Motivações teóricas para a análise econômica do Direito Penal
A possibilidade de análise e investigação do Direito Penal através dos fundamentos da Economia se mostra possível para abranger uma nova forma de entender as sanções penais sob o aspecto dos postulados econômicos.
terça-feira, 9 de março de 2021
Atualizado às 12:58
No contexto do crime, o indivíduo deve decidir se o tempo gasto em atividades criminais ou não-criminosas trará o máximo de utilidade. Essa decisão dependerá das oportunidades criminais e não-criminosas do indivíduo e das preferências do indivíduo em relação a essas oportunidades. Todas as outras coisas sendo iguais, uma pessoa decidirá se envolver em crime se suas oportunidades criminais forem suficientemente remuneradas em comparação com suas oportunidades não-criminais, ou se a pessoa tiver um desgosto suficientemente baixo para atividades criminosas. A sociedade pode desencorajar comportamentos criminosos usando penalidades e subsídios para moldar oportunidades individuais em favor de uma decisão não-criminosa, ou usando punições, recompensas ou educação para moldar preferências em favor de um comportamento não-criminal. Em termos das teorias tradicionais de punição criminal, políticas que diminuem a remuneração esperada do crime ou o gosto do indivíduo pelo crime são apresentadas para deter a atividade criminosa, considerando aquelas atividades que aumentam a remuneração esperada de atividades não criminosas ou do gosto do indivíduo para atividades não-criminais são moldadas para reabilitar o indivíduo1.
Steven Levitt e Thomas Miles identificam quatro características que distinguem o estudo da Análise Econômica do Crime de outras ciências sociais. Essas características são elencadas da seguinte forma:
a) Uma e^nfase no papel que os incentivos te^m ou podem ter no comportamento dos indivi'duos (sejam criminosos, vi'timas ou forc¸as da ordem e autoridades judiciais), partindo do pressuposto teórico de que todos os estes (tambe'm) te^m como objetivo principal a maximizac¸a~o de utilidades dentro de um contexto de limitações que lhes é imposto;
b) O uso de instrumentos econome'tricos (ferramentas matema'ticas e me'todos estati'sticos) como forma de distinção de casos de correlac¸a~o de casos de causalidade em ambientes não-experimentais;
c) Uma e^nfase em poli'ticas pu'blicas e nas suas implicac¸o~es, em detrimento da avaliac¸a~o de intervenc¸o~es de pequena escala. Aqui, pode-se pensar em sanções penais com grande viés de prevenção geral com o molde dissuatório;
d) O uso da chamada ana'lise custo-benefi'cio como principal medida de avaliac¸a~o da efica'cia contra o crime e na aplicação de consequências jurídicas ao delito2.
Sobre esta última caracterísitca, os autores determinam que é plenamente possível o uso de análise de custo-benefício na abordagem econômica do crime. Na teoria econômica, um critério normativo amplamente utilizado é a eficiência de Pareto. Na prática, os economistas normalmente avaliam a conveniência de um programa social ou investimentos pesando seus custos e benefícios em relação a outras alternativas. Essas comparações envolvem necessariamente contrafactuais ou previsões dos resultados que seriam alcançados sob a alternativa, e o que é especialmente útil para fazer essas previsões são as estimativas causais discutíveis fornecidas pela análise econômica empírica. Além disso, as comparações de custo-benefício expressam as muitas dimensões de uma decisão em uma única métrica de preço ou dinheiro. A ideia de uma unidade comum de medição tem seus limites; até mesmo muitos economistas resistiriam à noção de que todos os valores humanos podem ser reduzidos a equivalentes monetários. Apesar dessas limitações, a análise de custo-benefício fornece um critério normativo coerente que é especialmente apropriado no contexto do controle do crime, onde o menu de alternativas de políticas é extenso e centenas de milhões são gastos3. Por estes motivos, a análise do custo-benefício e a eficiência de Pareto são os ferramentais escolhidos para a investigação nesta pesquisa.
Entretanto, não há como se furtar do questionamento: o que é crime na visão da Economia?
Na análise econômica, o crime4 pode ser caracterizado como uma externalidade. Uma externalidade5 é uma ação ou atividade pela qual uma pessoa realiza suas preferências, apesar do fato de outras pessoas terem preferências incompatíveis, e essa incompatibilidade não é acomodada através do mercado. Por causa da incompatibilidade nas preferências, a pessoa que realiza a atividade impõe custos nas pessoas que ela afeta que têm preferências incompatíveis. Esses custos podem ser distributivos em termos de frustração das preferências das pessoas afetadas, ou alocacionais em termos do custo das medidas de precaução que eles adotam para evitar os efeitos da atividade6. Essencialmente, destaca Alvin Klevorick, as explicações econômicas para as externalidades criminais dizem esses atos são caracterizados como crimes se o agente tentar estabelecer condições sob as quais uma transferência de direitos ocorrerá e essas condições não estão de acordo com as que a sociedade estipulou. A sociedade se recusa a aceitar os esforços do agente para redefinir os termos da transferência.7.
Neste caminho, Richard Posner ressalta que a principal função do direito penal em uma sociedade capitalista é evitar que as pessoas contornem o sistema de troca voluntária e compensada - o "mercado", situações explícitas ou implícitas em que, porque os custos de transação são baixos, o mercado é um método mais eficiente de alocar recursos do que a troca forçada. Grande parte desse desvio no mercado não pode ser dissuadido pela lei de responsabilidade civil - isto é, por ações judiciais de execução privada. Os danos ótimos que seriam necessários para a dissuasão excedem tão freqüentemente a capacidade do defensor de pagar a execução pública e são necessárias sanções não monetárias, como a prisão8.
Nesta perspectiva criminal, a preocupação consiste em descobrir como manipular os custos sociais de forma a influenciar a atuação criminosa para os objetivos buscados, tanto por intermédio da política e segurança, da legislação criminal e da solução de casos concretos. Neste contexto, trata-se de um modelo diferenciado de se pensar a ação criminosa dentro de um contexto social e econômico - pensar em um agente que busca maximizar sua lucratividade, racionalizando custos e melhor compreensão da violência e, a partir deste novo ferramental, buscar soluções novas. Já se sabe que a lógica mais-pena-menos-crime não é verdadeira em algumas ações delituosas9.
Os agentes que praticam delitos não são movidos exclusivamente pelo critério da gravidade da sanção penal: eles fazem seus julgamentos com fundamento na oportunidade, na conveniência, na necessidade, no custo-benefício e a partir de outras condições pessoais. Ademais, a noção de "preço a ser pago" não corresponde unicamente à pena a ser infligida, mas às próprias fases iniciais da persecução, ao processo, às consequências sociais que atingem o pretenso réu e sua família, ao posterior retorno ao meio social, à necessidade de ser um foragido do Estado, etc10.
Uma das características dissociativas da Análise Econômica do Direito Penal - em comparação com as tradicionais abordagens retributivistas11 do Direito Penal - é seu foco na dissuasão, nos fins sociais que são promovidos pela imposição da punição, e não na retribuição e culpabilidade moral12. A análise econômica do direito penal e o argumento baseado na dissuasão para a punição penal remontam ao funcionamento dos fundadores do utilitarismo13 e do instrumentalismo na teoria jurídica: Thomas Hobbes, Cesare Beccaria e Jeremy Bentham. Desta maneira, pode-se pensar sob esta perspectiva: a Análise Econômica para o Direito Penal tem como um de seus pilares a busca de práticas de reprimendas penais que conquistem níveis ótimos de dissuasão.
A possibilidade de análise e investigação do Direito Penal através dos fundamentos da Economia se mostra possível para abranger uma nova forma de entender as sanções penais sob o aspecto dos postulados econômicos.
Conclui-se, portanto, que novas perspectivas de estudo e análise do Direito Penal são importantes para a verificação de alternativas ao enfrentamento de novas realidades jurídico-penais e econômicas, em especial modernas reflexões sobre as formas de punição na contemporaneidade. Fundamentos da Economia utilizados através do método da Análise Econômica do Direito se mostram viáveis para a averiguação dessas alternativas.
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1- Cf. DAU-SCHMIDT, Kenneth G. An Economic analysis of the criminal law as a preference-shaping policy. Duke Law Jornal. V. 01, Feb. 1990, p. 05.
2- LEVITT, Steven D.; MILES, Thomas J. Economic Contributions to the Understanding of Crime. In: Annual Review of Law and Social Science, Vol. 2, 2006, p. 147-148.
3- LEVITT, Steven D.; MILES, Thomas J., op. cit., p. 149.
4- "A persistência das atividades ilegais através da história da humanidade desde sempre atraiu os economistas. Por exemplo, Adam Smith observou que o crime e a demanda por proteção do crime foram motivados pelo acúmulo de propriedades. Willian Paley buscou aprofundar-se na análise dos fatores rsponsáveis pelas diferençås entre as atuais mangnitudes da prababilidade e severidade das sanções para os diferentes crimes. Por sua vez, Jeremy Benthan, o pai do utilitarismo, focou considerável atenção nos cálculos entre o comportamento criminoso e a resposta ótima das autoridades legais". Em EHRLICH, Isaac. op. cit., p. 43.
5- "Numa perspectiva econo'mica, todo o crime pode ser definido como um tipo especial de "externalidade", uma vez que consiste numa actividade pela qual um agente concretiza as suas prefere^ncias, independentemente de outros agentes afectados por esse comportamento terem prefere^ncias incompati'veis e de essa incompatibilidade na~o ter sido resolvida atrave's de uma transacc¸a~o no mercado" Em PATRÍCIO, Miguel. Análise Económica do Crime: Uma breve introdução. In: Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 01, nº 01, p. 157-166, 2005, p. 159-160.
6- DAU-SCHMIDT, Kenneth G. op. cit., p. 08.
7- KLEVORICK, Alvin K., Legal Theory and The Economic Analysis of Torts and Crimes. Faculty Scholarship Series. Paper 1462, 1985, p. 907.
8- POSNER, Richard Allen. An Economic Theory of Criminal Law, p. 1195.
9- OLSON, Gustavo André; TIMM, Luciano Benetti. Análise econômica do crime no Brasil. In: Direito Penal e Economia. BOTINO, Thiago (org.). Rio de Janeiro: Elsevier FGV, 2012, p. 117.
10- OLSON, Gustavo André; TIMM, Luciano Benetti. op. cit., p. 118.
11- Neste sentido: "The traditional criminal law theory was premised upon retributivist thought with Kant's theory placed at its center. A principal element of retributivism is that the sole justification for punishment is the existence of guilt. Punishment cannot be administered in order to promote another good-whether relating to society at large or even to the offender herself. Under retributivist thought, people ought not to be treated as a means subservient to the purpose of others and imposing punishment upon an individual for the furthering of some greater good-such as deterring others from committing the crime-amounts to such objectification." Em FISCHER, Talia, op. cit., p. 42.
12- "A concepção de justiça, em Immanuel KANT, bem como sua distinção entre direito positivo e obrigação moral, fogem do terreno empírico para serem buscados na "razão pura": é por ela que devem os sujeitos agir e interagir, tratando-se o delito de uma forma de inversão do dever moral fundado na obrigação da reciprocidade. A pena, justifica-se por si mesma, como imperative categorico, inveitavelmente conexa à violação de um dever universal, e assim sem possibilidade de ser substituída, indepedentemente de suas consequencias." Em GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Crítica da pena e justiça restaurativa: A censura pra além da punição. Florianópolis: Empório do direito Editora, 2015, p. 70.
13- "As teorias de justificação da pena sob um prisma utilitarista se voltam mais ao futuro que ao passado, e mais ao autor que ao ato, constituindo discursos que buscam legitimar a pena como medida de prevenção geral ou especial, cada qual na forma positiva ou negativa, contrapondo-se nesse sentido às teorias retributivas." Em GIAMBERARDINO, André Ribeiro. op. cit., p. 85.
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