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Considerações sobre o intervalo que antecede a prorrogação da jornada de trabalho da mulher

Garantir o descanso apenas à mulher não ofende o princípio da igualdade, permanecendo incólume o dispositivo legal.

quarta-feira, 31 de março de 2021

Atualizado às 14:29

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O intervalo previsto no artigo 384 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), conhecido popularmente como "intervalo da mulher", preceitua o direito ao intervalo de 15 minutos, para a mulher, antes de dar início à jornada extraordinária.

A previsão está contida no Capítulo III da CLT, que traz regras específicas sobre a "Proteção do Trabalho da Mulher":

 Art. 384. Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho.

Embora o digitado artigo tenha sido expressamente revogado pela lei 13.467, de 2017, ainda existem discusões sobre a sua aplicabilidade antes da Reforma Trabalhista.

Para muitos, o artigo 384 da CLT é inconstitucional, pois ofende o princípio igualdade, insculpido no artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal, que assim prevê:

 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Por conta dessa discussão, o Pleno do TST (Tribunal Superior do Trabalho), na apreciação do incidente de inconstitucionalidade do artigo 384 da CLT, consagrou a tese de que a norma ali contida, ao garantir o descanso apenas à mulher, não ofende o princípio da igualdade, permanecendo incólume o disposto no referido dispositivo legal.

MULHER. INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DE LABOR EM SOBREJORNADA. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT EM FACE DO ART. 5º, I, DA CF.

1. O art. 384 da CLT impõe intervalo de 15 minutos antes de se começar a prestação de horas extras pela trabalhadora mulher. Pretende-se sua não-recepção pela Constituição Federal, dada a plena igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres decantada pela Carta Política de 1988 (art. 5º, I), como conquista feminina no campo jurídico.

2. A igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum a patente diferença de compleição física entre homens e mulheres. Analisando o art. 384 da CLT em seu contexto, verifica-se que se trata de norma legal inserida no capítulo que cuida da proteção do trabalho da mulher e que, versando sobre intervalo intrajornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. Orientação Jurisprudencial 342 da SBDI-1 do TST).

3. O maior desgaste natural da mulher trabalhadora não foi desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu diferentes condições para a obtenção da aposentadoria, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária para as mulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico efetivo é da maternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de se postergar o gozo da licença-maternidade para depois do parto, o que leva a mulher, nos meses finais da gestação, a um desgaste físico cada vez maior, o que justifica o tratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e período de descanso.

4. Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher.

5. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT.

(TST, Tribunal Pleno, RR 154000-83.2005.5.12.0046, Ministro Relator Ives Gandra Martins Filho, Publicado em 13/02/09).

A discussão também chegou ao Pleno do STF (Supremo Tribunal Federal), em sede de Recurso Extraordinário (RE 658.312), em que se discutia, à luz dos artigos 5º, inciso I, e 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, a recepção, ou não, do artigo 384 da CLT.

O Tribunal Pleno do C. STF decidiu o tema, e por maioria, negou provimento ao recurso, entendendo por recepcionado o referido dispositivo.

Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Direito do Trabalho e Constitucional. Recepção do art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho pela Constituição Federal de 1988. Constitucionalidade do intervalo de 15 minutos para mulheres trabalhadoras antes da jornada extraordinária. Ausência de ofensa ao princípio da isonomia. Mantida a decisão do Tribunal Superior do Trabalho. Recurso não provido.

1. O assunto corresponde ao Tema 528 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do Supremo Tribunal Federal na internet.

2. O princípio da igualdade não é absoluto, sendo mister a verificação da correlação lógica entre a situação de discriminação apresentada e a razão do tratamento desigual.

3. A Constituição Federal de 1988 utilizou-se de alguns critérios para um tratamento diferenciado entre homens e mulheres: i) em primeiro lugar, levou em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e/ou legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho; ii) considerou existir um componente orgânico a justificar o tratamento diferenciado, em virtude da menor resistência física da mulher; e iii) observou um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo pela mulher de atividades no lar e no ambiente de trabalho - o que é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma.

4. Esses parâmetros constitucionais são legitimadores de um tratamento diferenciado desde que esse sirva, como na hipótese, para ampliar os direitos fundamentais sociais e que se observe a proporcionalidade na compensação das diferenças.

5. Recurso extraordinário não provido, com a fixação das teses jurídicas de que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e de que a norma se aplica a todas as mulheres trabalhadoras.

(STF, Tribunal Pleno, RE 658.312, Ministro Relator DIAS TOFFOLI, Publicado em 10/02/15)

De acordo com a decisão do STF, a própria Constituição Federal já prevê formalmente tratamento desigual para homens e mulheres no mercado de trabalho, concluindo que a norma constitucional utiliza alguns critérios para esse tratamento diferenciado, como a histórica exclusão da mulher no mercado de trabalho, o componente orgânico e biológico a justificar o tratamento diferenciado, inclusive pela menor resistência física da mulher e também o componente social, por ser comum o acúmulo de atividades no lar e no ambiente de trabalho pela mulher.

Não se pode negar, portanto que há diferenças quanto à capacidade física das mulheres em relação aos homens. Inclusive o artigo 390 da CLT, que não foi revogado pela Reforma Trabalhista, impede o empregador de contratar mulher em "serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho contínuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional".

Para o relator do acórdão no Recurso Especial, Ministro Dias Toffoli, esses parâmetros constitucionais são legitimadores de um tratamento diferenciado, desde que a norma instituidora amplie direitos fundamentais das mulheres e atenda ao princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças. Essa é a tese em jogo e, ao se analisar o teor da regra atacada, podemos inferir que a norma trata de aspectos de evidente desigualdade de forma proporcional, garantindo o período de descanso de, no mínimo, 15 (quinze) minutos antes do início do período extraordinário de trabalho à mulher trabalhadora.

Com base nesses argumentos, diversos Tribunais Regionais do Trabalho editaram súmulas sobre a recepção do artigo 384 da CLT pela Constituição Federal.

Pelo TRT da 2ª região, a súmula 28:

28. Intervalo previsto no artigo 384 da CLT. Recepção pela Constituição Federal. Aplicação somente às mulheres. Inobservância. Horas extras. (Res.TP nº 02/2015 - DOEletrônico 26/05/15). O artigo 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal consoante decisão do E. Supremo Tribunal Federal e beneficia somente mulheres, sendo que a inobservância do intervalo mínimo de 15 (quinze) minutos nele previsto resulta no pagamento de horas extras pelo período total do intervalo.

Pelo TRT da 15ª região, a súmula 80:

80. INTERVALO DO ARTIGO 384 DA CLT. RECEPÇÃO PELA CF/88. A não concessão à trabalhadora do intervalo previsto no art. 384 da CLT implica pagamento de horas extras correspondentes àquele período, nos moldes do art. 71, § 4º da CLT, uma vez que se trata de medida de higiene, saúde e segurança do trabalho (art. 7º, XXII, da Constituição Federal). (RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA 18/16, de 25 de outubro de 2016 - Divulgada no D.E.J.T. de 27/10/16, pág. 02; D.E.J.T. de 28/10/16, págs. 01-02; no D.E.J.T. de 03/11/16, pág. 02)

E pelo TRT da 4ª região, a súmula 65:

65. INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. A regra do art. 384 da CLT foi recepcionada pela Constituição, sendo aplicável à mulher, observado, em caso de descumprimento, o previsto no art. 71, § 4º, da CLT. (Resolução Administrativa 17/15) Disponibilizada no DEJT dias 02, 03 e 05 de junho de 2015 e considerada publicada nos dias 03, 05 e 08 de junho de 2015.

E a jurisprudência, ainda hoje, segue por esse caminho:

(...) 2. TRABALHO DA MULHER. INTERVALO PREVISTO NO ART. 384 DA CLT. EXIGÊNCIA DE JORNADA EXTRAORDIÁRIA SUPERIOR A 30 MINUTOS PARA CONCESSÃO. IMPOSSIBILIDADE. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. Hipótese em que, embora tendo reconhecido a constitucionalidade do art. 384 da CLT, a Corte de origem deixou de aplicar o referido preceito, por entender que o período de repouso nele estabelecido somente é devido na hipótese em que a prorrogação da jornada é superior a 30 (trinta) minutos. II. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que a empregada faz jus ao intervalo previsto no art. 384 da CLT sempre que houver labor extraordinário, uma vez que o aludido dispositivo legal não estipula qualquer condição ou limitação à concessão do intervalo à luz do tempo mínimo de trabalho em sobrejornada. III. Nesse contexto, ao limitar a condenação relativa ao intervalo previsto no art. 384 da CLT às ocasiões em que a jornada extraordinária seja superior a 30 (trinta) minutos, a Corte Regional contrariou a jurisprudência deste Tribunal Superior e violou o art. 384 da CLT. IV. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST, 4ª Turma, RR-1400-72.2013.5.09.0663, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, Publicado em 26/06/20).

INTERVALO ART. 384. DESRESPEITO. PAGAMENTO COMO HORAS EXTRAS. POSSIBILIDADE. Conforme se depreende dos espelhos de ponto acostados aos autos e que foram acolhidos como meio de prova, havia a prestação habitual de horas extras, sendo que, nestas oportunidades, não era observada a concessão do intervalo previsto no art. 384 da CLT, conforme também se constata dos recibos de pagamento. Assim, certo é que, sob esta ótica, houve labor suplementar pela autora, o que dá ensejo à concessão do intervalo previsto no art. 384 da CLT, notadamente diante do fato de que o C. Tribunal Pleno do TST, na apreciação da inconstitucionalidade do art. 384 da CLT, consagrou a tese de que a norma ali contida, ao garantir o descanso apenas à mulher, não ofende o princípio da igualdade, permanecendo incólume o disposto no referido dispositivo legal. (TRT/02, 6ª Turma, RO 1000204-66.2019.5.02.0006, Ministro Relator VALDIR FLORINDO, Publicado em 23/06/20)

ARTIGO 384 DA CLT. LEI 13.467/17. REVOGAÇÃO. RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO. Não se aplicam as disposições contidas na Lei 13.467/17 às relações jurídicas constituídas ou consumadas antes da sua entrada em vigor. As inovações trazidas pela Lei 13.467/2017 devem respeitar o direito adquirido, incorporado ao patrimônio jurídico dos trabalhadores, nos termos da previsão contida no artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal. Observância do artigo 6º, das Normas de Introdução ao Direito Brasileiro. Recurso ordinário provido. (TRT/SP, 6ª Turma, RO 1001513-42.2017.5.02.0023, Ministra Relatora JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA, Publicado em 23/01/19)

Pelo que se conclui, para a Justiça do Trabalho, o intervalo contido artigo 384 da CLT, que garante à mulher a pausa de 15 (quinze) minutos antes de dar início à jornada extraordinária, não ofende o princípio da igualdade.

Mesmo com a revogação expressa pela Reforma Trabalhista, o intervalo ainda é garantido para os contratos de trabalho com vigência anterior à entrada em vigor da lei 13.467, de 2017.

Ezequiel do Carmo Munhoz

Ezequiel do Carmo Munhoz

Advogado em São Paulo; Especialista em Direito e Processo do Trabalho (MACKENZIE); em Relações Sindicais e Trabalhistas (WCCA); em Direito Empresarial (PUC) e em Compliance Digital (MACKENZIE).

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