MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Transação tributária e os seus benefícios para o empresário

Transação tributária e os seus benefícios para o empresário

O vigente Código de Processo Civil traz em sua essência a autonomia das partes, notadamente, quanto a autocomposição.

quarta-feira, 31 de março de 2021

Atualizado às 14:43

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Sabe-se que as execuções fiscais tramitam por anos ou até mesmo por décadas no Judiciário brasileiro, o que não é positivo para o Fisco, que não obtém a satisfação de seu crédito, e muito menos para o devedor, que se depara com a sua dívida aumentando cada vez mais por conta dos encargos da dívida: juros, correção monetária e multa moratória. Uma alternativa para resolver as pendências fiscais é justamente a transação tributária, que pode trazer inúmeros benefícios, inclusive reduzir o valor final a ser pago pelo contribuinte.

Inicialmente, podemos definir "transação" como o meio pelo qual é facultado às partes em litígio prevenirem ou terminarem a lide mediante concessões mútuas. Nesse sentido, Mendonça (2013) op cit Dinamarco (p. 120) dispõe que: "a autocomposição bilateral da transação, que se resolve em mútuas concessões (CC, art. 1.025) e, portanto, participa ao mesmo tempo da natureza da renúncia e da submissão, cada um dos sujeitos acedendo no parcial disposição de seus próprios interesses."

O vigente Código de Processo Civil traz em sua essência a autonomia das partes, notadamente, quanto a autocomposição. Visando atenuar ou quiçá erradicar a morosidade e burocracia do Poder Judiciário, incentiva a conciliação entre as partes, trazendo como regra a tentativa de conciliação antes da instauração do processo judicial, no início dele quando já estiver ajuizado, além de prever a possibilidade de acordo em qualquer fase do processo.

Muito já se discutiu sobre a possibilidade do Estado realizar qualquer tipo de acordo com os contribuintes em mora, notadamente, por duas razões:

(i) Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público: por este princípio, a Administração Pública possui o dever de realizar seus atos sempre se pautando pelos interesses da sociedade, sem que haja qualquer disposição dos bens e direitos públicos que administra, haja vista que o titular desses bens são os próprios governados, o povo. Há quem defenda que por este princípio, quando o Estado realiza qualquer tipo de acordo com seus devedores, ele estaria renunciando parte do seu crédito que, na verdade, pertence aos cofres públicos, ao povo; o que, por este princípio, a priori, seria vedado.

(ii) Atividade Administrativa Plenamente Vinculada: Pela própria definição trazida pelo Código Tributário Nacional, em seu artigo 3º, o qual prevê que tributo é "toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada". O referido artigo, ao trazer o termo "atividade administrativa plenamente vinculada", é o responsável pela não aceitação do uso da arbitragem e da transação por parte da doutrina, uma vez que, ao contrário do que norteia o direito privado em que os indivíduos só não podem fazer aquilo que lhes é proibido, no direito público o Estado só pode fazer o que lhe é permitido. Entretanto, no mesmo artigo, paralelamente à atividade estatal vinculada, vige e prevalece no direito público o interesse da sociedade dita como um todo em detrimento do interesse estatal.

Diante disto, é correto afirmar que ao Estado é vedado dispor da atividade de fiscalizar, lançar e arrecadar o tributo, tendo em vista a sua função estatal constitucionalmente determinada, porém a forma com que o fisco determina que receberá o tributo, podendo ela ser judicial ou não, não implica em renúncia do interesse público. 

Desta forma, conclui-se "o que é indisponível, de fato, é a atividade de cobrança do crédito tributário" e não o crédito tributário "per si" (op cit, p. 72). O que nos leva à necessária reflexão acerca da disponibilidade do crédito tributário e da existência de autonomia da vontade do Estado para conferir solução arbitral à controvérsia tributária.

Além do que, o próprio Código Tributário Nacional prevê que o crédito tributário pode ser anistiado, transacionado, remido ou parcelado, conforme disposição dos artigos 1511, 1562, 1713 e 1804.

Desta forma, o questionamento aqui posto refere-se à possibilidade do Estado renunciar ou não à solução das lides em que o envolve pelo meio judicial e também sobre os benefícios aos devedores decorrentes desta transação tributária.

Embora o artigo 841 do Código Civil traga a possibilidade de transacionar direitos patrimoniais de caráter privado, não se exclui a hipótese do fisco valer-se deste instituto a fim de resolver as lides tributárias, uma vez que não estaria renunciando o interesse público - no caso, da esfera tributária, de fiscalizar, lançar e cobrar o tributo - mas apenas estaria escolhendo a forma de executar o pagamento do tributo.

Assim, embora haja doutrinadores contrários, é latente que a transação e arbitragem na seara tributária vem ganhando cada vez mais força e adesão pelas partes envolvidas no débito fiscal, seja ele judicial ou não. 

Nota-se que a preponderância que deve se ter encontra guarita no interesse público juntamente com o acesso à justiça, devidamente previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Magna Carta, o qual garante que: "nenhuma lesão ou ameaça do Direito será afastada da apreciação pelo Poder Judiciário, impulsionando qualquer pessoa que se sinta violada em seus direitos a recorrer ao Estado-Juiz".

A respeito da transação tributária, no ano de 2019, o fisco federal veiculou a Medida Provisória 899 de 16 de outubro de 2019, conhecida também como a "MP do "contribuinte legal", a qual foi convertida na lei 13.988/20.

O fisco federal, por meio desta medida provisória, objetiva estabelecer os requisitos e as condições para que a União, motivadamente - observado o princípio da oportunidade e conveniência da administração pública e o interesse público - e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígios envolvendo débitos tributários, nos termos do artigo 171 do Código Tributário Nacional.

A referida MP 899 estabelece que a transação nela prevista se aplica aos (i) aos créditos tributários não judicializados sob a administração da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; (ii) à dívida ativa e aos tributos da União, cuja inscrição, cobrança ou representação incumbam à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, (iii) no que couber, à dívida ativa das autarquias e das fundações públicas federais, cuja inscrição, cobrança e representação incumbam à Procuradoria-Geral Federal e (iv) aos créditos cuja cobrança seja de competência da Procuradoria-Geral da União, nos termos de ato do Advogado-Geral da União e sem prejuízo do disposto na lei 9.469/97.

A transação pode ser concebida nas seguintes modalidades: (i) por proposta individual ou por adesão na cobrança da dívida ativa; (ii) por adesão nos casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e (iii) por adesão no contencioso administrativo tributário de baixo valor. 

Após a edição desta MP, no final de novembro de 2019, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional publicou a Portaria 11.956, disciplinando os procedimentos, requisitos e condições necessárias à realização da transação na cobrança da dívida ativa da União, cuja inscrição e administração incumbam ao referido órgão. Assim, a cada interesse em composição, o referido órgão abrirá os respectivos editais com suas normativas.

Importante também destacar que para o devedor, a transação tributária proporciona inúmeros benefícios, sendo certo que há redução do seu passivo tributário; possibilidade de quitação da dívida fiscal com descontos significativos que podem chegar até 70% (setenta por cento) de desconto, redução de multas e juros, bem como obtenção de certidão de regularidade fiscal.

Vale frisar que todos esses benefícios podem ser concedidos a critério do fisco que lançará periodicamente programas de parcelamento os quais devem, obrigatoriamente, trazer um edital contendo todas as condições da transação tributária: quem pode aderir a transação, quais créditos que se sujeitam, formas de pagamento, redução de juros, multa, hipóteses de rescisão dentre outros pontos.

Com a pandemia da covid-19, houveram vários programas de parcelamentos, sendo que o mais recente, no âmbito federal, foi publicado em 11 de fevereiro de 2021, por meio da Portaria PGFN 1.696/21 que trata da transação por adesão para tributos federais vencidos no período de março a dezembro de 2020, e não pagos em razão dos impactos econômicos decorrentes da pandemia relacionada ao coronavírus e que se estende até junho deste ano o programa apelidado "Transação da Pandemia", com as mesmas regras e condições instituídas pelas Portarias PGFN 14.402/20 e 18.731/20. 

Por todo o exposto, temos que o parcelamento é uma das formas de transação tributária mais comum, mas que não extingue o crédito de imediato, tem-se apenas uma suspensão da exigibilidade da dívida, ou seja, é uma forma de pagamento que tem o condão de paralisar a cobrança do fisco, sendo necessária a quitação integral do parcelamento para que haja extinção da dívida fiscal.

Por sua vez, vale destacar que a adesão a determinada transação tributária não impede o posterior questionamento judicial dos aspectos jurídicos da dívida, tal como legalidade de determinado tributo, sua forma de cálculo, legalidade do ato administrativo, etc. Veja-se que o acesso à justiça é constitucionalmente garantido no artigo 5º, XXXV da CF/88 e não há renúncia por eventual acordo entre o fisco e contribuinte.

A transação tributária tem muito a acrescer tanto para o fisco quanto para o contribuinte devedor, a análise da sua viabilidade bem como de seus benefícios deve ser realizada por profissional capacitado e é fundamental para que seja realizada de forma legal, sob pena de ser considerada nula, e compensatória para o devedor.

--------------------

1- Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

I - moratória;

II - o depósito do seu montante integral;

III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.

V - a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;           

VI - o parcelamento.            

Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes. [sic]

2- Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

I - o pagamento;

II - a compensação;

III - a transação;

IV - remissão;

V - a prescrição e a decadência;

VI - a conversão de depósito em renda;

VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;

VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;

IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;

X - a decisão judicial passada em julgado.

XI - a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.             

Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149.

3- Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente [sic] extinção de crédito tributário.

4- Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, não se aplicando:

I - aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo sem essa qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro em benefício daquele;

II - salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de conluio entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas.

------------------

CASA CIVIL. Código Tributário Nacional. Disponível aqui. Acesso em: 20 ago.2018.

CASA CIVIL. Lei nº. 9.307 de 23 de setembro de 1.996. Disponível aqui. Acesso em: 20 ago.2018.

CASA CIVIL. Código de Processo Civil. Disponível aqui. Acesso em: 20 ago.2018.

CASA CIVIL. Constituição Federal. Disponível aqui. Acesso em: 20 ago.2018.

CRISTO, Alessandro. AGU defende arbitragem e transação tributárias. Disponível aqui. Acesso em 18 jul.2018.

MENDONÇA, Priscila Farisceli de. Transação e Arbitragem nas Controvérsias Tributárias. 2013. Disponível aqui. Acesso em 30 jul.2018.

RIBEIRO, Maria de Fátima. et al. A arbitragem tributária como forma de acesso à justiça: uma realidade ou instituto a ser desenvolvido no Brasil? Disponível aqui. Acesso em 26.08.2018.

SANTOS, Cristo. Acesso à justiça e o meio alternativo da arbitragem em matéria tributária. Revista de Direito Tributário e Financeiro. s-ISSN: 2526-0138. Curitiba/SP, vol. 2, p. 238-254. 2016. Disponível aqui.  Acesso em 21 ago.2018.

Mariana Munhaes Bigoto

Mariana Munhaes Bigoto

Advogada, Sócia do Escritório Guelfi, Atakiama & Munhaes - Advogados Associados, Especialista em Direito Público (Damásio), Planejamento Tributário (FGV), Direito Empresarial e Tributário (Unitoledo) e Propriedade Intelectual (WIPO).

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca