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Prova ilícita por derivação

Teoria dos frutos da árvore envenenada.

terça-feira, 2 de março de 2021

Atualizado às 09:37

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

A prova ilícita por derivação pode ser conceituada como uma prova lícita, mas que em razão de sua produção ou obtenção, torna-se ilícita.

No Brasil, essa teoria não possuía previsão legal expressa no CPP e sequer na CF. Eis que, com o advento da reforma de 2008, a teoria passa a ser legitimada no parágrafo 1º do artigo 157 do CPP, que dispõe que "são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas".

O surgimento da referida teoria se deu no direito norte-americano no ano de 1920 no caso Silverthorne Lumber & CO x United States.

No caso em comento, a Suprema Corte Norte Americana deliberou por invalidar uma intimação que havia sido expedida em razão de informação obtida através de uma busca ilegal.

É o que explica o doutrinador RENATO BRASILEIRO DE LIMA:

O precedente que originou a construção c do conceito de prova ilícita por derivação está ligado ao caso SILVERTHORNE LUMBER CO v. US, de 1920, em que a Suprema Corte norte-americana reputou inválida uma intimação que tinha sido expedida com base numa informação obtida por meio de uma busca ilegal. A acusação não poderia usar no processo a prova obtida diretamente da busca ilegal, nem a prova obtida indiretamente por meio da intimação baseada nessa busca. (p. 618)

Muito embora a teoria tenha surgido no processo supracitado, foi apenas no ano de 1937, no caso Nardone x United States que o Ministro Frankfurter se utilizou da expressão "fruits of the poisonous tree", que literalmente traduzido significa "frutos da árvore envenenada", que nada mais é do que afirmar que se uma árvore está envenenada, os frutos dela provenientes também estarão, assim como as provas que derivem de uma prova ilícita.

Acerca do tema, dispõe AURY LOPES JR.:

Entendemos que o vício se transmite a todos os elementos probatórios obtidos a partir do ato maculado, literalmente contaminando-os com a mesma intensidade. Dessa forma, devem ser desentranhados o ato originariamente viciados e todos os que dele derivem ou decorram, pois igualmente lícita é a prova que deles se obteve.

Dessa forma, entendo que a prova ilícita derivada é aquela que sequer existiria caso não houvesse uma prova anterior obtida com violação à norma. Tomemos como exemplo a seguinte situação hipotética: em determinado local é realizada uma busca e apreensão domiciliar sem mandado. No local, é encontrado e apreendido um notebook. Após, é realizada perícia no objeto, logrando encontrar um documento que faz menção a uma testemunha. Esta testemunha é arrolada no processo e presta declarações que incriminam o réu.

Vejamos, o depoimento da referida testemunha é inadmissível no processo. Isto pois foi tomado conhecimento sobre a testemunha após perícia no computador que só foi encontrado por causa de uma busca e apreensão sem mandado. Sendo assim, caso não houvesse a busca e apreensão ilegal, não haveria a testemunha, de modo que a ilicitude inicial na busca contaminou os atos subsequentes.

Nesse sentido, explica o doutrinador AVOLIO:

O problema das provas ilícitas por derivação, por uma imposição lógica, só se coloca nos sistemas de inadmissibilidade processual das provas ilicitamente obtidas. Concerne às hipóteses em que a prova foi obtida de forma lícita, mas a partir da informação extraída de uma prova obtida por meio ilícito. É o caso da confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado indica onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido; ou da interceptação telefônica clandestina, pela qual se venham a conhecer circunstâncias que, licitamente colhidas, levem à apuração dos fatos. A questão é saber se essas provas, formalmente lícitas, mas derivadas de provas materialmente ilícitas, podem ser admitidas no processo.

Evidente, contudo, que pelo fato de não haver entendimento absoluto e pacífico acerca do tema, existem diversas divergências quanto a aplicabilidade ou não da referida teoria.

Para exemplificar, apresentamos situação ocorrida em julgamento do STF, citada por AVOLIO em seu livro:

A questão dos fruit of the poisonous tree de início suscitou divergência em julgamento do STF, de 30/6/93. O min. Sepúlveda Pertence afirmou em seu voto que essa doutrina "é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita". E isto porque "vedar que se possa trazer ao processo a própria 'degravação' das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais afirmações, não colheria, evidentemente, é estimular e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas". A esse entendimento aderiram os ministros Francisco Rezek, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Celso de Mello. Em sentido contrário, argumentou o min. Sydney Sanches com um exemplo, segundo o qual a polícia, por meio de uma interceptação ilícita, toma conhecimento de um homicídio e passa a investigá-lo, logrando encontrar o corpo de delito e obter o depoimento de testemunhas presenciais, além da confissão do próprio autor do crime. Considerando que as provas se repetiram em juízo, o ministro não vê como não se poderia apoiar a condenação nesse conjunto probatório, "só porque o fio da meada foi uma prova ilícita". O Min. Moreira Alves utiliza exemplo semelhante para sustentar que "o absurdo da conclusão" - que seria a impunidade de poderosa rede de traficantes - "demonstra a erronia da premissa" - a teoria das provas ilícitas por derivação. Por não entenderem os demais ministros que a ilicitude da quebra de sigilo possa "ter a consequência de nulificar tudo aquilo mais que se venha a obter de prova e possa servir à instrução do processo e ao convencimento do juiz", como aduziu o Min. Octávio Gallotti, o Tribunal, por escassa maioria, rejeitou a aplicação da doutrina nesse caso concreto.

No referido julgamento, conforme supramencionado, o Tribunal deliberou pela rejeição da teoria doutrinária, reconhecendo a ilicitude da prova ilícita derivada.

Conclui-se, portanto, que em regra, as provas ilícitas por derivação são, acertadamente, inadmissíveis, devendo ser, assim como a prova ilícita, desentranhadas do processo e inutilizadas.

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AVOLIO, Luiz Francisco Torquato - Provas ilícitas - Interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 2ª Edição. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

LIMA, Renato Brasileiro de - Manual de Processo Penal - Volume Único - 5ª Edição. Salvador: JusPodivm. 2017.

LOPES JÚNIOR, Aury - Direito Processual Penal, 14ª Edição. São Paulo: Saraiva. 2017.

Victor Luiz de Andrade

Victor Luiz de Andrade

Estudante de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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