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Breves apontamentos sobre o crime de "stalking": Uma análise da lei 14.132/21

O delito de stalking e a legalidade como princípio reitor do Direito Penal.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Atualizado às 12:18

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No último dia 31 de março, o Presidente da República sancionou a lei 14.132 de 2021, acrescentando o art. 147-A, no Código Penal e revogando o art. 65 da loei de Contravenções Penais.

Referida mudança legislativa, positiva em nosso ordenamento jurídico a figura típica da perseguição ou stalking, in verbis:

"Art. 147-A.  Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I - contra criança, adolescente ou idoso;

II - contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III - mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

§ 3º Somente se procede mediante representação.

É bom que se diga que, antes da reforma legislativa em apreço, referida conduta não raras vezes era enquadrada como mera perturbação da tranquilidade alheia, daí o acerto em se revogar as disposições contidas no art. 65 da lei de Contravenções Penais.

Tratando-se de norma penal mais gravosa (lex gravior) é vedada sua retroatividade à luz do art. 5º, XL da Constituição Federal e 2º do Código Penal.

O stalking (versão à brasileira do verbo inglês to stalk) consubstancia-se na perseguição compulsiva (obsessão) que acaba por restringir demasiadamente a liberdade e a intimidade da vítima.

Neste sentido, incidiriam na conduta proibitiva a figura dos haters (odiadores - pessoas que destilam ódio gratuito na internet, elegendo inimigos imagináveis), por exemplo.

Como se pode notar, o novel delito somente terá incidência se a perseguição se der de maneira reiterada, há que se praticar, portanto, repetidos atos de importunação (crime habitual), que limitem a capacidade de locomoção ou, invadam o espectro de liberdade ou privacidade da vítima.

A tentativa, nada obstante ser de difícil configuração, é admissível.

Trata-se, ainda, de um delito de forma livre (podendo ser praticado por qualquer meio).

É importante assinalar que, o vernáculo utilizado pelo legislador certamente suscitará aguçadas críticas em âmbito doutrinário.

Isto porque, as expressões constantes no caput do art. 147-A, quais sejam "qualquer modo" e "qualquer meio"afrontam sobremaneiraoprincípio da taxatividade em matéria penal, porquanto dão azo à punição de qualquer conduta, abrindo margem para decisionismos (Streck) e subjetivismos por parte dos atores jurídicos.

Lembremo-nos com Rogério Sanches Cunha (2015, p. 85) que o princípio da taxatividade "é dirigido mais diretamente à pessoa do legislador, exigindo dos tipos penais clareza, não devendo deixar margem a dúvidas, de modo a permitir à população em geral o pleno entendimento do tipo criado".

Demais disso, é comezinho que a norma incriminadora, ao definir a conduta típica, deve indicar com higidez e precisão os elementos que a compõe, não bastando para isso uma definição genérica (TAVARES,2020, p.71)

Logo, sendo a taxatividade um princípio derivado do principal pilar do Direito Penal - o princípio da legalidade (SEMER, 2020, p. 57), o crime em estudo apresenta-se como sendo de duvidosa constitucionalidade.

Para que se tenha uma ideia da abertura semântica do tipo penal em análise, condutas cotidianas como as famigeradas ligações de telemarketing seriam, em tese, formalmente típicas.

Do §1º, extrai-se três causas de aumento de pena, de molde que, em sendo o crime praticado contra criança (pessoa com até doze anos de idade - art. 2° da lei 8.069/90), adolescente (pessoa entre doze e dezoito anos de idade - art. 2º da lei 8.069/90) ou idoso (pessoa com sessenta ou mais anos de idade - art. 1° da lei 10.741/03), contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do §2º-A do art. 121 do Código Penal, mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma a pena será aumentada de metade.

Em sendo verifica a incidência de duas ou mais majorantes (v.g. crime praticado contra criança mediante concurso de pessoas), aplicar-se-á o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que "é possível o deslocamento de majorante sobejante (aquela ainda não considerada) para a primeira ou segunda fases da dosimetria da pena (HC 463.434-MT, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 25/11/20, DJe 18/12/20)

Enfatize-se ainda que, nos termos do §2º, as penas prescritas no crime sub examine serão aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

No que tange ao caráter processual, de se ver que, se o delito for praticado em sua modalidade simples será cabível a transação penal (art. 76 da lei 9.099/95) e a suspensão condicional do processo (art. 89 da loei 9.099/95), haja vista estarmos diante de uma infração penal de menor potencial ofensivo. O rito, a ser adotado será o sumaríssimo, nos termos do art. 61 da lei 9.099/95.

Se praticado em sua forma majorada, o rito a ser aplicado será o sumário, e a nosso sentir, incabível cogitar-se da aplicação do acordo de não persecução penal (art. 28-A, do CPP). Há, contudo, posição doutrinária em sentido contrário (ver por todos: QUEIROZ, Paulo. Acordo de não persecução penal - lei 13.964/219

Por derradeiro, apregoa o §3º, que o crime de stalking, será perseguido mediante representação da vítima. Deste modo o ajuizamento da ação penal por parte do Ministério Público estará atrelada ao acatamento da condição de procedibilidade (representação) sob pena de rejeição da denúncia na esteira do disposto pelo art. 395, II, do Código de Processo Penal.

Resumidamente, e à guisa de conclusão, permita-nos reproduzir a crítica que encetamos quando da análise dos tipos penais abertos, no sentido de que, o louvável escopo protetor dos bens jurídicos não pode servir como um "manto" intransponível ao legislador, na edição de tipos penais de duvidosa constitucionalidade.

É preciso ter em mente, que os princípios no Direito Penal, são verdadeiros "soldados de reserva" na luta contra os arbítrios estatais. Não podem estes, serem relegados, abrindo-se margem para decisionismos exacerbados, contemplando, pois, tipos penais que agradem de "gregos" a "troianos" (LUCIANO; DEUS FILHO, 2021).

E é exatamente isso que ocorre com novo art. 147-A, do Código Penal.

__________

TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019.

SEMER, Marcelo. Princípios penais no estado democrático de direito: anotado com as alterações da Lei 13.964/19. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito Penal, parte geral. 3ª. Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015.

LUCIANO, Geraldo; DEUS FILHO, Leandro de. Crimes Ambientais: Anotações à Lei 9.605/98. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021.

Leandro de Deus Filho

Leandro de Deus Filho

Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências e Tecnologia de Unaí - FACTU. Pós-graduando em Direito Constitucional e Processo Penal - CERS. Coautor do livro "Crimes Ambientais: Anotações à Lei 9.605/98" - Livraria do Advogado.

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