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O limite da glória: como doenças psíquicas afetam atletas de alto rendimento

Nosso pleito é que as confederações, na qualidade de organizadores das competições esportivas, bem como, as agremiações, que são os empregadores desses atletas, entendam que o desempenho físico dos esportistas não está, sob nenhuma hipótese, dissociado do bem-estar psíquico.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Atualizado às 12:52

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

No imaginário daqueles que, como nós, somos entusiastas e torcedores dos esportes de alto rendimento, nos impressiona esse universo de atletas espetaculares, com físicos hercúleos e uma trajetória de fama, estrelato, recordes e patrocinadores. Eles personificam o que consideramos, num desejo utópico, uma vida gloriosa e bem-sucedida.

Porém, nem tudo é o que parece. Há aspectos ocultos nessas trajetórias, marcadas por muitas dificuldades, mesmo para aqueles que as carreiras chegaram ao ápice. Ascensões astronômicas, porém, curtas; resultados insatisfatórios em relação ao investimento financeiro e à dedicação, são apenas alguns pontos a considerar.

O jovem atleta, no início da vida profissional, tem que aprender a conviver longe da família e sob alta carga de estresse, relacionado às cobranças pessoais e aos intensos treinamentos, o que também resulta numa total privação dos atos da vida comum. Aprende-se que a busca do limite físico e técnico é algo cotidiano, sendo certo que muitos dos atletas de alto rendimento tiveram boa parte da sua infância comprometida, já que estavam focados em melhorar constantemente sua performance no esporte. Não devem ter sido poucas as vezes que, enquanto se sacrificavam por melhores resultados, em busca de um objetivo, outras crianças da mesma idade vivenciavam a infância de forma genuína.

De acordo com a constatação da Professora Katia Rubio, coordenadora do Observatório de Psicologia do Esporte da Escola de Educação Física e Esporte da USP: "a obrigação do atleta não é apenas treinar e fazer a sua função, mas ele se vê obrigado a ganhar a qualquer preço. A derrota deixa de ser algo que faz parte da vida do atleta e do esporte para virar o que tem que ser evitado a qualquer custo".

Segundo a mesma professora, quando algo tão crucial como a saúde mental dos atletas não recebe a devida atenção, basta uma sequência ruim de resultados e tudo pode ir por água abaixo, com perda de patrocínio, de rendimento ou mesmo do contrato competitivo. No momento em que esses atletas põem todos seus esforços à prova, nas competições da vida adulta, e os resultados almejados não se viabilizam como o esperado, inicia-se o caminho para uma dor que não vê músculos ou ossos e acaba por resultar em doenças psíquicas, como depressão e ansiedade.

De acordo com Eliane Jany Barbanti, coordenadora do NUPSEA CEPE-USP, "a depressão é uma doença 'do organismo como um todo', que compromete o físico, o humor e, em consequência, o pensamento. A depressão altera a maneira como a pessoa vê o mundo e sente a realidade, entende as coisas, manifesta emoções, sente a disposição e o prazer com a vida. Ela afeta a forma como a pessoa se alimenta e dorme, como se sente em relação a si própria e como pensa sobre as coisas". Mais adiante, afirma que "as causas mais comuns da depressão nos atletas são: personalidade do atleta, ansiedade, baixa autoestima, fracasso, lesão física, mudanças de comportamento, autocobrança, problemas afetivos; perda de prestígio ou da posição de titular e baixo rendimento".

É sabido que muitos atletas são obrigados pelos seus patrocinadores a comercializarem uma vida irreal, na qual sua imagem se assemelha a de um super-herói. Esta determinação específica da imagem do atleta é denominada como perfil de iceberg, na qual o esportista exibe baixos níveis de tensão, depressão, fadiga, confusão mental e altos níveis de vigor (Morgan 1978-1980). Outra característica inerente ao perfil de personalidade de iceberg dos atletas é a negação da doença, que pode ser justificada pelo fato dos atletas depressivos serem vítimas de exclusão e preconceito por parte dos colegas no mundo do esporte competitivo ou pelo medo da reação da sociedade diante de seu problema.

O astro do futebol norte-americano, Ross Willians, é um exemplo disso; passou toda sua carreira lutando contra o transtorno de personalidade boderline. Em entrevista à Associação Americana de Ansiedade e Depressão (ADAA), o atleta relatou: "Eu tinha 23 anos, era milionário, tinha tudo e ainda assim, nunca estive mais triste na vida. Me sentia extremamente isolado de meus amigos e minha família porque não conseguia explicar a eles o que sentia. Não fazia ideia do que estava errado comigo".

Além de Willians, o nadador e superatleta, Michael Phelps, a judoca medalhista de ouro, Rafaela Silva, a tenista ex-número 1 do mundo, Jennifer Capriati, o ginasta Diego Hypolito e o jogador de basquete da NBA, Lucas Bebe, são outros casos de atletas de alta performance que também sofreram com depressão e ansiedade, tendo se recuperado após realizarem tratamentos específicos para as doenças.

No entanto, também existem casos marcantes de atletas que não venceram a batalha contra a depressão, como do ex-goleiro da seleção alemã Robert Enke. Sofrendo de ataques de pânico, sobretudo do medo de falhar, o jogador chegou a estar próximo de se internar numa clínica para reabilitação, mas evitava fazê-lo para que sua carreira não fosse encerrada precocemente. Em 2006, o goleiro ainda viveu grande fase de sua carreia como atleta do Hannover, mesmo após o trágico falecimento de sua filha, sendo considerado um dos principais goleiros do futebol alemão.

No entanto, após sua morte, no ano de 2009, sua esposa revelou que seu quadro depressivo nunca havia melhorado efetivamente, sendo esse o provável motivo de seu suicídio.  Numa carta deixada ainda em vida, Enke pediu desculpas à família e aos médicos por "deliberadamente levá-los a pensar que ele estava melhor".

Com o aumento significativo dos números de casos de depressão e ansiedade entre os atletas de alto rendimento, visando atender sua modalidade esportiva, a Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) fechou parcerias com a empresa inglesa Sporting Chance e com o aplicativo Headspace, sendo a primeira focada na realização de sessões de terapia e a segunda em meditação.

A Liga Norte-americana de Basquete (NBA) também articulou, no ano de 2018, parceria com o Headspace, buscando preservar a saúde mental de seus atletas. Segundo Adam Silver, comissário da NBA: "O foco do treinamento esportivo tem sido exclusivamente no condicionamento físico, mas, como atletas de alto nível tendem a aprender cada vez mais, a aptidão mental também é um determinante crítico do sucesso. A NBA está empenhada em promover uma vida saudável, e estamos satisfeitos que, através da nossa parceria com o Headspace, somos capazes de fornecer à família da NBA um recurso para apoiar o bem-estar mental".

No Brasil, onde notadamente sabemos que a principal modalidade esportiva é o futebol, verifica-se que são poucos os clubes que mantém, em suas equipes técnicas, profissionais especialistas em saúde mental. No ano de 2017, apenas 6 (seis) dos 20 (vinte) clubes que disputavam o campeonato brasileiro, disponibilizavam um psicólogo exclusivo ao elenco profissional, tendo como objetivo fazer o time caminhar, não necessariamente, cuidar da saúde mental, física e emocional de cada jogador.

Dado este cenário, questionamos então como tem sido tratada a saúde mental de atletas de base, de clubes de menor expressão e de atletas de modalidades esportivas não tão populares, mas que necessitam dos mesmos cuidados e dedicação dos elencos estrelados?

Essa ponderação se torna ainda mais preocupante diante do alto índice de depressão e ansiedade decorrente da pandemia de Covid-19, contexto no qual muitas carreiras de atletas profissionais, cuja duração é extremamente curta, foram paralisadas com interrupção das competições, inclusive dos jogos olímpicos de Tóquio.

O que esperamos com essa reflexão? Nosso pleito é que as confederações, na qualidade de organizadores das competições esportivas, bem como, as agremiações, que são os empregadores desses atletas, entendam que o desempenho físico dos esportistas não está, sob nenhuma hipótese, dissociado do bem-estar psíquico. Essas duas dimensões se retroalimentam e a garantia deste equilíbrio deve ser a principal preocupação daqueles que promovem o esporte. Aumentar e qualificar esses investimentos é fundamental e urgente.

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MORGAN, W.P. (1978) Sport personality: the credulous-skeptical argument in perspective In Straus, W.F 9ed) Sport psychology: An analysis of athletic behavior. Ithaca. NY, Movement Publication.

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Luiz Otávio de Almeida Lima e Silva

Luiz Otávio de Almeida Lima e Silva

Advogado e sócio fundador do escritório Bresciani & Almeida Sociedade de Advogados.

Tarcísio Miranda Bresciani

Tarcísio Miranda Bresciani

Advogado.

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