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Guarda compartilhada, regime de convívio e alimentos: Uma abordagem crítica

A legislação brasileira instituiu mecanismos de estímulo a` guarda compartilhada na última década; contudo, o exercício da guarda unilateral prevalece.

sexta-feira, 5 de março de 2021

Atualizado às 16:53

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Introdução

Neste artigo, buscaremos tratar do assunto em pauta com esse enfoque prático para, ao final, expor o caminho que - a nosso sentir - é o sinalizado pela legislação. Enfrentaremos basicamente as seguintes questões: (1) quais são as censuráveis artimanhas processuais mais utilizadas em disputas de guarda e alimentos de filhos?; (2) qual é o regime de guarda mais adequado à luz da legislação levando em conta as visões existentes na Psicologia Social; (3) como deve ficar a divisão do período de convívio no regime da guarda compartilhada?; e (4) o dever de sustento deve ser operacionalizada por meio de cogestão patrimonial (alimentos in natura) ou de pensão alimentícia na guarda compartilhada?

Apoiamo-nos aqui em estudos empíricos que já foram feitos por psicólogos e juristas, além da experiência adquirida nos Tribunais, na doutrina e no quotidiano. Chamamos a atenção, por exemplo, de artigos do Médico Psiquiátrica David Zimerman (2009), da Professora de Psicologia da UERJ Leila Brito (2007), da Professora de Psicologia da Universidade Nove de Julho Camila Miyagui (2018), das Psicólogas Maria Cristina Vianna Goulart e Morgana Valadares Oliveira (2017), da Psicóloga Luciana Lemos (2016), da Psicóloga Natália Tsunemi Negrão em conjunto com a Professora de Psicologia da UFSC Andre'ia Isabel Giacomozzi (2015), além do artigo da Assistente Social Judiciária aposentada do TJ/SP Genecy Duarte com as Psicólogas Judiciárias do TJ/SP Adriana Ferreira, Ana Roberta P. Montanher, Fernanda Mariano e Sandra Felipe (2018).

De fato, um contato com o quotidiano nas varas de Família demonstra que, apesar da insistência legislativa e doutrinária em contrário, a prática em grande parte dos casos continua sendo a mesma: o pai se transforma apenas em um simples "banco", um "fiscal" e um "esporádico visitante" do filho menor.

Nesses casos - que costuma ser a maioria -, a criança cria maior afinidade afetiva com a babá, com uma amiga da mãe ou com os parentes maternos do que com o próprio pai, pois este sequer é autorizado a ter contato com o filho durante o período em que a mãe está trabalhando.

Aliás, em muitos casos, por conta do fato de a mãe ter de sair para trabalhar durante o dia, a criança acaba tendo uma vida isolada e fica com pouquíssimo contato com a mãe. Quando ela sai para trabalhar cedo, o filho está dormindo e, quando ela retorna de todas as suas atividades, o pequeno já está na iminência de ir dormir. Esse distanciamento físico entre eles, por conta da rotina da mãe, lembra os desencontros narrados na música "Ela é Bailarina", de cuja letra extrai-se este excerto:

O nosso amor é tão bom

O horário é que nunca combina

Eu sou funcionário

Ela é bailarina

Quando pego o ponto

Ela termina


Ou: quando abro o guichê

É quando ela abaixa a cortina

(...)

Quando eu caio morto

Ela empina

Ou quando tchum no colchão

É quando ela tchan no cenário"

Na metáfora de Chico Buarque, o amor da mãe é "tão bom", mas "o horário é que nunca combina".

O pior é que, por ordem judicial, o pai sequer pode se aproximar do filho durante esses períodos, pois ele, por ordem judicial, não passa de um "forasteiro visitante" ou de um Sunday dad (pai de domingo). Isso tudo ocorre a pretexto da fixação de uma guarda compartilhada, que, apesar do nome, disfarça uma guarda unilateral.

Os traumas daí decorrentes no filho são indeléveis, do que dá nota o seguinte relato, coletado pela Professora de Psicologia da UERJ Leila Brito (2007):

De acordo com as estatísticas nacionais, foi grande o percentual dos entrevistados que permaneceu residindo com a mãe após o rompimento conjugal (83,3%). Alguns ressaltaram, inclusive, que a rotina não sofreu alteração, pois continuaram a morar na mesma casa. Destacaram, em uníssono, o afastamento do pai como a maior consequência da separação, afastamento do qual se ressentiam constantemente, devido ao aspecto emocional, e, por vezes, físico. "A gente se via esporadicamente por uns 10 ou 15 minutinhos. Um contato muito superficial mesmo. Numa questão de acompanhamento e presença, foi muito insignificante. Classificaria como ruim", disse uma moça de 28 anos, com pais separados há 17 anos" (S. 5).

A propósito, com a vasta experiência de compor equipe multidisciplinares em processos judiciais, a Assistente Social Judiciária aposentada do TJ/SP Genecy Duarte e as Psicólogas Judiciárias do TJ/SP Adriana Ferreira, Ana Roberta P. Montanher, Fernanda Mariano e Sandra Felipe realizarem riquíssimo estudo criticando a prevalência, na prática, de um modelo de exclusão do pai em relação ao filho. Seu vasto estudo pode ser assim resumido:

A legislação brasileira instituiu mecanismos de estímulo a` guarda compartilhada na última década; contudo, o exercício da guarda unilateral prevalece. O presente trabalho teve o intuito de analisar estudos empíricos acerca dos possíveis benefícios e prejuízos desta modalidade de guarda, por meio de pesquisa bibliográfica, para maior esclarecimento do tema. A maioria destes estudos mostra que o contato estreito (de um terço a metade do tempo da criança) com ambos os genitores ao longo do desenvolvimento melhora não somente o bem-estar, o desempenho acadêmico e a saúde física e emocional dos filhos, como também a relação pai-filho. Além da quantidade de tempo, a ocorrência de pernoites também se mostrou relevante, possibilitando maior qualidade na interação. Evidencia-se a necessidade de superar a hierarquização dos papéis parentais na definição da guarda dos filhos e a noção de que seria nociva a permanência do filho em dois lares em proporções de tempo semelhantes.

Para ler o artigo na íntegra clique aqui.

Carlos Eduardo Elias de Oliveira

Carlos Eduardo Elias de Oliveira

Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil. Advogado, doutorando, mestre e bacharel em Direito na UnB. Professor de Direito Civil, Notarial e de Registros Públicos na UnB. Ex-advogado da União (AGU).

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