de acordo com a sua riqueza, atribuindo conteúdo ao vetusto critério de que a justiça consiste em dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere) e que se tornou uma das "regras de ouro" para se obter a verdadeira justiça distributiva."4. Inobstante, preceitua Luís Eduardo Schoueri que "a capacidade contributiva vem preencher a exigência do princípio da igualdade, conferindo critério para a comparação de contribuintes."5.

No caso, o procedimento administrativo adequado para a compensação de créditos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado está descrito na IN 1.717/2017, precisamente aos art. 98 a 105 que, em síntese, preconizam que o contribuinte deverá apurar seu crédito e, munido da documentação listada na norma, proceder com o requerimento de habilitação desse crédito perante a Receita Federal que, dentro de trinta dias, proferirá despacho decisório deferindo ou não o pedido. Segundo a norma, o deferimento do pedido de habilitação do crédito não implica reconhecimento do direito creditório ou homologação da compensação. O ente público possui o prazo de cinco anos para a homologação da declaração de compensação (PERDCOMP) a ser realizada pelo contribuinte também dentro do prazo de cinco anos do trânsito em julgado, após devidamente habilitado o crédito.

Sendo assim, como a ação mandamental nestes casos possui natureza meramente declaratória (em conformidade com a súmula 213 do STJ e vedação das súmulas 269 e 271 do STF), ou seja, apenas declara-se um direito ao crédito relativo a indébito tributário reconhecido para uma posterior compensação administrativa, não há ainda nenhuma apuração de valores a compensar, tampouco cálculos precisos sobre o tal crédito que, veja-se, poderá ser futuramente até mesmo indeferido ou não homologado pelo próprio ente público. Em outras palavras, não há liquidez nem certeza do crédito quando do trânsito em julgado da demanda, de modo que, neste momento, sequer se poderia cogitar disponibilidade da renda do contribuinte, especialmente porque, na apuração futura dos valores, pode-se concluir, por exemplo, que não há crédito pretérito compensável.

Da mesma forma, mais latente ainda é a gritante ausência de capacidade contributiva da parte para com a tributação sobre a renda daquilo que não se conhece a base de cálculo, sequer se tem certeza da existência. Nessa medida, seria desarrazoado, para não se dizer ilógico e absurdo, estabelecer como marco temporal de incidência do IRPJ e da CSLL o momento do trânsito em julgado da sentença que reconhece o direito a compensação, compensação essa muitas vezes inquantificável naquele momento.

O ex-conselheiro titular do CARF, prof. Carlos Augusto Daniel Neto em excelente artigo intitulado "A incidência de IRPJ e CSLL sobre os indébitos tributários decorrentes de decisões judiciais", além de tratar brilhantemente sobre a aplicabilidade de princípios contábeis ao caso, faz importante colocação no seguinte sentido: "Ora, se não se tem ainda certeza acerca do valor do crédito (tampouco se haverá crédito a utilizar) que se tem perante a União, não há que se falar em disponibilidade, justamente pela ausência de definitividade sobre o valor do acréscimo patrimonial, e muito menos há que se cogitar da capacidade de pagar os tributos sobre a renda."6.

No que se refere a hipótese de incidência do IRPJ e CSLL à sombra deste cenário, o aspecto temporal, este entendido pela circunstância de tempo para configuração do fato imponível, não se mostra evidenciado no momento do trânsito em julgado da decisão, porque, como cediço, os tributos incidentes sobre a renda possuem natureza complexiva, ou seja, o "acréscimo patrimonial se apura após a verificação de uma cadeia de fatos, atos ou negócios, que tiveram lugar em unidades sucessivas de tempo"7.

Como se sabe, no regime de competência, o reconhecimento das receitas deve restringir-se a verificação concisa de que se perfectibilizaram os fatos necessários para fazer nascer o direito ao seu recebimento.

Sendo assim, evidente que não basta a decisão que reconhece o direito de compensação tributária para que incida a tributação sobre o suposto acréscimo. É necessária uma sucessão de fatos ou atos do contribuinte e do próprio Fisco para que seja concretizado o fato gerador da renda, especialmente quando diante de um procedimento administrativo próprio para a compensação tributária, como ocorre no âmbito da Receita Federal. Tais fatos são, em verdade, juridicamente relevantes para o direito, sendo que, somados, podem ou não indicar em seu computo a subsunção da hipótese de incidência ao fato gerador do IRPJ e da CSLL, subsunção essa que será verificada no exato momento do surgimento da capacidade contributiva que, diga-se, não se confunde com capacidade meramente econômica.

Outro aspecto que refuta a incidência de tributação sobre a renda no momento do trânsito em julgado do Mandado de Segurança é que, nos casos de Ações Ordinárias envolvendo a restituição judicial do indébito apurado, ou seja, em que o recebimento da quantia dar-se-á via Precatório ou Requisição de Pequeno Valor (RPV), o entendimento pacificado pela própria Receita Federal, é de que a incidência do IRPJ e da CSLL nestas circunstâncias é, ipsis litteris, "na data da expedição do precatório" (vide Ato Declaratório Interpretativo e Soluções de Consulta anteriormente referidos).

Parece-nos deveras coerente que a tributação sobre a renda ocorra no momento em que tenha sido expedido o RPV ou precatório. Entretanto, não se pode deixar de denotar a incongruência decorrente desses entendimentos exarados pela própria Receita Federal. Em outras palavras, se o pagamento devido pelo ente público referente ao indébito tributário for se dar através de RPV ou Precatório, a incidência do IRPJ e da CSLL sobre tais valores será na data da expedição; por outro lado, se o pagamento for se dar na modalidade de compensação tributária a ser procedida na via administrativa, a incidência do IRPJ e da CSLL é anterior, no trânsito em julgado da decisão que reconheceu este direito (mesmo que não se tenha sequer mensurado o montante a compensar).

Ora, sob esta perspectiva um tanto quanto assombrosa, indaga-se: a aplicação e interpretação da legislação tributária, precisamente quanto à incidência do IRPJ e da CSLL, depende da forma como se dará o pagamento do crédito do contribuinte (RPV, precatório ou através de compensação), ou do efetivo momento da aquisição da disponibilidade? Como podem contribuintes sob mesmas condições serem tributados em momentos distintos unicamente em razão da opção/modalidade de adimplemento do crédito? Em momento algum a legislação pertinente faz esta distinção, muito porque preza-se pelo preceito máximo da isonomia tributária também entre contribuintes.

Como muito bem se sabe pelo texto constitucional, e magistralmente reafirmado por Humberto Ávila em sua obra intitulada "Teoria da igualdade tributária", o substrato econômico de renda pressuposto na Constituição Federal de 1988 limita-se às atividades relacionadas que sejam indicativas de expressão econômica, obviamente sob pena de deflagrar-se tributação sobre renda potencial, ainda não realizada. Daí porque o doutrinador faz a relevante atentamento no sentido de que "a capacidade contributiva não deve ser tributada, mas somente a riqueza efetivamente recebida."8. Oportunamente no ponto, cabe aqui destacar passagem de Vitor Borges Polizelli em sua dissertação de mestrado, ocasião em que bem refere "Dizer que a renda deve estar disponível, realizada, percebida para, só então, ser tributada [...] significa, tão-somente, uma exigência de segurança na apuração da renda tributável, ou melhor, que a tributação deve alcançar situações concretizadas, concluídas e definitivas na órbita do Direito."9.

Neste prisma, facilmente se depreende que, no momento do trânsito em julgado da decisão que reconhece o direito a compensação do indébito, de forma alguma poderá ser admita incidência de IRPJ e CSLL, pois sabido que neste instante, em que se deflagra apenas o reconhecimento de um direito, ainda não concluídos, tampouco permanentes, os eventos que deflagram a realização da renda, eis que o proveito ainda não é definitivo e nem certo. Em sendo assim, resta-nos, todavia, apurar com efetividade em que momento do procedimento de compensação se perfaz a incidência das exações.

Ora, em sendo complexivo o fato gerador do IRPJ e da CSLL, a cadeia de fatos juridicamente relevantes a efetiva aquisição da disponibilidade depende, não apenas do trânsito em julgado da demanda, mas também da homologação da habilitação do crédito (que pressupõe sua quantificação irredutível e intransigente daquele crédito), aliado à declaração de compensação perante o órgão competente, pois é neste momento em que se está, sem sombra de dúvidas, diante de todos os pressupostos para, o que a doutrina clássica tributária diria, a subsunção do fato gerador à hipótese de incidência.

Além disso, é no momento da transmissão da declaração de compensação em que o crédito estará devidamente quantificado (sem risco de qualquer alteração superveniente na base de cálculo), compensação esta que poderá ser total ou parcial, conforme a própria legislação tributária bem admite. Em mais palavras, sustenta-se aqui que a tributação sobre a renda deverá ocorrer no momento em que se apresenta a declaração de compensação de cada PER/DCOMP, tendo-se por base de cálculo a parcela declarada, jamais o valor total do crédito habilitado. Isto porque, do contrário, não disporia a parte de capacidade contributiva para tal, ou seja, ausente a efetiva realização da renda.

Por tudo, propõe-se a tese de que a incidência do IRPJ e da CSLL ocorre (ou ao menos deveria ocorrer) quando da transmissão da declaração de compensação (PER/DCOMP), eis que é neste momento que, tanto o contribuinte quanto o próprio fisco, possuem garantia da habilitação do crédito homologado, ou seja, certeza, liquidez e definitividade do proveito econômico, ou seja, é o momento em que efetivamente verificada a capacidade contributiva e a realização da renda do beneficiário da compensação.

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1 HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário/ Kyioshi Harada. - 21. ed. Atlas, 2012, p. 286/403.
2 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 34ª ed. Malheiros, 2013, p. 322.
3 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 137-138.
4 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 15ª ed., Rio de Janeiro: Renovar. 2008. p.93.
5 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. Ed., São Paulo: Saraiva. 2017. P. 357.
6 Neto, Carlos Augusto Daniel. A incidência de IRPJ e CSLL sobre os indébitos tributários decorrentes de decisões judiciais. Revista Direito Tributário Atual, n.43. ano 37. p. 459-483. São Paulo: IBDT, 2º semestre 2019. Acesso em 05 fev. 2021.
7 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 9ª triagem. São Paulo: Editora Malheiros. p.99.
8 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 161.
9 POLIZELLI, Vitor Borges. O princípio da realização da renda e sua aplicação no imposto de renda de pessoas jurídicas. São Paulo, 2009. p. 96. Acesso em 05 fev. 2021.

Guilherme Monteavaro Feijó

Guilherme Monteavaro Feijó

Advogado tributarista - Koch Advogados Associados. Graduado em Direito pela UNIRITTER (2019); Pós-graduando em Direito Tributário pela UNIRITTER (2019-2021).

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