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Amicus curiae perante o STF AOS 46 minutos do segundo tempo

Limitações temporais ao ingresso do amicus curiae.

quarta-feira, 31 de março de 2021

Atualizado às 13:39

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Recordo-me de um jogo do meu querido Flamengo - eu ainda garoto - em que o Zico (que dispensa apresentações) tinha feito um golaço. Mas o juiz o invalidou sob o pretexto que tinha apitado o final do jogo. Revolta de flamenguista de lado, esta deixa me recordou uma questão sensível a respeito da hoje conhecida figura do amicus curiae.

Segundo os cultores do direito processual civil, o processo é um caminhar para frente - o que se dessume aliás, da compreensão do significado da própria palavra.

Sendo assim, o sistema processual brasileiro é construído com base em etapas que, uma vez encerradas, não podem em regra ser reabertas. É a isto que se chama de sistema de preclusões processuais.

O ingresso de terceiros em uma relação processual também está, portanto, sujeita a tal sistema de preclusões. Por mais que o processo das ações de controle de constitucionalidade - chamado de processo objetivo - tenha suas muitas peculiaridades, em certa medida, admite ele a ocorrência do fenômeno preclusivo.

É preciso ainda observar que o rito das ações de controle de constitucionalidade é regido basicamente pela lei 9.868 de 1999 e, em se tratando de Supremo Tribunal Federal, por seu regimento interno. E isto se esclarece porque o atual Código de Processo Civil (lei 13.105) lhe é posterior (2015) e cuida também do tema. No entanto, as presentes considerações são direcionadas às ações que dão com os costados na nossa Suprema Corte.

Isto posto, passemos ao tema propriamente dito.

Com base no que dispõe a prefalada lei 9.868/99 prevê no parágrafo 2º do art. 7º admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades no prazo previsto no parágrafo 1º. Ocorre que o aludido parágrafo 1º foi objeto de veto. Ou seja, o tal prazo não está previsto. Pesquisando o texto vetado verifica-se que o prazo desejado era o da prestação de informações. (Ou seja, temos um dispositivo que se remete a outro que foi objeto, o que, aliás, diz muito da qualidade do legislador brasileiro).

De toda sorte, logo de início o Supremo Tribunal adotou o entendimento segundo o qual a possibilidade de intervenção do amicus curiae está limitada à data da remessa dos autos à mesa para julgamento (...). Com efeito, o ministro Luís Roberto Barroso1 assinala que, após alguma hesitação, a jurisprudência do STF firmou o entendimento de que o pedido de ingresso poderá ser feito até a remessa dos autos à mesa para julgamento. Demais disto, ainda afirma o autor, com esteio também em precedentes do STF, que a participação do amicus curiae não constitui direito subjetivo, ficando a critério do relator (...)2

Em sentido semelhante, uma parcela da doutrina também assim se manifesta, como por exemplo Clemerson Merlin Cleve3:

Com o veto ao parágrafo 1º do art. 7º da lei 9.868/99, ficou indefinido o prazo para a manifestação dos órgãos e entidades. O STF entende que o pedido de admissão deve ser formulado no prazo de que dispõem as autoridades das quais emanou o ato impugnado para prestar informações.

E obtempera:

Todavia, é possível cogitar da admissão do amicus curiae fora desse prazo, considerando a relevância do caso ou a notória contribuição que a manifestação possa trazer para o julgamento da causa. Há sempre o cuidado de impedir transtornos ao procedimento, o que pode ocorrer, por exemplo, quando o pedido de intervenção ocorre na véspera da sessão de julgamento ou após terem sido prolatados votos4.

Autores como Soraya Lunardi5, a seu turno, advertem a respeito da questão da divergência sobre o tema:

divergências sobre o instante procedimental da intervenção do amicus curiae. A posição que predomina no STF é que a intervenção pode se dar a qualquer momento, desde que antes do julgamento da liminar ou definitivo.

 E Nelson Nery Jr6, em soberba coletânea de jurisprudência, transcreve julgado sobre o tema:

Amicus curiae. Requerimento de intervenção. Prazo das informações (LADIn 6.° e 7.° § 2.°). Admissibilidade da intervenção fora desse prazo. "No tocante à Pet 66.661/05, da Federação das Indústrias do Estado do Paraná - FIEP, requerendo seu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae, compete ao Relator, por meio de despacho irrecorrível, acolher ou não pedido de interessados para que atuem na situação de amicus curiae, hipótese diversa da figura processual da intervenção de terceiros. Esclareço que, em princípio, a eventual manifestação deveria ocorrer no prazo das informações (LADIn 6° e 7º §2°). Em recente julgamento, porém, o STF, por maioria, resolveu questão de ordem no julgamento das ADIn2675-PE (rel. Min. Carlos Velloso) e 2777-SP (rel. Min. Cézar Peluso), ambas julgadas em 27/11/03, para reconhecer, excepcionalmente, a possibilidade de realização de sustentação oral por terceiros, admitidos no processo de fiscalização abstrata de normas, sob a condição de amicus curiae. Essa nova orientação, apesar de ter contrariado os precedentes existentes (ADIn (MC) 2321-DF, rel. Min. Celso de Mello, DJU 31/10/2000; ADIn (MC) 2130-SC, rel. Min. Celso de Mello, DJU 2/2/2001; ADIn (QO) 2223-DF,rel. Min. Marco Aurélio, DJU 26/10/2001], garante a possibilidade de que o procedimento de instrução da ação direta de inconstitucionalidade seja subsidiado por novos argumentos e diferentes alternativas de interpretação da CF. (...) No entanto, especialmente diante da relevância do caso ou, ainda, em face da notória contribuição que a manifestação possa trazer para o julgamento da causa, é possível cogitar de hipóteses de admissão de amicus curiae, ainda que fora desse prazo. Necessário é ressaltar, contudo, que essa possibilidade não é unânime na jurisprudência do STF. A esse respeito, vale mencionar a ADIn 2238-DF, rel. Min. limar Galvão. Nesse caso, o relator considerou ser impossível a admissão de amicus curiae quando o julgamento do feito já estiver em andamento, por considerar tal manifestação destinada, unicamente, a instruir a ADIn. (...)

Assinale-se que se repara nesta tendência ao alargamento da oportunidade processual do amicus curiae principalmente nos votos do Ministro Gilmar Mendes. Neste sentido, inclusive, é a observação do também Ministro da Suprema Corte, Alexandre de Moraes7:

Como ressaltado pelo Ministro Gilmar Mendes, "é possível cogitar de hipóteses de admissão de amicus curiae, ainda que fora desse prazo (arts. 6º e 7º, § 2º da lei n- 9.868/99)", uma vez que "essa construção jurisprudencial sugere a adoção de um modelo procedimental que ofereça alternativas e condições para permitir, de modo cada vez mais intenso, a interferência de uma pluralidade de sujeitos, argumentos e visões. Essa nova realidade pressupõe, além de amplo acesso e participação de sujeitos interessados no sistema de controle de constitucionalidade de normas, a possibilidade efetiva de o Tribunal Constitucional lançar mão de quaisquer das perspectivas disponíveis para a apreciação da legitimidade de um determinado ato questionado".

Ainda na seara dos melhores constitucionalistas, Ingo Sarlet8 também faz tal sinalização:

Tem-se entendido que o amicus curiae, embora em princípio deva intervir até o prazo das informações, pode se manifestar fora deste prazo, por escrito ou mediante sustentação oral.

Portanto é possível sim defender a possibilidade de o amicus curiae requerer o ingresso desde que razoavelmente antes do dia da pauta marcada para julgamento, ainda que esteja fora do prazo para as informações.

Quanto à questão da sustentação oral, fato é que a doutrina, debruçando-se sobre o tema, afirma que:

Atualmente, em vista do § 3° do art. 131 do RISTF, não há mais dúvida de que o amicus curiae direito à sustentação oral9.

Em decisão de ADC - que, neste particular, não difere da ADI, o STF já decidiu também:

(...) Nesse sentido, este STF já admitiu o ingresso e a sustentação oral de amicus curiae em ação declaratória de constitucionalidade, atendidos os requisitos constantes do § 2° do art. 7° referido (ADC 12, rei. Min. Carlos Britto, DJe 17/12/09)" (ADC 24, rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática, DJe 24/03/10).

O Ministro Alexandre de Moraes10 também ressalta:

O Supremo Tribunal Federal passou, quanto à sustentação oral do amicus curiae, a aplicar a regra regimental prevista no artigo 131, § 3º, permitindo um tempo máximo de 15 minutos.

Ainda o STF11:

Possibilidade de sustentação oral e amicus curiae: (...) Admito, hoje, a sustentação oral e insto o Tribunal a que imaginemos uma fórmula regimental que a discipline, em especial, para as hipóteses em que sejam muitos os admitidos à discussão da causa" (STF - Pleno - Questão de ordem - Adin 2.777/DF - Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Informativo, 349, p. 4). Conferir, ainda: STF-Pleno - ADI n 2.777-8/SP - Rel. Min. Cezar Peluso, Diário da Justiça, Seção 1,16 fev. 2007, p. 17.

De tal sorte, encerrando este esboço, também é razoável se defender que o amicus curiae se limite a requerer o ingresso nos autos, não apresentando razões escritas, deixando apenas para falar em sustentação oral. Como já aludido, há manifestações neste sentido.

Portanto, dentro da razoabilidade, vale o gol aos 46 minutos do segundo tempo!


1. STF, Inf. STF 543, 2009, AgRg na ADIn 4.071-DF, rel. Min. Menezes Direito: "A possibilidade de intervenção do amicus curiae está limitada à data da remessa dos autos à mesa para julgamento. (...) Considerou-se que o relator, ao encaminhar o processo para a pauta, já teria firmado sua convicção, razão pela qual os fundamentos trazidos pelos amici curi pouco seriam aproveitados, e dificilmente mudariam sua conclusão. Além disso, entendeu-se que permitir a intervenção de terceiros, que já é excepcional, às vésperas do julgamento poderia causar problemas relativamente à quantidade de intervenções, bem como à capacidade de absorver argumentos apresentados e desconhecidos pelo relator. Por fim, ressaltou-se que a regra processual teria de ter uma limitação, sob pena de se transformar o amicus curiae em regente do processo". (Barroso, Luís Roberto O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência- 7ª. ed. rev. e atual. - São Paulo : Saraiva, 2016.).

2. Barroso, Luís Roberto O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência- 7ª. ed. rev. e atual. - São Paulo : Saraiva, 2016.

3. In Comentários à Constituição Federal de 1988 / coordenadores científicos : Paulo Bonavides, Jorge Miranda, Walber de Moura Agra; coordenadores editoriais: Francisco Bilac Pinto Filho, Otávio Luiz Rodrigues Júnior. - Rio de Janeiro: Forense, 2009.

4. In Comentários à Constituição Federal de 1988 / coordenadores científicos: Paulo Bonavides, Jorge Miranda, Walber de Moura Agra; coordenadores editoriais: Francisco Bilac Pinto Filho, Otávio Luiz Rodrigues Júnior. - Rio de Janeiro: Forense, 2009.

5. In Comentários à Constituição Federal de 1988 / coordenadores científicos: Paulo Bonavides, Jorge Miranda, Walber de Moura Agra; coordenadores editoriais: Francisco Bilac Pinto Filho, Otávio Luiz Rodrigues Júnior. - Rio de Janeiro: Forense, 2009.

6. Nery Jr., Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade Nery. Constituição Federal e legislação constitucional. São Paulo, RT, 3ª ed..

7. Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: atlas, 9ª ed.

8. Sarlet, Info Wolfgang; Marinoni, Luiz Guilherme; Mitidiero, Daniel. Direito Constitucional. São Paulo: RT.

9. Sarlet, Info Wolfgang; Marinoni, Luiz Guilherme; Mitidiero, Daniel. Direito Constitucional. São Paulo: RT.

10. Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: atlas, 9ª ed.

11. Apud Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: atlas, 9ª ed.

Tarsis N. S. Jorge

Tarsis N. S. Jorge

Doutor em Direito. Professor. Escritor.

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