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A mediação empresarial no novo sistema de recuperação judicial de empresas implementado pela lei 14.112/20

Importante ressaltar que a instauração da mediação não suspende os prazos estabelecidos pela nova lei, salvo se houver consenso entre as partes ou determinação do juiz.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Atualizado às 13:47

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O novo sistema de recuperação judicial de empresas, implementado pela lei 14.112/20, que entrou em vigência no dia 23 de janeiro de 2021, trouxe importantes modificações na lei 11.105/05 - conhecida como "Lei Recuperacional e Falimentar".

Dentre as inúmeras inovações, destaca-se o forte estímulo ao uso dos métodos autocompositivos de resolução de conflitos, agora expressamente previstos na Seção II-A: "Das Conciliações e das Mediações Antecedentes ou Incidentais aos Processos de Recuperação Judicial".

A crise decorrente da pandemia causada pela disseminação do covid-19, trouxe efeitos e consequências no mundo jurídico que perdurarão por muitos anos, causando uma sobrecarga no Poder Judiciário em todas as esferas, notadamente nos conflitos decorrentes da grave crise econômico-financeira do setor empresarial.

De acordo com os dados estatísticos divulgados pelo CNJ, de 2014 a 2019, foram protocolados mais de 181 mil processos de recuperação judicial e falência, e apenas em 2019 foram mais de 41 mil novos casos. O problema tende a agravar em 2021 e nos próximos anos, em razão da queda do nível de atividade econômica decorrente do covid-19, gerando cancelamentos ou descumprimentos de contratos das mais diversas ordens e quebra de empresas.

O polo empresarial, gerador de riqueza, emprego, renda, recolhimentos de impostos e contribuições, é a base do desenvolvimento de qualquer nação. Daí a fundamental importância em se prevenir os litígios empresariais, bem como tratá-los da maneira mais adequada possível, evitando as longas demandas judiciais, quase sempre com resultados desastrosos para a atividade econômica.

Lamentável que o Brasil, notadamente após o advento da Constituição Federal de 1988, passou ao equivocado entendimento de que a garantia constitucional do acesso à Justiça (art. 5º, inciso XXXV), se daria apenas através da judicialização de demandas. Isso fez com que nos tornássemos o país mais litigante do Planeta, abarrotando o Poder Judiciário com todo tipo de questão, muitas delas perfeitamente passíveis de serem resolvidas através de outros meios, como a mediação e a conciliação.

Somente em 2010, através da resolução 125 do CNJ, é que o Brasil implantou a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse. A partir daí passou-se a enxergar a conciliação e a mediação como instrumentos efetivos de pacificação social, de solução e prevenção de litígios, e a implantar no país um novo paradigma de tratamento do conflito, com vistas a reduzir a excessiva judicialização, a quantidade de recursos e de execução de sentenças.

E a crise imposta pela pandemia acelerou ainda mais essa mudança de perspectiva, fazendo com que novas tecnologias também fossem implementadas, como o uso das plataformas digitais para se realizar as audiências e sustentações orais nos Tribunais, por veio virtual. E nunca se ouviu falar tanto de negociação, mediação e conciliação, como durante o ano de 2020, notadamente pelos próprios operadores do Direito, diante do colapso do Poder Judiciário, completamente abarrotado com milhares de processos.

E pouco antes da pandemia, a mediação empresarial foi objeto da recomendação 58, de 22/10/19, pelo CNJ, recomendando a todos os magistrados promover o uso da mediação na resolução de todo e qualquer conflito entre o empresário ou sociedade empresarial, em recuperação ou falidos, e seus credores, fornecedores, sócios, acionistas e terceiros interessados no processo.

Contudo, mesmo diante da implantação da Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses, do novo Código de Processo Civil, que elegeu a mediação e a conciliação como uma das suas Normas Fundamentais (Livro I, Capítulo I, art. 3º), a busca pela solução consensual entre as partes vem sendo praticada de maneira muito tímida, porém com excelentes resultados práticos! A exemplo, a mediação realizada na recuperação judicial da Operadora Oi, em trâmite na 7ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro.

Os bons resultados, ainda que de maneira acanhada, influenciaram na nova redação da lei 11.105/05, dada pela lei 14.112/20, não deixando dúvidas sobre o protagonismo da mediação na nova sistemática dos processos de recuperação judicial, merecendo inclusive lugar de destaque:

"Seção II-A - Das Conciliações e das Mediações Antecedentes ou Incidentais aos Processos de Recuperação Judicial"

Como indica o próprio nome da Seção, a mediação poderá ser instaurada em caráter preventivo, ou seja, antes do processamento da recuperação judicial, bem como no curso do processo, inclusive em âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e Tribunais Superiores.

Importante ressaltar que a instauração da mediação não suspende os prazos estabelecidos pela nova lei, salvo se houver consenso entre as partes ou determinação do juiz. Contudo, se em caráter antecedente ao ajuizamento do pedido de recuperação judicial, a empresa poderá obter tutela de urgência cautelar, a fim de suspender as execuções contra ela propostas, pelo prazo de até 60 dias, para tentativa de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento com seus credores.

A lei traz apenas duas vedações ao uso da mediação, proibindo a sua utilização para se estabelecer a classificação dos créditos e para se discutir os critérios de votação em Assembleia Geral de Credores. E exemplifica as seguintes hipóteses que a mediação poderá ser implementada, sem prejuízo de outras questões, tendo em vista que o rol do art. 20-B, é meramente exemplificativo:

"I - nas fases pré-processual e processual de disputas entre os sócios e acionistas de sociedade em dificuldade ou em recuperação judicial, bem como nos litígios que envolverem credores não sujeitos à recuperação judicial, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei, ou credores extraconcursais;

II - em conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais;

III - na hipótese de haver créditos extraconcursais contra empresas em recuperação judicial durante período de vigência de estado de calamidade pública, a fim de permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais;

IV - na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial."

Não há dúvida de que a mediação otimizará o trabalho do Poder Judiciário, bem como trará maior celeridade na elaboração do Quadro Geral de Credores e auxiliará na negociação do Plano de Recuperação Judicial.

Importante destacar que o acordo obtido por meio de mediação não dispensa a deliberação por Assembleia nas hipóteses exigidas por lei, nem afasta o controle de legalidade a ser exercido pelo magistrado por ocasião da respectiva homologação.

E uma vez realizada a mediação pré-processual, se a recuperação judicial for requerida em até 360 dias contados do acordo firmado, o credor terá reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito do procedimento.

Não se pode confundir a figura do administrador judicial, que também ganhou uma posição de destaque e de inquestionável protagonismo no processo de recuperação judicial, com a do mediador. As duas funções são distintas, e não poderão ser acumuladas pelo mesmo profissional, conforme preconiza a recomendação 58/19 do CNJ, que também veda ao magistrado, exercer a função de mediador.

O mediador exercerá suas funções com autonomia, independência e imparcialidade, devendo respeitar a legislação e padrões éticos, além de manter a confidencialidade das informações a que tiver acesso e que não sejam públicas, conforme estabelece a lei 13.140/15 e a resolução 125/CNJ.

Nas mediações envolvendo multiplicidade de partes, os seus honorários deverão ser custeados pelo devedor. E nas mediações bilaterais, deverão ser repartidos entre as partes, salvo, em qualquer caso, se as partes pactuarem de forma diversa, conforme a orientação dada pelo CNJ através da referida recomendação.

A lei diz que há qualquer tempo, durante o curso do processo de recuperação judicial, o juiz poderá nomear de ofício o mediador ou, a requerimento do devedor, do administrador judicial ou de credores, para solucionar quaisquer questões atinentes à coletividade de credores, ou a requerimento do devedor, do administrador judicial e de credor individual, para os casos de verificação de créditos.

Conforme a recomendação do CNJ, o autor do requerimento poderá indicar até três nomes para exercer a função de mediador, cabendo à contraparte, caso aceite, escolher um dos nomes, que deverá ser nomeado pelo magistrado. Na hipótese de serem múltiplas as contrapartes, o magistrado deverá verificar se há consenso sobre um dos nomes indicados pelo requerente, fazendo a respectiva nomeação.

Não havendo consenso na escolha, o magistrado deverá oficiar a um Centro de Mediação/CEJUSC ou Câmara especializada (hipótese prevista no art. 20-A da nova lei), que tenha lista de profissionais habilitados a exercer a função para que indique um mediador apto para atuar em tais processos.

E na hipótese de não haver o Centro de Mediação ou não sendo feita qualquer indicação ou, ainda, se feita a nomeação, esta for recusada por uma das partes (nas medições bilaterais) ou pelo devedor e/ou credores com volume de créditos relevantes (nas mediações plurilaterais), caberá ao magistrado fazer a nomeação a sua livre escolha, podendo acolher um dos nomes indicados pelas partes, conforme orienta a recomendação do CNJ.

Não existindo motivos para impedimento ou suspeição (previstos na lei 13.140 e CPC), o mediador que aceitar a sua designação poderá sugerir às partes e ao magistrado, conforme o caso, a nomeação de um ou mais comediadores e/ou a consulta a técnicos especializados, sempre em benefício do bom desenvolvimento da mediação, considerando a natureza e a complexidade do caso ou o número de procedimentos de verificação de créditos em que deverá atuar, conforme recomenda o CNJ.

Interessante registrar que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás é o primeiro do país a instituir o banco eletrônico de administradores judiciais, através do provimento 43/20, com vigência concomitante com a nova lei 14.112/20. E para se inscrever no cadastro, o profissional terá que comprovar conclusão no curso de formação em administrador judicial promovido pela escola judicial do próprio Tribunal ou pós-graduação na área.

Tal regra se assemelha ao cadastro de mediadores e conciliadores judiciais, criado com a resolução 125/CNJ, que estabelece aos profissionais com atuação na área, a obrigatoriedade de se capacitar em curso ministrado por escolas devidamente credenciadas ou pelas escolas judiciais, bem como se inscrever no cadastro nacional de mediadores e no cadastro do respectivo Tribunal onde pretendem atuar.

Mas além da atuação dos mediadores e conciliadores judiciais, que se dá através dos Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania - CEJUSC, o novo art. 20-D da lei 11.105/05, possibilitou a realização das sessões de mediação também nas Câmaras especializadas, podendo se utilizar as plataformas digitais, que já é uma nova realidade em razão da pandemia e a necessidade do distanciamento social.

As Câmaras de Mediação são empresas privadas que prestam um serviço auxiliar da Justiça e poderão ser utilizadas pelas partes, advogados e pelos próprios magistrados a fim de se buscar um serviço de mediação e conciliação mais especializado, célere e de boa qualidade. E quando atuam em processos judiciais, deverão também estar devidamente inseridas no cadastro nacional do CNJ, bem como no cadastro do respectivo Tribunal.

Esse novo cenário de resolução das demandas empresariais só terá efetividade se os operadores do Direito implementarem as práticas consensuais e buscarem, cada vez menos, o exercício da jurisdição estatal como única forma de acesso à Justiça.

A transição de paradigma é uma tarefa desafiadora, porém merece a união e a cooperação de esforços de todos, afinal, o objetivo é comum: a busca pelo desenvolvimento econômico e bem estar social sustentado pela maior fonte de riquezas e geração de tributos, que é o setor empresarial.

 

Sônia Caetano Fernandes

Sônia Caetano Fernandes

Advogada, pós-graduada em Direito Processual Civil, mediadora judicial, administradora judicial em formação pela ESMEG, sócia-fundadora e diretora da Medialle Câmara de Mediação e Conciliação.

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