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Taxatividade mitigada do art. 1.015 e os efeitos da impugnação tardia

Lauro Jorge Amorim e Silsso Brandão Junior

A atitude do recorrente não seria imprudente, já que, caso o tribunal entenda incabível o recurso de agravo de instrumento, basta suscitar novamente a matéria em preliminar de apelação ou em contrarrazões, eliminando, assim, o risco da preclusão.

sexta-feira, 5 de março de 2021

Atualizado às 13:07

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Agravo de Instrumento no CPC/15

Com o advento do novo CPC, a figura do agravo retido foi eliminada do nosso ordenamento jurídico, consagrando a interposição do agravo de instrumento como meio de impugnação das decisões interlocutórias, definindo em seu artigo 1.015 um rol taxativo. Restabelecendo, assim, a metodologia limitadora aplicada no Código de Processo Civil de 1939.

Certamente o legislador ao elaborar o rol do artigo 1.015 do CPC pretendia a taxatividade das hipóteses ali previstas como as únicas a ensejar o cabimento do recurso a ser interposto de forma imediata em relação às decisões interlocutórias proferidas em meio ao processo.

Mesmo que se defina pela taxatividade do rol, não há que se falar em irrecorribilidade das decisões, uma vez que o sistema apenas passou a prever que o processo tenha andamento contínuo até que se profira a sentença, salvo quando houver previsão expressa de recorribilidade em separado das interlocutórias1.

Assim, em princípio, o pronunciamento judicial fora da hipótese prevista do artigo 356 e não relacionado no rol do art. 1.015 do CPC, nem na legislação extravagante, não é agravável. O inconformismo da parte deve ser suscitado através de preliminar de razões ou contrarrazões de apelação (CPC, art. 1.009). Não se trata de irrecorribilidade da interlocutória que não se encontra no rol do artigo 1.015, mas da recorribilidade diferida, exercitável em futura e eventual apelação2.

Logo surge a inevitável pergunta: e o que fazer diante de uma decisão interlocutória não prevista no rol e que poderá causar grave prejuízo e de difícil reparação?

Imagine a situação em que a parte ajuíza uma ação perante juízo incompetente, mas que se julga competente, desta decisão, em primeiro plano, não enseja enfrentamento por meio de agravo de instrumento, uma vez que não está prevista no rol do artigo 1.015. Seria então albergada pela coisa julgada? A resposta, a toda evidência, seria não, por força do § 1º do artigo 1.009. Deve-se então esperar a sentença para poder arguir a incompetência do juízo somente em preliminar de apelação ou em contrarrazões?

Nesse campo, a doutrina indicava que, havendo relevância e urgência, tornando necessária e primordial a revisão pelo tribunal e não havendo como se aguardar a análise do recurso de apelação pelo tribunal (v.g. decisão que indefere a alegação de incompetência relativa) ou, ainda, quando a decisão tornar impossível a interposição da apelação (v.g. decisão que inadmite os embargos de declaração mercê de sua intempestividade), surgiria ao menos numa primeira análise, o cabimento do mandado de segurança contra ato judicial3.

Ocorre que nessa seara, na prática do foro, prevalecia a loteria jurisprudencial, o recorrente ficava à mercê de sua própria sorte, pois alguns relatores aceitavam o Mandado de Segurança como sucedâneo recursal, enquanto outros não, por força da súmula 267 do STF, segundo a qual, "não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição".

Enfrentando o tema, no julgamento do REsp 1.700.500/SP, em decisão monocrática, publicada no dia 7/11/17, o ministro Marco Aurélio Bellizze do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial, assentando que o artigo 1.015 do CPC "é taxativo e não admite interpretação extensiva", e que "a discussão a respeito de competência territorial não é hipótese passível de agravo de instrumento".

Logo em seguida, a 4ª turma do STJ, no julgamento do RE 1.679.909, do Rio Grande do Sul, julgado no dia 14/11/17, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, decidiu que, ainda que a hipótese não esteja prevista no rol do artigo 1.015 do atual CPC, "a decisão interlocutória relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma contida no inciso III do art. 1.015 do CPC/15".

Em continuação, buscando remediar a divergência instaurada, em fevereiro de 2018, a aludida questão de direito foi afetada pela Corte Especial como representativa de controvérsia, delimitando o Tema 988 da seguinte forma: "definir a natureza do rol do art. 1.015 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos do referido dispositivo do Novo CPC".

Até que finalmente, em dezembro de 2018, o STJ, a ensejo do julgamento dos RE 1.696.396 e 1.704.520, firmou o entendimento de que "o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação".

Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi argumentou que a lista exaustiva de hipóteses de reclamação se mostrou inadequada. Inclusive, contrariando as normas básicas de processo civil, já que sobram questões urgentes fora da lista do artigo 1.015, as quais "tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo". Afirmando ainda: "um rol que pretende ser taxativo raramente enuncia todas as hipóteses vinculadas a sua razão de existir, pois a realidade, normalmente, supera a ficção, e a concretude torna letra morta o exercício de abstração inicialmente realizado pelo legislador".

Na mesma oportunidade, a Ministra pontuou que uma interpretação extensiva ou analógica também não seria eficaz, "seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos".

Assim, o STJ acabou por destacar outra corrente interpretativa, onde teria caráter exemplificativo a lista de decisões previstas no artigo 1.015. Confirmando o imediatismo da recorribilidade das decisões interlocutórias em determinadas ocasiões, "ainda que a matéria não conste expressamente do rol ou que não seja possível dele extrair a questão por meio de interpretação extensiva ou analógica".

A premissa estabelecida se valeu do requisito da urgência para a admissão do agravo fora das situações listadas. Portanto, em casos que a decisão interlocutória trouxer uma situação em que o tempo despendido para interposição de apelação for prejudicial ao mérito, é admitido o agravo de instrumento.

A tese estabelecida no repetitivo serviu de norte para resolução de diversos recursos sobre a aplicabilidade do artigo 1.015. No julgamento do REsp 1.738.756, o STJ possibilitou a interposição do agravo de instrumento contra a decisão que afastou alegação de prescrição e decadência. Apesar das hipóteses não estarem expressas no CPC, os Ministros votaram pela possibilidade do recurso por ser questão de mérito.

O STJ também permitiu outras hipóteses de cabimento, valendo destacar o recurso contra decisões interlocutórias proferidas em processos de recuperação judicial e falências (REsp 1.786.524) e em face de decisões interlocutórias que alterem as atribuições do ônus da prova, não se restringindo apenas à distribuição dinâmica prevista no inciso XI do art. 1.015 do CPC (REsp 1.729.110).

Vale mencionar ainda a decisão que autoriza a interposição do agravo de instrumento contra decisões que versem sobre tutela provisória, sem limitação do seu conteúdo (decisão que defere ou indefere o pedido), valendo-se também àquelas que revogam, alteram, majoram ou minoram a multa aplicada, determinam prazo ou forma de cumprimento da ordem (REsp 1.752.049).

Em outra oportunidade, entretanto, a terceira turma do STJ optou por restringir a interpretação do dispositivo. No julgamento do RE 1.724.453, em 19/3/19, a Corte secundou a hipótese de cabimento do agravo de instrumento contra decisão que determina a exclusão de litisconsorte (tal como previsto no inciso VII do art. 1.015 do CPC), mas não contra aquela que indefere o pedido de exclusão da parte.

Assim, o interessado em discutir alguma decisão interlocutória que se sentir prejudicado e quiser interpor recurso visando a reforma ou a invalidação da decisão, deverá, prioritariamente, analisar se é cabível o recurso de agravo de instrumento ou se, naquele caso concreto, está diante de uma decisão interlocutória que deve ser atacada em preliminar de apelação ou contrarrazões4.

Diante desse enredo interpretativo, a questão que já traz e certamente ainda trará muita discussão é saber se apenas os conteúdos elencados na referida lista se tornarão indiscutíveis pela preclusão se não interposto, de imediato, o recurso de agravo de instrumento, ou se também as decisões consideradas relevantes e urgentes; diante da tese da taxatividade mitigada fixada pela Corte Especial do STJ por ocasião do julgamento dos recursos especiais repetitivos 1.696.396/MT e 1.704.520/MT.

Preclusão das decisões interlocutórias

Com o novo entendimento e interpretação emanada pelo STJ, resta estabelecer quais decisões estariam preclusas pela não recorribilidade imediata.

O legislador sanou a questão ao determinar, no artigo 1.009, §1º, do CPC/15 que "as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões".

Assim, mesmo diante da nova interpretação levantada pelo STJ, caso a decisão interlocutória não verse sobre algum dos temas elencados nos incisos do art. 1.015 do CPC, não há que se falar em preclusão. Já que o Código não admite expressamente a interposição do agravo de instrumento fora do rol do mencionado artigo.

Com efeito, em observância ao princípio do devido processo legal, deve prevalecer o entendimento de que, mesmo diante de uma decisão interlocutória recorrível de imediato pela aplicação da "taxatividade mitigada", mas fora das hipóteses previstas em lei, a parte prejudicada poderá se insurgir contra o comando judicial por meio de preliminar apelação ou nas contrarrazões, nos termos do art. 1.009, § 1º, do CPC sem que seja considerado precluso o capítulo da decisão. Tratando-se de uma faculdade da parte.

Em continuação, diga-se, por brevidade e simplificação, que pela leitura do art. 1.009, § 1, do CPC a parte incorrerá em preclusão caso não impugne por meio de agravo de instrumento a decisão interlocutória expressamente prevista no art. 1.015 do Código.

Na verdade, seja dito, mesmo partindo-se da premissa de que a limitação de recorribilidade das decisões interlocutórias por agravo de instrumento se justifica, o legislador deveria ter criado um rol legal exauriente de não cabimento do recurso. Teria sido muito mais adequado se tivesse discriminado de forma pontual o não cabimento do agravo de instrumento em vez de prever seu cabimento5.

Em conclusão, imperioso destacar que, a fim de evitar imprevistos na admissibilidade do recurso, o advogado mais cauteloso interporia tanto o agravo de instrumento quanto posteriormente levantaria a matéria em preliminar de apelação ou em contrarrazões, no intuito de evitar uma alegação errônea de preclusão; aproveitando que a estratégia processual não acarretaria qualquer prejuízo (salvo eventual pagamento do preparo recursal).

A atitude do recorrente não seria imprudente, já que, caso o tribunal entenda incabível o recurso de agravo de instrumento, basta suscitar novamente a matéria em preliminar de apelação ou em contrarrazões, eliminando, assim, o risco da preclusão.

___________

1- BRUSCHI, Gilberto Gomes; COUTO, Mônica Bonetti. Recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. p. 467.

2- NERY JR. Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil [livro eletrônico]. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 2078-2079.

3- WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al (Coord.). Breves comentários do código de processo civil [livro eletrônico]. 1. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 2.190.

4- BRUSCHI, Gilberto Gomes; COUTO, Mônica Bonetti. Recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. p. 448.

5- NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Volume único. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 1560.

Lauro Jorge Amorim

Lauro Jorge Amorim

Advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Cesusc, membro da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SC.

Silsso Brandão Junior

Silsso Brandão Junior

Advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Cesusc, membro da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SC.

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