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Ministro Edson Fachin acreditou que uma solução jurídica resolveria um caso político

A declaração de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar o ex-presidente Lula fracassou em impedir o reconhecimento da suspeição de Sérgio Moro, que gerará grandes consequências na jurisprudência criminal

quinta-feira, 25 de março de 2021

Atualizado em 26 de março de 2021 13:15

No dia 08 de março de 2021, o Brasil foi surpreendido pela notícia de que o Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, decidiu monocraticamente anular todas as condenações do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, por entender que a 13ª Vara Federal de Curitiba/PR era incompetente para processar e julgar as ações penais que envolviam Lula, uma vez que, na visão do Ministro, os fatos imputados não têm relação direta com os desvios ocorridos na Petrobras, tema este que atraiu, num primeiro momento, a competência daquela Vara por prevençãoI.

Essa decisão monocrática se deu no âmbito do Habeas Corpus 193726, impetrado pela defesa de Lula em novembro de 2020. Tão logo referido writ foi distribuído ao Min. Fachin por prevenção, ainda em 2020, ele, monocraticamente, decidiu afetar o julgamento do mérito ao Pleno do Tribunal. Irresignada, a defesa do ex-presidente opôs embargos de declaração contra essa decisão. Tal recurso tem como função aclarar omissão, obscuridade ou contradição existente numa decisão, sem efeitos infringentes, ao menos em princípio. Ao analisar a questão da afetação ao Pleno é que, surpreendentemente, o Min. Fachin decidiu por conceder monocraticamente a ordem de habeas corpus.

Mas o que motivou essa abrupta mudança de rumo na tramitação daquele Habeas Corpus e uma decisão tão importante, proferida monocraticamente, em sede de Embargos de Declaração? Para entender isso é preciso rememorar o contexto em que tal decisão foi proferida.

No começo de fevereiro de 2021, o Min. Lewandowski levantou o sigilo da Reclamação 43007, em que permitiu ao ex-presidente Lula o acesso integral aos arquivos da Operação Spoofing, que investiga a invasão dos celulares de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, que deu origem à chamada "Vaza-Jato" divulgada pelo The Intercept BrasilII.

As trocas de mensagens entre o ex-juiz e membros do MPF reverberaram na opinião pública, sendo que o acesso da defesa de Lula aos arquivos completos da Operação Spoofing reacendeu o debate sobre a suspeição de Sérgio Moro, dessa vez caminhando contra o ex-juiz, que se viu muito enfraquecido frente à opinião pública após sua fracassada participação no Governo Bolsonaro.

Em paralelo a isso, tramitava no Supremo Tribunal Federal o HC 164493, em que a defesa de Lula alega a suspeição de Sérgio Moro, antes mesmo de existir a "Vaza-Jato", cujo julgamento estava suspenso desde dezembro de 2018 em razão de pedido de vista do Min. Gilmar Mendes após os votos pelo não conhecimento do HC proferidos pelo Min. Fachin e pela Minª. Carmen Lúcia.

Diante do recente barulho decorrente da "Vaza-Jato", o Min. Gilmar Mendes acenava que a qualquer momento retomaria o julgamento do HC de suspeição de Moro. E a imprensa já noticiava a possível derrota do ex-juiz, prevendo que o restante da 2ª Turma, composto por Gilmar Mendes, Lewandowski e o recém-empossado Min. Nunes Marques, não só conheceria do HC como lhe daria provimentoIII

O estrago estava feito para a Operação Lava-Jato. Afinal, o reconhecimento da suspeição de Moro, já não mais visto como absurdo pela grande mídia em razão dos vazamentos das mensagens entre o então juiz e a acusação, poderia gerar um efeito cascata em todas as condenações já havidas.

E é nesse momento que o Min. Edson Fachin procurou agir e, em sede de embargos de declaração, monocraticamente reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar Lula, deslocando suas ações penais para Brasília e, como consequência, determinou o trancamento de todos os Habeas Corpus e Reclamações em trâmite no STF envolvendo Lula.

O raciocínio jurídico do Min. Fachin não foi equivocado. Ao reconhecer a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba em razão da ausência de conexão, deslocando as ações penais de Lula para Brasília para serem recomeçadas ab initio, seria uma consequência lógica a perda de objeto de todos os Habeas Corpus e Reclamações em trâmite no Supremo Tribunal Federal, já que nenhum ato coator resistiu à anulação reconhecida por Fachin. Ou seja, não havia mais decisões com efeitos jurídicos vigentes para serem sanadas pela via do HC ou de Reclamações. Tudo começaria do zero.

Ocorre que uma questão jurídica ficou em aberto. O Min. Fachin reconheceu, em razão da incompetência, a nulidade apenas dos atos decisórios, inclusive o recebimento da denúncia, deixando a critério do juízo competente decidir sobre a convalidação dos atos instrutórios.

Isso porque, tratou-se de reconhecimento de nulidade relativa, que a doutrina e jurisprudência admitem ser sanada. Ou seja, se assim entender, o juízo competente de Brasília poderia simplesmente ratificar tudo o que foi feito em Curitiba, sem necessidade, por exemplo, de reinquirição das testemunhas e acusados.

Por outro lado, se fosse reconhecida a suspeição de Moro, estar-se-ia diante de uma nulidade absoluta, que pacificamente na doutrina e na jurisprudência não se admite seja sanada. Assim, todos os atos instrutórios teriam que ser refeitos pelo juízo competente, não se aproveitando nada feito sob a batuta de Sérgio Moro.

Ao assim decidir em 08 de março de 2021, muitas teorias começaram a ser criadas. A primeira delas: o Min. Fachin e os demais Ministros da 2ª Turma entraram em um consenso para preservar a operação Lava-Jato e resolveram o problema da forma técnica que geraria menos desdobramentos, reconhecer a incompetência em razão da ausência de conexão entre os fatos imputados e a Petrobras e trancar todas as demais discussões envolvendo Lula naquela Corte.

Contudo, para surpresa, o Min. Fachin não agiu coordenadamente com os seus pares e acreditou que numa decisão monocrática conseguiria perder os anéis para salvar os dedos. Anulou as condenações de Lula, mas o Supremo não entraria no mérito sobre a suspeição de Moro.

Não contava o Min. Fachin, ao que parece, que a 2ª Turma do STF, sob a presidência do Min. Gilmar Mendes, fosse levar adiante o julgamento da suspeição de Sérgio Moro. O julgamento do HC 164493, paralisado desde 2018, foi pautado, ignorando-se a decisão monocrática de Fachin que determinara seu arquivamento.

Em sessão do dia 09 de março de 2021, ou seja, dia seguinte à decisão de Fachin, os demais membros da Turma votaram contra a prejudicialidade do julgamento levantada por Fachin e, não só, Gilmar Mendes votou pelo reconhecimento da suspeição de Moro. Em seguida, era a vez do Min. Nunes Marques proferir seu voto, mas este preferiu pedir vista para melhor se inteirar dos fatos. A praxe seria os demais ministros aguardarem o voto-vista para então apresentarem suas manifestações. Assim agiu a Min. Cármen Lúcia, que apesar de já ter votado o tema lá em 2018, anunciou que o faria novamente. Já o Min. Lewandowski optou por antecipar seu voto, também a favor da suspeição de Moro, empatando a votação em 2 a 2IV.

Em continuidade de julgamento, ocorrida em 23 de março de 2021, o Min. Nunes Marques, para surpresa de muitos, não seguiu os votos divergentes de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, retomando a conhecida jurisprudência defensiva adota por muitos anos nas Cortes Superiores de limitação das possibilidades de conhecimento de habeas corpus. Segundo ele, apenas por meio da Exceção de Suspeição pode ser reconhecida a suspeição do julgador, onde haveria pleno exercício do contraditório, inexistente em sede de habeas corpus. Ainda, destacou a impossibilidade de aproveitamento das informações obtidas de forma ilegal nos aparelhos eletrônicos do ex-juiz Moro.

Com isso, a votação ficou em 3x2 contra o reconhecimento da suspeição de Moro.

Demonstrando claro descontentamento com a posição de seu par, o Min. Gilmar Mendes usou da palavra para reafirmar sua posição e rebater pontos trazidos no voto do Min. Nunes Marques.

Em seguida, foi a vez da Min. Cármen, que em 2018 havia acompanhado o relator, se manifestar. Ela poderia apenas ratificar seu voto anterior, mantendo a derrota do ex-presidente, ou, como fez, reformar seu entendimento, para agora reconhecer a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro e anular todas as condenações de Lula.

Diante da mudança de posição da Min. Cármen, o resultado na 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal foi, por maioria, conhecer do habeas corpus, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator) e Nunes Marques que dele não conheciam. No mérito, a Turma, por maioria, concedeu a ordem em habeas corpus, determinando a anulação de todos os atos decisórios praticados pelo magistrado Sérgio Moro no âmbito da Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (triplex do Guarujá), incluindo os atos praticados na fase pré-processual. Por maioria, a Turma rejeitou a proposta de condenação do juiz ao pagamento das custas processuais, na forma do art. 101 do Código de Processo Penal, vencidos, nesse ponto, os Ministros Gilmar Mendes e Ricardo LewandowskiV.

Mesmo diante de tudo isso, o imbróglio jurídico-criminal do ex-presidente Lula está longe de terminar. Daquela decisão monocrática do Min. Fachin que anulava tudo, mas não conseguiu anular o mais importante, a PGR recorreu, tendo o Ministro afetado o julgamento ao Pleno.

Assim, atualmente temos uma decisão monocrática que anulou todas as ações penais contra o ex-presidente, permitindo ao novo juízo competente reaproveitar os atos instrutórios. Em paralelo, há uma decisão colegiada anulando todos os atos decisórios da ação penal do triplex do Guarujá, inclusive os pré-processuais, praticamente colocando uma pá de cal nessa ação.

Resta saber como o Pleno do Tribunal reagirá às medidas tomadas no âmbito da 2ª Turma.

Fora a questão de mérito e os resultados disso para o ex-presidente e o futuro político do país, interessante por si só, esse julgamento chamou a atenção daqueles que militam no âmbito criminal, principalmente pela ampla análise fático-probatória realizada em sede de habeas corpus.

Os Ministros Fachin e Nunes Marques votaram pelo não conhecimento do habeas corpus, tendo o Min. Nunes Marques rememorado a jurisprudência defensiva que já vigorou pacificamente na Corte durante muitos anos, mas foi abandonada principalmente na 2ª Turma.

O Ministro Lewandowski, por sua vez, discorreu sobre a possibilidade de conhecimento de Habeas Corpus substitutivo do recurso ordinário. Afirmou, ainda, que para a análise da suspeição não há necessidade de revolvimento fático-probatório, historicamente vedado em tal via, não obstante tenha analisado conversas havidas entre o ex-juiz e membros do Ministério Público Federal, obtidas na "Operação Spoofing". Por fim, o Ministro destacou a chamada "doutrina brasileira do habeas corpus", que confere a maior amplitude possível a esse remédio constitucionalVI.

O Ministro Gilmar, nesse ponto, destacou em seu votoVII a necessidade de "distinção entre o que é, efetivamente, avaliação de fatos controvertidos e mera valoração das provas existentes nos autos e de informações públicas e notórias", afirmando que "se, a partir dos elementos já produzidos e juntados aos autos do remédio colateral, restar evidente a incongruência ou a inconsistência da motivação judicial das decisões das instâncias inferiores, deve-se resguardar os direitos violados com a concessão da ordem".

Essa posição que saiu vencedora vai ao encontro do quanto decidido pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal em outro Habeas Corpus cujo paciente era o ex-presidente Lula. No HC 152752, de Relatoria do Min. Edson Fachin, julgado em 04/04/18, o Tribunal Pleno assentou, por maioria de votos, que é admissível a impetração originária de habeas corpus substitutiva de recurso ordinário constitucionalVIII, dando espaço para a maior amplitude de conhecimento desse remédio heroico.

Portanto, dessa celeuma jurídica de enormes proporções já é possível traçar algumas conclusões. A primeira, evidente, é que o Min. Fachin saiu derrotado no jogo de forças e sua estratégia jurídica não evitou o reconhecimento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro pela 2ª Turma, comandada por Gilmar MendesIX. A outra é que esse jogo trará grandes consequências para a jurisprudência criminal e aqueles que militam na área, dentre as quais, já se sabe, a discussão sobre o conhecimento de habeas corpus, a qual, espera-se, reforce a jurisprudência favorável ao seu amplo conhecimento, afastando-se as restrições advindas da conhecida jurisprudência defensiva que por muito tempo dominou as Cortes Superiores.

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I Clique aqui

III Exemplo de matéria veiculada em 06.03.21: Clique aqui

VIII A reforçar tal posição dominante no STF a partir de 2018, adotada inclusive na 1ª Turma: RHC 141044, AgR, Relatora Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 19/11/2018; HC 136701, Relator Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 19/06/2018; HC 157574 AgR, Relator Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 23/08/2019; HC 169535 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 14/02/2020; HC 189483, Relator Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 21/12/2020; HC 193877 AgR, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 15/12/2020.

IX O Min. Fachin deixava clara sua preocupação em entrevista concedida ao "O Globo": Clique aqui

Renato Losinskas Hachul

Renato Losinskas Hachul

Advogado criminal Pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra e Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.

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