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O desvirtuamento do instituto da justiça gratuita por meio das lides temerárias

A constituição de lides temerárias através do desvirtuamento do instituto da justiça gratuita tem prejudicado o amplo acesso ao judiciário e gerado reflexões sobre a legislação vigente.

quinta-feira, 4 de março de 2021

Atualizado às 16:13

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Os registros nacionais mais remotos da gratuidade no acesso ao judiciário vêm do final do século XIX, ainda no Brasil imperial. Mesmo com todas as dificuldades encontradas, a sociedade brasileira, normativamente, há décadas, subsiste em total consonância com as premissas primordiais dos Direitos Humanos.

O benefício da assistência judiciária gratuita é um importante exemplo e visa facilitar, ou mesmo assegurar, o exercício do direito de ação por aqueles que não possuem condições financeiras para o custeio de um processo judicial, o que chamamos coloquialmente de "justiça gratuita", de suma importância para a democracia moderna.

Por outro lado, mecanismos de acesso ao Judiciário têm trazido reflexos reversos à coletividade, em razão da sobrecarga acarretada ao Poder Judiciário.

Há que se destacar ainda que o fato de que o benefício tem sofrido flagrante desvirtuamento, caracterizada pelo ajuizamento de lides de natureza temerária, não raro, subsidiadas no instituto da gratuidade.

Observa-se que não se busca aqui a relativização de um direito essencial, mas sim a reflexão sobre como um comportamento social negativo traz consequências negativas à benesse, cujos reflexos atingem a todos.

Podemos considerar ação temerária aquela que se baseia num "direito" inexistente, através do qual a parte busca induzir o magistrado e o integrante do outro polo processual ao erro, a fim de obter vantagem indevidamente. A sua essência, por si só, já contraria o conceito de lide vigente no processo civil, a qual é classicamente conhecida como o "conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida", no qual há direitos a serem defendidos.

A ausência penalidades de natureza pecuniária ao beneficiário da justiça gratuita faz multiplicar a distribuição de demandas dessa natureza, além de alimentar a cultura do litígio, em rota de colisão com os ideais de conciliação tão prestigiados pelo ordenamento atual.

Quantas vezes se ouve alguém dizer - por menor que seja um contratempo - que "irá entrar com um processo" contra outra pessoa? De acordo com o relatório "justiça em números", emitido pelo CNJ em 2020, em média, a cada grupo de 100.000 habitantes, 12.211 ingressaram com uma ação judicial no ano de 2019, um número consideravelmente alto.

Um dos pilares de sustento da cultura do litígio associado ao benefício da "justiça gratuita", além do desconhecimento do direito por uma boa parte da população, é a sensação de impunidade daquele que o promove indevidamente, pois, caso não tenha seus pedidos atendidos, não terá que arcar com custas processuais ou honorários de sucumbência.

Mesmo as penalidades oriundas da litigância de má-fé nem sempre atingem sua finalidade, pois há, ainda, aqueles que não possuem bens para responder por uma possível sanção.

Todos esses fatores, por sua vez, estimularam o surgimento de um mercado de advocacia pautado em lides temerárias, que leva por água abaixo todo o esforço do legislativo em desenvolver normas em prol das soluções alternativas de conflito, bem ainda, da garantia ao acesso ao Judiciário.

A conduta - repreensível, por evidente - vai de encontro dever das partes de agir com boa-fé durante o trâmite do processo, do princípio da cooperação, previstos nos artigos 4º e 6º do CPC.

Esse cenário impacta diversos setores da economia brasileira, tais como o mercado de Telefonia, as Instituições Financeiras, as Construtoras etc.; o que pode até encarecer o consumo e ainda afastar o investidor estrangeiro, que buscará um local mais ameno para a sua operação e com segurança e celeridade jurídica para aplicar seus investimentos.

Portanto, para que se possa apreciar de maneira adequada o Direito suscitado nas ações judiciais, mudanças no instituto da justiça gratuita se mostram salutar, a exemplo da proposta legislativa que resultou na Reforma Trabalhista, onde sanções impostas aos Reclamantes que ajuizarem lides aventureiras, foram impostas, reduzindo consideravelmente o ajuizamento de demandas temerárias, infundadas, naquela Justiça Especializada. 

Yuri Arraes Fonseca de Sá

Yuri Arraes Fonseca de Sá

Sócio do escritório Ernesto Borges Advogados.

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