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Temas controversos na prisão de parlamentar federal no Brasil

Análise jurídica da prisão do deputado Federal Daniel Silveira.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Atualizado às 08:49

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Ideologias à parte, a prisão do deputado federal Daniel Silveira traz diversas questões jurídicas (constitucionais e legais) interessantes e polêmicas (algumas até intrigantes).1

Como já se sabe ou deveria saber (o estudante de direito especificamente e o profissional que trabalha na área criminal) o parlamentar federal postou um vídeo2 em que ofende ministros do Supremo Tribunal Federal e defende os atos realizados durante o regime militar, incluindo aí os Atos Institucionais que retiraram garantias fundamentais, entre as quais, a "proibição de manifestação sobre assunto de natureza política".3

Vejamos os principais aspectos controversos das medidas adotadas:

Antes, devemos entender que a prisão se deu em inquérito instaurado (de ofício pelo STF) para apuração de supostos ilícitos decorrente de notícias fraudulentas, denunciações caluniosas, ameaças e ofensas contra a honorabilidade do Supremo Tribunal Federal, seus membros e familiares (INQ 4781, Rel. Min. Alexandre de Moraes)4.

O deputado federal Daniel Silveira está entre os investigados e tinha ciência disso, pois já haviam sido adotadas medidas cautelares probatórias (apreensão de aparelhos celulares e computadores) em relação ao mesmo. Por isso, quando fez a postagem do vídeo, o parlamentar tinha ciência de que estava sendo investigado em procedimento realizado pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

Primeiro -  As falas e gestou exibidos no vídeo podem ser considerados crimes?

O parlamentar realizou um vídeo em que profere ofensas aos ministros do STF e defende atos normativos da época da ditadura militar, como o Ato Institucional 5, ou AI55 Entendeu-se que, em tese, a conduta pode ser considerada crime de coação contra autoridade (art. 344 do Código Penal) e crimes tipificados na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83)?

Sobre o ponto, a Procuradoria-Geral da República apresentou denúncia contra o parlamentar pelos crimes de coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal - por três vezes) e incitar à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis (art. 23, inciso II, da Lei 7.170/83 - uma vez) e incitar à prática dos crimes previstos nesta lei (art. 23, inciso IV, da Lei 7.170/83 - duas vezes), o crime incitado seria o de tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados (art. 18, Lei 7.170/83).6

Em resumo, a Procuradoria-Geral da República entendeu que conduta perpetrada caracteriza, em tese, infração penal e que há indícios de autoria delitiva.

O ponto controvertido seria se a conduta praticada estaria abrangida pela imunidade material dos parlamentares, por suas opiniões palavras e votos (art. 53, caput, CF). Conforme consignou o ministro Luís Roberto Barroso, em julgamento sobre o tema, "a inviolabilidade material somente abarca as declarações que apresentem nexo direto e evidente com o exercício das funções parlamentares", (STF - Primeira Turma - PET 7.174/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Rel. p. Acórdão Min. Marco Aurélio, DJe 25.9.2020). Existem diversos precedentes no Supremo Tribunal Federal, em casos semelhantes, com entendimento de que a imunidade material está vinculada ao exercício do mandato (propter officium), quando mantidos padrões mínimos de civilidade e quando as palavras proferidas não objetivarem agredir diretamente a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência ou discriminação.

Num primeiro momento, diante da robusta jurisprudência sobre o tema no Supremo, o discurso proferido no vídeo não estaria protegido pela imunidade material, autorizando eventual investigação policial e mesmo a ação penal contra o parlamentar. Entre os pontos analisados, este é o tema que suscita menos dúvidas.

Segundo - No caso, houve realmente flagrante delito, nos termos legais?

Em sua decisão reconhecendo o flagrante7, o ministro do STF mencionou "perpetuação dos delitos" permanência delitiva da conduta perpetrada, pois vídeo permanecia disponível no site do Youtube. Ressaltou o ministro que "ao postar e permitir a divulgação do referido vídeo, que repiso, permanece disponível nas redes sociais, encontra-se em infração permanente e consequentemente em flagrante delito, o que permite a consumação de sua prisão em flagrante".

Recordemos que os crimes podem, quanto ao momento consumativo, serem classificados em instantâneo - quando define-se a consumação em determinado momento (tipo um furto - no exato momento em que a coisa é subtraída)8 - ou permanente - quanto a consumação se protrai (prolonga) no tempo (um sequestro - em que a consumação ocorre enquanto a vítima é mantida como refém). Apenas o crime permanente admite a prisão flagrante "enquanto não cessar a permanência".

As demais categorias do flagrante (nos termos do art. 302 do CPP) seriam próprio ou real (o crime está acontecendo), quase flagrante (acaba de acontecer), impróprio (quando o agente é perseguido, "logo após" pela autoridade em situação que faça presumir ser o autor da infração e presumido, quando encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papeis que façam presumir ser ele o autor.

Apesar de alguns juristas entenderem que se trata de flagrante impróprio, como Lenio Streck que afirmou:9

"Concordo com o grande Juarez Tavares, quando lembra que, quando se trate de crime praticado pela internet, a expressão 'logo após' tem que ser interpretada de acordo com o tempo de ofensa ao bem jurídico e a possibilidade real de se afirmar e identificar o fato e seu autor. O próprio código de processo penal admite que possa haver flagrante quando o agente seja perseguido logo depois de haver cometido o fato. Portanto, é uma questão de adaptar a lei às particularidades do caso. Foi por isso que afirmei, já no calor dos acontecimentos, que o flagrante 'pós-moderno' não é o mesmo flagrante 'moderno'. A ver, portanto."

Detalhe importante, o ministro que ordenou a prisão (em flagrante) apenas se referiu ao caráter permanente da conduta praticada.

O busílis é compreender se as condutas, em tese criminosas, podem ser consideradas permanentes em razão de serem posteriormente publicadas (por meio de vídeos, escritos, áudios, "memes", "posts" etc) em redes sociais ou páginas na internet.

O Código Penal estabelece que o crime considera-se consumado "quando nele se reúnem todos elementos de sua definição legal" (art. 18, I, CP). Nessa perspectiva, após a realização do vídeo com as falas, em tese, criminosas, a publicação por meio de redes sociais ou sites na internet seria uma fase posterior do "iter criminis" (o exaurimento) quando o crime não poderia mais ser considerado "em consumação" e, portanto, não admitiria a prisão em flagrante, ou se a posterior publicação e manutenção do vídeo em alguma plataforma seria considerado uma espécie de reiteração criminosa, admitindo a prisão em flagrante.

Em regra; os chamados "crimes de palavra" consumam-se com o conhecimento das palavras ofensivas pelo ofendido (injúria, ameaça) ou por terceiros (calúnia, difamação); com a simples pratica da conduta incriminada no tipo penal, por serem crimes de perigo, como na incitação e apologia ao crime (art. 286 e 287 do Código Penal).

No caso, há de se analisar se a publicação do vídeo "transforma" as condutas perpetradas (consideradas instantâneas) em permanente ou mesmo se, a depender da situação, poderia caracterizar quase flagrante ou flagrante impróprio. As condutas incriminadas seriam "usar de grave ameaça" contra autoridade parar favorecimento de interesse próprio ou de terceiro (art. 344 do Código Penal) e "incitar" à animosidade entre Forças Armadas e as instituições (no caso o STF) e "incitar" a prática de qualquer dos crimes previstos na Lei de Segurança Nacional (art. 23, II e IV, Lei 7.170/83).

É de especial relevância a questão,10 especialmente considerando que, após a publicação do vídeo, o acesso ao seu conteúdo independe da vontade de quem o publicou ou mesmo de sua ciência sobre o acesso. Além disso, o vídeo por ser replicado em outros sites, armazenados e publicados futuramente. Enfim, não existe previsão legal no Brasil para tais situações, sendo (institucionalmente) temerário que este aspecto do poder punitivo estatal seja orientado por entendimento jurisprudencial.

O fato é que o Supremo Tribunal Federal, apenas analisou a questão superficialmente (obter dictum)11 e o enfrentamento à questão é fundamental para trazer alguma segurança jurídica, especialmente em razão de impactar na (im)possibilidade da prisão em flagrante e no início da contagem do prazo prescricional.

Destaco que a definição da flagrância delitiva é ponto fulcral, pois o parlamentar federal, desde a expedição do diploma, só pode ser preso em flagrante de crime inafiançável (não há possibilidade de decretação de prisão preventiva ou temporária)(art. 53, § 2º, CF)12.

No caso, como visto, foi considerado flagrante de crime permanente, mas o caso, pensamos, merece maior atenção e reflexão do próprio Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.

Terceiro - Considerando que houve situação que caracterize flagrante delito. Os delitos seriam inafiançáveis?

Conforme registrado, a prisão de parlamentar federal autorizada claramente pela Constituição Federal refere-se a crimes inafiançáveis. Pensamos que a inafiançabilidade prevista na Constituição se refere à classificação abstrata dos delitos que não admitiriam arbitramento de fiança em qualquer hipótese13. Nesta perspectiva, nos termos do art. 5º, XLII, XLIII e XLIV, seria permitida a prisão em flagrante de parlamentar nas seguintes hipóteses: racismo (Lei 7.716/89), tortura (Lei 7.455/97), tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 11.343/11), terrorismo (Lei 13.260/16), crimes considerados hediondos (Lei 8.072/90) e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (algumas condutas previstas na Lei 7.170/83).

No entanto, o Supremo Tribunal Federal quando da decretação da prisão em flagrante do Senador da República Delcídio de Amaral (Segunda Turma - AC 40 39, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 13.5.2016) utilizou um conceito de inafiançabilidade, baseando-se na situação em concreta e nas disposições legais sobre fiança.

Igualmente, no caso do deputado Daniel Silveira, entendeu-se que a conduta praticada afetaria gravemente a ordem pública, portanto, presente fundamento para decretação de prisão preventiva o que tornaria incabível a concessão de fiança, nos termos do art 324, IV, Código de Processo Penal. Assim, apesar dos crimes em tese praticados admitirem, in abstracto, a fiança, os fatos considerados, in concreto, não autorizariam a concessão da fiança, logo seriam inafiançáveis.

O tema é de extrema importância, pois assim como os parlamentares federais, diversas outras autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função - juízes, por exemplo - também só podem ser presos em caso de flagrante por crime inafiançável (art. 33, II, da Lei Complementar 35/1979 - LOMAN)

Quarto - Existe, na legislação processual, previsão de expedição de mandado em caso de prisão em flagrante?

A expedição de mandado em prisão em flagrante é inusitada, pois, a toda evidência, se há situação de flagrante delito, desnecessária a expedição de ordem judicial para seu reconhecimento. O artigo 283 do Código de Processo Penal é claro ao estabelecer que "ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado". O art. 285, por sua vez, estabelece que quem ordenar a prisão deverá fazer expedir o respectivo mandado.

Pela leitura dos dispositivos, verifica-se que o mandado (formalização da ordem judicial) é exclusivo para os casos de prisão cautelar (preventiva e temporária). No entanto, qualquer pessoa pode realizar a prisão (captura) de quem estiver em flagrante delito, nos termos do art. 301 do Código de Processo Penal. O ministro do Supremo poderia, na situação em análise, limitar-se ao reconhecimento da situação flagrancial e determinar a captura do parlamentar, mas ao conferir força de mandado de prisão à sua decisão, inclusive com detida fundamentação do caso, fez parecer que se tratava de decretação de outra modalidade de prisão cautelar.

Douglas Fischer, sobre o caso do Senador Delcídio, afirmou tratar-se de determinação de "uma verdadeira prisão preventiva, embora constasse a referência da flagrância".14

Há outro busílis em relação ao tema, pois, em caso de flagrante delito, a prisão é autorizada a qualquer hora do dia ou da noite, inclusive com ingresso forçado na residência da pessoa a ser presa (art. 5º, XI, CF), enquanto a prisão cautelar decorrente de mandado, deve respeitar "as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio" (art. 283, § 2º, CPP), podendo ser cumprida apenas durante o dia, entre 05 e 21 horas15.

A expedição de mandado de prisão é regra em casos de prisão cautelar (preventiva ou temporária), mas, por se tratar de prisão de parlamentar federal, seria vedado pela Constituição Federal este tipo de cautelar, a qual, igualmente, não poderia ser decretada de ofício, mas apenas mediante provocação, nos termos dos arts. 282, § 2º e 311 do CPP.

Quinto - Qual a autoridade deverá presidir e como poderá ser realizada a audiência de custódia quando houver prisão de autoridade que detenha foro por prerrogativa de função?

Nos termos da decisão liminar proferida pelo min. Edson Fachin, "deve ser realizada audiência de custódia, no prazo de 24 horas, em todas modalidades prisionais, inclusive prisões temporárias, preventivas e definitivas" (RCL 29.303/RJ, DJe 14/12/20 - aguarda referendo do Pleno do STF). Assim, após o cumprimento do "mandado de prisão preventiva", foi realizada audiência de custódia por videoconferência, sendo que o ato foi presidido por magistrado instrutor vinculado ao gabinete de ministro do STF e não pelo próprio ministro. Ao considerar, as medidas que poderiam ser adotadas na referida audiência, pensamos que a audiência deveria ser realizada pelo próprio Ministro, pois seria a única autoridade judiciária com poderes para, eventualmente, relaxar a prisão ilegal, substituir a prisão por outras medidas cautelares ou conceder a liberdade provisória (art. 310, I, II e II, CPP).16

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal permite a atuação de juiz instrutor para realização de atos de instrução dos inquéritos e ações penais originárias (art. 21-A), os poderes conferidos permitem que o magistrado profira decisão apenas sobre questões incidentais ocorridas durante as audiências que presidir (art. 21-A, V). Há previsão regimental de delegação de "outras funções pelo relator ou Tribunal" (art. 21, X), mas, entre tais "funções" não estaria a possibilidade de proferir decisão que poderia impactar na prisão referendada, à unanimidade, pelo Pleno do STF.

Não obstante, a audiência de custódia foi realizada e o juiz instrutor e foi mantida a prisão em flagrante, fazendo consignar na ata da audiência, "permanece a custódia cautelar do senhor deputado federal, por força da sua prisão em flagrante, assim formalizada pelo senhor Ministro Alexandre de Moraes, referendada, repito, pelo pleno do Supremo Tribunal Federal. Situação essa, de permanência da custódia cautelar nessa modalidade, que haverá de permanecer até eventual concessão de liberdade provisória ou a sua substituição por medidas cautelares"17

A Câmara dos Deputados, em cumprimento ao disposto no art. 53, § 2º, da Constituição, manteve a prisão em flagrante do mencionado parlamentar. A manutenção da prisão foi corroborada por 364 votos favoráveis, sendo 130 votos em sentido contrários e 3 abstenções.18

Sexto - Diante do caráter precário da prisão em flagrante e da impossibilidade de prisão preventiva de parlamentar federal, qual medida deverá ser adotada pelo Supremo Tribunal Federal?

Pensamos que o Supremo Tribunal deverá conceder a liberdade provisória ao parlamentar, sem fiança já que houve entendimento pelo não cabimento da contracautela, ou substituir sua prisão em flagrante por uma ou mais medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.

A prisão em flagrante não poderá ser mantida até o desfecho da ação penal, pois, desde a alteração do Código de Processo Penal, promovida pela lei 12.403/11, a prisão em flagrante - ainda que seu reconhecimento tenha sido referendado pelo Supremo Tribunal e mantida pela Câmara dos Deputados - deve ser relaxada, substituída por outras medidas cautelares ou convertida em prisão preventiva. Em resumo, atualmente, inexiste possibilidade jurídica da manutenção da prisão em flagrante durante a tramitação do inquérito policial ou do processo penal, em razão do seu atributo de precariedade (ainda que reconhecida por autoridade judicial em decisão excepcional).

Por conseguinte, pensamos que o Supremo Tribunal Federal deverá, com a manutenção da prisão em flagrante pela Câmara dos Deputados, novamente avaliar a situação flagrancial e, na impossibilidade de converter a prisão em flagrante do parlamentar em prisão preventiva, aplicar uma ou mais medidas cautelares pessoais em substituição à prisão em flagrante.

Nesta linha, ainda deve-se consignar que a própria Procuradoria-Geral da República, ao apresentar denúncia contra o parlamentar pelos crimes de coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal - por três vezes) e incitação à animosidade entre as Forças Armadas e instituições civis (art. 23, inciso II, da Lei 7.170/83 - uma vez) e à prática de crimes previstos na Lei de Segurança Nacional (art. 23, inciso IV, da Lei 7.170/1983 - duas vezes),19 manifestou-se, requerendo "o distanciamento do denunciado das instalações do Supremo Tribunal Federal, conforme autoriza o art. 319, inciso VI, do Código de Processo Penal" e ainda a "expedição de mandado de monitoração, no qual deverão constar as seguintes referências: (3.1) a residência ou domicílio e, sendo o caso, o local de trabalho do monitorado como área de inclusão, isto é, do perímetro em que ele poderá permanecer e circular; (3.2) a indicação do recolhimento diurno e noturno, sem autorização de saída da área delimitada; (3.3) fixação da periodicidade e da especificidade das informações que deverão ser prestadas pela central de monitoramento mediante relatório circunstanciado; (3.4) os deveres e os direitos do monitorado".20

A decisão do Supremo Tribunal Federal deverá ser, acreditamos, neste sentido de substituição da prisão pelas medidas cautelares diversas requeridas pela Procuradoria-Geral da República.

Não obstante, a Câmara de Deputados poderá voltar a analisar a situação, caso a decisão a ser proferida determine medida cautelar que de algum modo interfira direta ou indiretamente no exercício do mandato parlamentar, conforme já decidido pelo próprio Supremo no julgamento da ADIn 5526. (Rel. Min. Edson Fachin, Redator do Acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJe 06.8.2018).

À guisa de conclusão, verificamos que alguns pontos em relação ao caso retratado merecem maiores reflexões, especialmente aqueles relacionados: i) à classificação dos crimes de palavras quando publicados pela internet se instantâneos ou permanentes; ii) o conceito de inafiançabilidade dos crimes é realizado no plano abstrato ou concreto; iii) o reconhecimento de estado flagrancial por autoridade judicial com expedição de mandado, quando a pessoa a ser presa estiver em casa, deve observar as restrições relacionadas à inviolabilidade domiciliar; e iv) a competência para presidir audiência de custódia de autoridade com foro por prerrogativa nos Tribunais Superiores pode ser delegada para juízes e desembargadores.

A aguardar a posição do Supremo Tribunal Federal, confirmando ou refutando as posições já adotadas e eventual manifestação do Poder Legislativo sobre esses importantes temas.   

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1 O que se pretende é analisar os aspectos jurídicos da prisão decretada, nada além disso.

2 Apesar doo Youtube ter retirado o vídeo de sua plataforma, alguns outros sites ainda disponibilizam o vídeo. Quem quiser pode assistir por aqui.

3 Quem quiser ter ideia do que foi o AI 5 pode acessar aqui.

4 A referida investigação, iniciada para investigar "fake news" contra o STF e integrantes da Corte, é questionada e fruto de críticas, pois, entre outras coisas, foi iniciado de ofício e não possui fato definido para ser investigado. Foi apelidado de "Inquérito do Fim do Mundo". Há livro sobre a investigação: Inquérito do Fim do Mundo - O apagar das luzes do Direito Brasileiro. Organização: Cláudia R. de Morais Piovezan. Editora E. D. A, 2020.

5 Isso não é conclusão minha, fica mais do que patente no vídeo, as ofensas e as defesas realizadas. A PGR chegou à conclusão de que o vídeo também incita outrem a pratica de determinadas condutas criminosas.

6 Integra da denúncia no site.

7 Íntegra aqui.

8 O crime de furto, em sua consequência, pode ser considerado instantâneo com efeito permanente, quando os efeitos da conduta criminosa se perpetuam (caso a coisa não seja recuperada). O homicídio seria um outro exemplo. O crime é considerado instantâneo, pois a morte ocorre em um dado momento, mas os efeitos se prorrogam no tempo indefinidamente.

9 Deus morreu e agora tudo pode? Reflexões sobre a prisão do deputado. Acesso em 18 de fevereiro de 2021.

10  A questão traz temas importantes referentes aos crimes praticados por meio ou que se utilizem da internet. Imagine-se uma conversa particular, na presença de várias pessoas, sendo que um parlamentar (ou qualquer pessoa) tenha sido gravado, durante a conversa, o parlamentar (hipotético) faz ofensas graves aos ministros do STF, a outros parlamentares e ao próprio presidente da república". Passados alguns meses, o vídeo (ou áudio) é publicado na internet sem ciência do (hipotético) parlamentar. O vídeo é mantido no site por vários meses e visualizados por milhares de pessoas. Quando o crime pode ser considerado consumado? Quando se inicia a contagem do prazo prescricional? As mesmas questões podem ser realizadas em caso de crime de instigação ou induzimento ao suicídio ou automutilação praticado pela internet (art. 122, § 4º, do Código Penal).

11 Os ministros do STF referendaram a decisão do Ministro Relator, mas não apresentaram seus fundamentos, alguns fizeram menção de que apresentariam voto por escrito posteriormente. O feito é "sigiloso". Em consulta ao andamento do INQ 4781, em 22 de fevereiro de 2021, não constava informação sobre juntada de voto.

12 Douglas Fischer entende que a Constituição Federal "não vedou expressamente a prisão preventiva para parlamentares" (...) "Entendemos possível a prisão preventiva, pois a Constituição foi omissa, devendo-se fazer sim uma interpretação restritiva (para situações excepcionais) das regras (gerais) do CPP (art. 312), mas que não leve a privilégios". Íntegra aqui < https://temasjuridicospdf.com/mandado-de-prisao-em-flagrante-ou-prisao-preventiva-de-parlamentar/ > acesso em 18 de fevereiro de 2021.

13 O que, de forma contraditória, não impede a concessão de liberdade provisória (sem fiança), conforme entendimento reiterado do STF.

14 Idem acima "mandado de prisão em flagrante ou prisão preventiva de parlamentar".

15 O horário baseado no crime de abuso de autoridade (art. 22, III, Lei 13.869/2019)

16 Apesar do STF não estar submetido às orientações do CNJ, a Resolução nº 329/2020 permite, excepcionalmente, durante o e estado de calamidade pública provocado pela pandemia mundial (Covid-19) a realização de audiência de custódia por videoconferência.

17 Ata de Audiência de Custódia disponível aqui. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.

18 Disponível aqui. Acesso em 19 de fevereiro de 2021.

19 Integra da denúncia no site.

20 Cota disponível aqui. Acesso em 19 de fevereiro de 2021.

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Fernando Brandini Barbagalo

Fernando Brandini Barbagalo

Juiz de Direito (TJ/DF) e professor universitário. Foi juiz instrutor no STF entre 2018 e 2020.

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