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Brasil: o pulso ainda pulsa

Em um olhar esperançoso da lição de Rui Barbosa, poder-se-á dizer que de tanto ver triunfar a retidão, de tanto ver prosperar a justiça, de tanto ver agigantar-se a solidariedade, o homem passará a buscar a virtude, almejar a honra e ter orgulho de ser honesto.

quarta-feira, 17 de março de 2021

Atualizado às 18:29

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Casos infindáveis de corrupção, impunidade, decisões judiciais teratológicas, arbitrariedades, insegurança jurídica, nomeações espúrias para cargos públicos, desmatamento, incompetência, desvios, criminalidade, fraudes, sonegações - e o pulso do brasileiro ainda pulsa!

Em 1989, a banda de rock Titãs lançou a emblemática canção intitulada O Pulso. Os versos da canção enumeram diversas doenças que podem afligir o corpo humano para, então, enaltecer em seu coro a força da vida ao se libertar e enunciar em alta voz que, apesar de todos os problemas, "o pulso ainda pulsa"!

É nesse contexto que o corpo social brasileiro brada nos dias de hoje. O rol de "enfermidades" infelizmente é muito extenso e a lista acima mencionada chega quase a ser meramente exemplificativa.

É bem verdade que a história da antiga Ilha de Vera Cruz é marcada por constantes episódios de dilapidação do patrimônio público e desvios por parte de seus governantes. Infelizmente a administração pública brasileira sempre foi pródiga em desvirtuar os ditames legais e criar uma cultura de benefício próprio. Vale lembrar que, nos 13 anos em que permaneceu no Brasil, dom João VI outorgou mais títulos de nobreza do que nos 300 anos anteriores da monarquia portuguesa! Em tempos mais recentes, cunhou-se a expressão "rouba, mas faz" para caracterizar o então ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros. Não bastasse o desaforo da referida expressão, a mesma ainda foi replicada em tempos recentes pelo ex-governador desse mesmo estado Paulo Maluf.

No meio de todo esse cadinho de desrespeitos e afrontas encontra-se a população brasileira. Joguete do destino e sujeito aos movimentos oceânicos das manobras políticas, o bloco populacional é deslocado sem nem perceber para onde está indo. Vítima de carências estruturais com uma educação e saúde combalidas e insegurança, entre tantos outros problemas, o povo fica à mercê de comandos espúrios que tão somente reproduzem tais quadros endêmicos e em nada contribuem para o progresso social e humanitário em nosso país.

Não se esgotam os discursos, os arremedos, as construções retóricas visando justificar o injustificável. O processo, contudo, é cíclico e exaustivo. As instituições derretem sua credibilidade em manifestações e decisões contraditórias, imbuídas unicamente de arbitrariedades e desmandos. Na plateia, uma população atônita observa o descompromisso e a renitente insistência de quem parece nunca querer contribuir para o crescimento social.

É importante que se diga que o referido processo não é novo e exclusivo dos dias atuais. Ele é ideologicamente multidirecional e embrionário em nosso país. Se assim não fosse, não teria Rui Barbosa, há um século atrás, lamentado em seu discurso no Senado Federal: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".

Em seus Analectos, Confúcio nos ensina que "madeira podre não se pode entalhar". Infelizmente, em muitas áreas do setor público a lógica se aplica. No entanto, tal qual na música dos Titãs, a força da vida há de prevalecer. Ainda que as nulidades pareçam triunfar, ainda que haja uma série de contrariedades naqueles que haveriam de nos inspirar, o desejo de justiça e disposição do brasileiro pelo que é justo e correto ainda pulsa. Não faltam pessoas de bem, empresários, jornalistas, professores, servidores públicos, domésticas, aposentados, médicos, toda sorte de cidadãos do nosso país que acreditam, anseiam e estão dispostos a construir uma sociedade livre, justa e solidária, conforme, inclusive, suspira a Constituição Federal ao traçar os seus objetivos em seu artigo 3º.

A esperança por dias melhores, por ver a justiça sendo aplicada, o equilíbrio e o bom senso prevalecerem, a alteridade, a construção de uma sociedade justa e solidária ainda pulsam! Essa é a canção que deve inspirar a sociedade brasileira. Cada cidadão é responsável por entoá-la e deixar as suas digitais na nossa história por construir um futuro melhor, independentemente daqueles que até hoje têm insistido em cantar uma canção de egoísmo e desesperança. Em um olhar esperançoso da lição de Rui Barbosa, poder-se-á dizer que de tanto ver triunfar a retidão, de tanto ver prosperar a justiça, de tanto ver agigantar-se a solidariedade, o homem passará a buscar a virtude, almejar a honra e ter orgulho de ser honesto.

Fernando Procópio Palazzo

Fernando Procópio Palazzo

Advogado e especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC).

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