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A reforma da lei de falências e o fortalecimento da recuperação extrajudicial

Em vigor desde 23 de janeiro de 2021, a recente reforma da Lei de Falências trouxe várias novidades e fortaleceu o instituto da Recuperação Extrajudicial.

quinta-feira, 25 de março de 2021

Atualizado em 26 de março de 2021 12:41

O nosso país tem aproximadamente 20 milhões de empresas, sendo relevante destacar que grande parcela é composta por microempresas e empresas de pequeno porte, as quais, por incrível que pareça, são responsáveis por mais da metade dos empregos com carteira assinada e por cerca de 30% do Produto Interno Bruto do Brasil.

Há um ano inseridas nesse contexto de pandemia do covid-19, é notório que muitas dessas empresas tiveram relevantes reduções em seus faturamentos e estão passando por sérias dificuldades financeiras, tendentes inclusive a ir ao encontro da temida situação de falência, o que denota a grande importância e necessidade de o sistema jurídico nacional disponibilizar instrumentos aptos a garantir a sobrevivência desses empreendimentos, sobretudo no atual cenário de pandemia.

Ocorre que muitos empresários possuem receio de se valer desses instrumentos jurídicos, como por exemplo a Recuperação Judicial, tendo em vista que entendem que o estigma da denominação "Empresa em Recuperação Judicial" poderia ser capaz de macular a imagem da empresa perante os consumidores, fornecedores e demais parceiros comerciais, transparecendo, ainda, que o próximo passo da empresa seria a decretação de falência.

Não bastasse isso, ainda há um grande senso comum no sentido de que a Recuperação Judicial é um processo lento, burocrático e caro, bem como que, ao fim e ao cabo, poucas empresas conseguem sair dele vitoriosas, passando a ser novamente solventes.

Em que pese essa pré-concepção possa ser questionável, considerando que existem, sim, exemplos de recuperações judiciais exitosas, bem como que é incontroverso que o próprio procedimento exige a apresentação de um plano de recuperação viável e a respectiva demonstração de que a empresa tem plenas condições de seguir o plano e se reerguer, o que denota, em tese, a viabilidade do instituto, fato é que, na prática, muitas empresas ainda não se sentem confortáveis em buscar a Recuperação Judicial e, muitas vezes, sem auxílio profissional, apenas promovem tentativas de negociar suas dívidas, individualmente, com cada credor.

É bom ressaltar que, antigamente, ainda em meados do século passado, o mero fato de o empresário buscar uma solução conciliatória entre os credores, com o intuito de celebrar um acordo para vencer uma crise financeira, já era fundamento suficiente para restar configurado um ato de falência, denominado de concordata branca, o qual dava margem à decretação imediata de falência da empresa.

Felizmente, o sistema jurídico brasileiro vem se aperfeiçoando, dia após dia, trazendo inúmeros princípios e métodos hermenêuticos com o objetivo de estimular a solução pacífica e consensual dos conflitos.

Com o advento da Lei de Falências e de Recuperação Judicial, lei 11.101/05, houve a previsão expressa do instituto da Recuperação Extrajudicial, o que trouxe grande expectativa para os empresários, que poderiam a partir de então celebrar um acordo mais flexível e personalizado que agradasse tanto credor quanto devedor, sem as burocracias e dificuldades de um processo judicial.

A Recuperação Extrajudicial é exatamente isso: a celebração de um acordo entre a empresa e uma determinada classe de credores, com o objetivo de negociar novas condições de pagamento por meio do estabelecimento de um plano de recuperação, a fim de garantir a satisfação desses créditos e a recuperação da empresa.

No entanto, verificou-se que a opção pela Recuperação Extrajudicial foi pouco difundida em razão de algumas limitações práticas e restrições trazidas na lei, destacando-se, principalmente, a ausência de disposições normativas que conferissem uma maior segurança jurídica aos empresários, sobretudo em relação aos atos praticados com base no plano de recuperação extrajudicial, que poderiam ficar sujeitos a ações revocatórias.

Trazendo uma reviravolta nesse contexto prático, vale ressaltar que a legislação brasileira continuou evoluindo, sim, para facilitar e auxiliar a recuperação das empresas, tanto em relação ao próprio instituto da Recuperação Judicial, quanto no tocante à possibilidade de soluções conciliatórias e extrajudiciais, destacando-se o recente fortalecimento do instituto da Recuperação Extrajudicial, conforme se verifica das modificações ocorridas na Lei de Falências, provenientes da lei 14.112/20, publicada na véspera do Natal do ano passado.

Dentre as várias novidades trazidas pela nova Reforma, destaca-se a modificação na sistemática da homologação do plano de Recuperação Extrajudicial. Para contextualizar essa mudança normativa, importa rememorar que a Recuperação Extrajudicial permite a realização de acordos com cada uma das classes de credores, o que torna bastante flexível e personalizada a realização do plano de recuperação, a depender das especificidades da atividade da empresa e das peculiaridades dos integrantes das diversas classes de credores. Durante as negociações, é comum que haja discordância de alguns credores em relação às condições negociadas, razão pela qual, nesses casos, é imprescindível a homologação judicial do plano de recuperação para que seus efeitos possam valer para todos os credores da classe de créditos a que se refere o plano.

Na sistemática anterior, para que fosse possível a homologação judicial e a imposição do plano de recuperação a todos os credores de determinada classe, era necessário que a empresa conseguisse a assinatura e a anuência de três quintos de todos os créditos envolvidos, ou seja, era imprescindível a concordância de credores que respondessem por pelo menos 60% dos créditos para que fosse possível fazer prevalecer o plano de recuperação extrajudicial em relação aos demais credores que não anuíram ao acordo.

Com a nova alteração legislativa, houve a facilitação da obtenção desse quórum, de modo que apenas será necessária a anuência da maioria simples do total dos créditos da classe (50%+1).

Além disso, para facilitar e acelerar ainda mais a implementação das medidas atinentes à recuperação empresarial, a lei trouxe a possibilidade de a empresa realizar o pedido de homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial antes mesmo de obter a anuência dos credores necessários para atingir o referido quórum, bastando que comprove a anuência dos credores que representem um terço dos créditos das classes a que se refere o plano, ou seja, pouco mais de 33%, ocasião na qual será concedido um prazo de 90 dias para que a empresa possa conseguir assinaturas suficientes para atingir o quórum de maioria simples.

Não bastasse isso, a nova lei estendeu também para a recuperação extrajudicial a proteção legal denominada stay period, por meio da qual fica garantida a suspensão de ações executivas exclusivamente em relação às classes de crédito abrangidas no plano de recuperação extrajudicial, dispondo ainda que essa proteção se dá desde o pedido de homologação judicial da recuperação extrajudicial, com duração de 180 dias, podendo haver uma prorrogação. Assim, a empresa estará protegida desde o pedido de homologação da recuperação extrajudicial, evitando que os credores das classes mencionadas no plano possam executar bens do devedor e impedir o bom funcionamento da recuperação antes mesmo da homologação judicial, constituindo-se essa uma grande novidade que, certamente, estimulará a opção pela recuperação extrajudicial.

E mais, na remota hipótese de a empresa não conseguir obter o quórum necessário para obrigar os demais credores, a nova lei trouxe ainda a possibilidade de conversão do procedimento em Recuperação Judicial, de modo a aproveitar os atos já praticados e oferecer mais celeridade e economia à empresa em situação de crise financeira.

Outro grande incentivo trazido pela reforma foi a inclusão da possibilidade de versar a recuperação extrajudicial também em relação aos créditos de natureza trabalhista e decorrentes de acidentes de trabalho, desde que, por óbvio, haja negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional. Já no tocante aos créditos tributários, continua sendo vedada qualquer disposição sobre eles.

Em relação à segurança jurídica, a nova lei determinou também que a alienação de bens e a outorga de garantia pelo devedor, desde que prevista no plano de recuperação extrajudicial aprovado, não poderão ser anuladas ou tornadas ineficazes após a consumação do negócio jurídico, ou seja, a reforma legislativa promoveu a proteção jurídica dos atos praticados em cumprimento ao plano, estando tais atos livres de eventuais ações revocatórias, sendo esta a principal novidade que contribuiu para fortalecer o instituto da Recuperação Extrajudicial.

Nesse cenário, denota-se que a Recuperação Extrajudicial passa a ser, cada vez mais, uma alternativa importante, viável, segura e adequada para aqueles empresários que receiam submeter-se a todo o procedimento de uma Recuperação Judicial, salvaguardando, ainda, a imagem da empresa e prestigiando a busca por uma solução conciliatória com os credores, devidamente protegida pela adequada segurança jurídica implementada pela recente reforma legislativa, que garantiu, dentre outros, benefícios que outrora eram previstos apenas para a Recuperação Judicial.

Luciano Fleming Leitao

Luciano Fleming Leitao

Advogado. Procurador do Estado do Acre. Com experiência em demandas de alta complexidade, tanto no contencioso judicial e administrativo, quanto no atendimento de consultas e elaboração de pareceres.

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