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Juros de mora de 1% ao mês ou Taxa Selic: O que diz a análise econômica do Direito?

Com essas breves considerações, é possível perceber que o tema ora analisado é um bom exemplo que demonstra a importância de se aproximar as normas jurídicas aos fundamentos da microeconomia.

quarta-feira, 17 de março de 2021

Atualizado às 13:11

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Com o advento do Código Civil de 2002 estabeleceu-se um novo cenário a respeito dos juros de mora, sobretudo nas condenações judiciais. O artigo 406 passou a consignar que "Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".

Na interpretação do referido texto legal surgiram basicamente duas correntes. A primeira, entendendo que a taxa de juros seria de 1% ao mês, em conformidade com o previsto no artigo 161, § 1º do Código Tributário Nacional (CTN) e, a segunda, que seria a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), por força do que dispõe a lei 9.250/95, lei 8.981/95 e lei 9.430/96.

Passados dezoito anos de vigência do Código Civil, o que temos hoje?

O entendimento da Corte Especial do STJ (EREsp 727.842/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, 8/9/08) que firmou posição no sentido de que a taxa de juros moratórios prevista no art. 406 é a SELIC, o que, inclusive, foi posteriormente consolidada em recurso submetido ao rito dos repetitivos (REsp 1.102.552/CE - 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJE 6/4/09).

Porém, embora existam os referidos precedentes, grande parte dos magistrados aplicam nas condenações judiciais em geral os juros de mora de 1% ao mês, tendo por referência o antigo entendimento firmado em 2002 pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CJF) e que deu origem ao enunciado 201.

Mais recentemente o tema voltou a ser alvo de análise no Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.081.149 - RS - 2008/0180953-1), desta feita no âmbito restrito da 4ª turma, cujo julgamento se encontra suspenso por pedido de vistas do e. ministro Marco Buzzi.

Mas, há voto do e. ministro relator, Luis Felipe Salomão, manifestando-se no sentido de que para as dívidas civis o melhor mecanismo para incidir sobre as condenações seria aplicar o índice oficial de correção monetária, acrescido da taxa de juros de 1% ao mês, contrariando, portanto, a posição firmada no Superior Tribunal de Justiça.

Independentemente das razões de ordem jurídica em sentido estrito utilizadas e que podem contribuir para o debate do tema, o presente artigo objetiva trazer um olhar sob outro ângulo, mais precisamente utilizar a Análise Econômica do Direito (AED) como referencial.

De início, é importante evidenciar o impacto das duas formas de incidência de juros nas ações judiciais condenatórias, partindo de uma situação hipotética de uma demanda judicial que teve seu curso por 5 anos.

No primeiro cenário é levado em conta além dos juros de 1% ao mês, a incidência de correção monetária pelo INPC-IBGE, por ser um índice bastante utilizado nas decisões judiciais no sistema de justiça brasileiro.

A tabela abaixo determina tais encargos pelo período de trâmite da ação judicial utilizada como exemplo:

Ano

INPC-IBGE* (var. % a.a.)

Taxa de juros % a.a.

2016

6,58

12

2017

2,94

12

2018

3,86

12

2019

3,91

12

2020

4,23

12

Fonte: Banco Central do Brasil

Adotando tais referências e supondo que uma pessoa "X" se ache credora de "Y" em 31/12/2015 na quantia de $ 100.000,00 e que propôs ação judicial para discutir a questão em 1/1/16, tendo ela chegado ao seu fim em 1/1/21 com a condenação de "Y" ao pagamento a "X", o valor final a pagar está representado pela tabela abaixo:

Ano

INPC-IBGE acumulado no ano

Juros anuais*

Saldo

2016

6.580,00

12.000,00

118.580,00

2017

2.940,00

12.000,00

133.520,00

2018

3.860,00

12.000,00

149.380,00

2019

3.910,00

12.000,00

165.290,00

2020

4.230,00

12.000,00

181.520,00

TOTAL

21.520,00

60.000,00

 

Aplicação de juros simples

Como se observa, a dívida de "Y" para com "X", que era inicialmente de $ 100.000,00, em cinco anos saltou para $ 181.520,00, ou seja, um acréscimo de 81,52%, apenas considerando a incidência de correção monetária e juros simples de 1% ao mês.

Por outro lado, caso fosse aplicada a Taxa SELIC, em que nela já estão inclusos os juros e a correção monetária, surgiria o seguinte cenário partindo igualmente de uma dívida de $ 100.000,00

Ano

Taxa SELIC* (var. % a.a.)

Saldo

2016

13,20

113.200,00

2017

9,53

123.987,96

2018

6,24

131.724,80

2019

5,79

139.351,67

2020

2,70

143.114,17

Fonte: Receita Federal

Nesse horizonte, a dívida de "Y" para com "X", que era inicialmente de $ 100.000,00, em cinco anos passou a ser de $ 143.114,17, representando um acréscimo de 43,11%, praticamente a metade daquela a que se chegou no exemplo conferido aos juros de 1% ao mês com correção monetária pelo INPC-IBGE.

Isso demonstra que as dívidas civis que são objeto de ações judiciais têm se mostrado extremamente vantajosa ao credor se comparado a uma média de mercado, o que parece ser um grave efeito colateral quando se opta por utilizar uma taxa de juros fixa, que não tem a possibilidade de se equilibrar as nuances do mercado.

A depender do momento histórico, uma taxa fixa pode ser ínfima ou muito alta, como atualmente está considerando o atual cenário econômico brasileiro. Daí porque a taxa SELIC, por ser variável e servir de referência ao mercado financeiro, parece melhor se adequar à essa realidade.

Com efeito, partindo da ideia de que a taxa de juros é conceituada como a remuneração pelo uso do dinheiro por determinado período, nada mais equânime do que o acréscimo se dar com base em premissas do mercado financeiro por ocasião do tempo a ser levado em consideração. 

Proposição diversa pode ser um convite a judicialização, por se imaginar tratar-se de um meio próximo a uma opção de investimento. E mais, depois de posta a demanda, pode gerar no credor a absoluta ausência de incentivo para que ele busque colocar fim à demanda o quanto antes e assim receber seu crédito, afinal de contas, a cada mês de tramitação do processo ele se enriquecerá se comparada a realidade de mercado. A realidade média do que ele obteria se sempre estivesse com o dinheiro sob sua custódia.

Esse tipo de comportamento ganha ainda mais relevância quando se tem como devedor grandes corporações, como seguradoras, bancos etc., na medida em que o autor da ação tem a percepção de possuir um crédito que cresce exponencialmente perante um devedor notoriamente solvente e que a qualquer momento terá condições de liquidar aquela determinada dívida.

Sob a perspectiva da AED, uma teoria jurídica, pragmática e consequencialista, que tem como um dos instrumentais a análise comportamental dos agentes econômicos, há de se considerar que a conduta do credor nos moldes acima delineados decorre basicamente três premissas: a primeira, que as pessoas se esforçam e tomam decisões racionalmente para chegarem ao melhor resultado para si, em termos de satisfação; a segunda, que na tomada de decisão racional, as pessoas levam em conta a existência ou não de incentivos para a conduta; e, a terceira, considera o papel das regras como fator de incentivo ou inibidor de condutas, logo, capaz de influenciar na tomada de sua decisão racional.2

E a matéria prima para a decisão racional a ser tomada pelo agente, no caso, o credor da ação judicial, é a informação que ele detém acerca das opções e consequências que ensejará de sua escolha, já que normalmente adotará "a melhor opção dentre as que conhecer"3.  Ocorre o que se chama de custo de oportunidade, que nada mais é do que um termo utilizado no ambiente econômico para indicar o custo de algo em termos de uma oportunidade renunciada. Pressupõe que a escolha feita por alguém considera que o benefício desta é maior do que aquele renunciado.4

Para FRIEDMAN toda decisão que usa recursos escassos implica pelo menos em um custo de oportunidade,5 o que significa dizer que a melhor opção passa de fato pela racionalidade de escolha do agente, tendo como ponto de partida não só a ideia de escassez de recursos, mas também que o ser humano reage a incentivos tomando decisões que na sua concepção lhe trarão o melhor benefício e satisfação, fazendo a menor renúncia de benefícios alternativos possíveis, i.e., com o menor custo.

Assim, nos limites da situação retratada neste artigo, quando a parte tem a percepção de que seu pretenso crédito em determinado período pode ter um acréscimo significativo, no sentido de lucro se comparado a uma condição normal, a tendência de escolha é optar por permanecer nessa condição o maior tempo possível.

O lado perverso desse cenário não fica restrito a equação econômica entre as partes do processo, enriquecimento de um, e empobrecimento do outro, mas também atinge a própria eficiência do Poder Judiciário, que não consegue atingir suas metas de diminuição do acervo de processos judiciais, por absoluta resistência do credor, seja em realizar acordos, seja por postergar a discussão.

Se antes da vigência do atual Código Civil o cenário era inverso, ante uma taxa de juros fixa de 0,5% ao mês6, que não gerava incentivos ao devedor para colocar fim a ação judicial, uma vez que o dinheiro em mãos e sua aplicação no mercado era mais rentável, atualmente, essa mesma ausência de incentivo foi alocada ao credor.

Em outras palavras, se antes postergar o pagamento de uma dívida em juízo poderia ser visto como uma conduta racional no aspecto econômico pelo devedor, nos dias de hoje, esse mesmo olhar pode ser observado pelo espectro do credor.

É por isso que a taxa SELIC evidencia ser uma melhor referência, pois mantém o equilibro entre as partes e não enseja o enriquecimento de um em detrimento do outro, próprio da eficiência de Pareto, que tem por pressuposto a ideia de que a eficiência dentro da sociedade se dá quando um agente acaba adquirindo uma situação melhor do que a sua anterior, mas, desde que ninguém acabe sendo conduzido para uma situação pior.7

Com essas breves considerações, é possível perceber que o tema ora analisado é um bom exemplo que demonstra a importância de se aproximar as normas jurídicas aos fundamentos da microeconomia, influenciando no desenvolvimento, mudança social e conferindo a orientação que o intérprete deve ter para tomar a melhor decisão, sabendo-o das consequências econômicas em relação à coletividade e ao bem-estar social.8

_________

1 A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês.

2 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo, Direito, Economia E Mercados, Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 89-90.

3 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane, Análise econômica do direito, 2a. São Paulo: Atlas, 2020, p. 32.

4 SAMUELSON, Paul A.; NORDHAUS, William D., Economia, 18a. Madrod: McGraw-Hill, 2005.

5 FRIEDMAN, Milton, There's No Such Thing as a Free Lunch, Chicago-EUA: Open Court Publishing Company, 1975.

6 Artigo 1.062 do Código Civil de 1916

7 ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel (Orgs.), Direito & Economia - Análise Econômica do Direito e das Organizações, 1a. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 81.

8 O próprio sistema legislativo, atento a esse cenário, inseriu em 2018, na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), os artigos 20 e 21, onde destaca que na esfera judicial o magistrado, antes de decidir, deve considerar as consequências da sua decisão, inclusive, indicando-a no ato decisório.

Victor Augusto Benes Senhora

Victor Augusto Benes Senhora

Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento - IDP/SP. Sócio do escritório J. Armando Batista e Benes Advogados.

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