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Usar ou não usar declaração escrita na arbitragem: Eis a questão

Mauricio Gomm F. dos Santos e Ana Carolina Martins Santoro

A evolução de qualquer instituto jurídico decorre não da rejeição liminar ao diferente, mas de sua absorção desmistificada e análise desembaçadamente crítica, sempre atentando-se aos princípios do contraditório e devido processo legal.

segunda-feira, 15 de março de 2021

Atualizado às 10:30

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Como é sabido, a arbitragem tem sua pedra angular no acordo de vontade das partes que podem adequar a forma de solução de controvérsias às suas expectativas. A internacionalização da arbitragem ampliou os horizontes da produção de prova testemunhal, acarretando a adoção de elementos característicos do universo probatório de países da Common Law. Como exemplo, tem-se a declaração escrita de Testemunha (Witness Statement) e, corolário desta, o Contra-Interrogatório ou Inquirição Cruzada (Cross examination). Para orientar as partes no uso da declaração escrita surgem as softlaws, cujo destaque são as diretrizes estabelecidas pela International Bar Association ("IBA"). Em 2018, foram publicadas as Regras de Praga, idealizadas para serem mais próximas da tradição processual romano-germânica com participação mais ativa do julgador; porém, ainda de pouca receptividade pela comunidade arbitral.

O que é uma declaração escrita? Sucintamente, é um relato prévio feito por alguém com conhecimento dos fatos, em substituição ao seu depoimento oral direto e inicial em audiência. Esta manifestação formal e escrita pode ser prestada tanto por testemunha fática, quanto por testemunha técnica e faz parte da fase instrutória do procedimento, seja ele judicial ou arbitral. A arbitragem, caracterizada pela flexibilidade procedimental, é um natural habitat para o uso de Declarações Escritas.  

Como apresentar uma declaração escrita? Embora não exista regra rígida, recomenda-se uma narrativa direta e simples, com preferência ao uso da primeira pessoa do singular e expressões que fazem parte da linguagem da testemunha. Normalmente é dividida em três partes: Introdutória, na qual a testemunha é qualificada; seguida do Corpo, onde são expostos os fatos por ela sabidos e, por fim, a Conclusão. Nesta, a testemunha afirma que o depoimento produzido é verdadeiro e o assina. Um recado importante: o uso da voz passiva, bem como frases longas devem ser evitadas se o árbitro emanar do sistema da Common Law.

Qual a vinculação da declaração escrita com o Contra-Interrogatório? A declaração escrita tem, no Contra-Interrogatório, o reverso da medalha. Se aquela é preparada antes da audiência, portanto, fora da condução do árbitro, o Contra-Interrogatório ocorre na audiência; isto é, na presença do árbitro. Se aquela é fruto de pesquisas, entrevistas e auxílio de profissionais (advogados inclusive), num ambiente conveniente à testemunha, o Contra-Interrogatório é feito em ambiente neutro e possibilita ao advogado da parte contrária testar a credibilidade e o conteúdo das respostas ao vivo da testemunha. Ambos fazem parte da dialética processual ancorada no princípio do contraditório.

O evitar numa declaração escrita? O pecado capital ocorre quando o profissional (normalmente advogado), que auxilia a testemunha na sua declaração escrita vai um pouco além da simples assistência redacional sugerindo inserções vernaculares que visam a robustecer a tese que defende. O princípio basilar é o respeito à verdade, sempre sob a ótica da testemunha. Portanto, se ao advogado é permitido ajudá-la na estrutura e redação da declaração escrita, jamais pode interferir na versão dos fatos, tal como sabida ou presenciada pela testemunha. A fuga desta básica regra comportamental e moral tira a credibilidade da testemunha, podendo, inclusive, arruinar o caso depedendo da relevância do respectivo depoimento.  

Usar ou não usar a declaração escrita? Não há uma resposta pronta a esta pergunta. Contudo, na maioria dos casos, um depoimento testemunhal escrito e prévio à audiência de instrução é de grande valia ao árbitro. Pode, em boa medida, ser interessante aos advogados porque permite-lhes também uma maior e melhor preparação. Em tempos pandêmicos, marcados - via de regra - por atos processuais remotos, o encaminhamento de declaração escrita tende a acelerar o procedimento arbitral, evitando, em audiência virtual, uma das fases da prova testemunhal.

Dilema shakesperiano? A dúvida é menos shakesperiana e mais darwiniana. O dilema deixa de ser sobre o usar ou não usar declaração escrita e foca-se no estar ou não preparado ao natural ajuste às mudanças. Ora, se a arbitragem é marcada pela flexibilidade processual, os profissionais nela envolvidos precisam abrir-se a ideias novas. O apego à imutabilidade das práticas arbitrais procedimentais do local da sede deve ser afastado, ou pelo menos, repensado. Testar ferramentas alheias, e, se for o caso, ajustá-las à praxis existente, pode trazer resultados surpreendentemente positivos. A evolução de qualquer instituto jurídico decorre não da rejeição liminar ao diferente, mas de sua absorção desmistificada e análise desembaçadamente crítica, sempre atentando-se aos princípios do contraditório e devido processo legal.

Mauricio Gomm F. dos Santos

Mauricio Gomm F. dos Santos

FCIArb, CEDR mediador, advogado admitido na OAB/PR e Nova Iorque e como Consultor em Direito Estrangeiro perante a Ordem dos Advogados da Flórida. É sócio fundador do escritório GST LLP.

Ana Carolina Martins Santoro

Ana Carolina Martins Santoro

Advogada admitida na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/PR. Trabalha atualmente com Maurício Gomm em temas relacionados à arbitragem doméstica e internacional.

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