Enfoque jurídico da pandemia: Uma perspectiva de solução
Há diminuição da arrecadação tributária, com reflexos na prestação de serviços públicos, já precária, no país.
quarta-feira, 7 de abril de 2021
Atualizado em 8 de abril de 2021 08:40
A pandemia tem levado a tempos tormentosos e de incertezas: (a) o gravíssimo problema da falta de estrutura da saúde, por decorrência de anos de pouco caso do Poder Público e, agora, por conta da pandemia, com muita gente contaminada pela covid-19, e número expressivo de pessoas mortas, numa situação inusitada e calamitosa.
(b) De outra parte, o desemprego, a fome, a miséria, devido ao fechamento indiscriminado do comércio e da indústria, em virtude de determinação de Estados e Municípios, levando milhares de pessoas ao abandono, com empresas à bancarrota, ou em recuperação judicial.
(c) Como conciliar essas situações aparentemente antagônicas? Sim, porque, segundo especialistas da área, divulgado pela grande imprensa, o lockdown seria a medida necessária e urgente para não piorar o quadro da saúde pública. Outros, ao contrário, pregam a abertura do comércio, a fim de garantir o emprego e manter a economia funcionando.
(d) O primeiro passo para solucionar tantos problemas reside na necessidade de os governantes implementarem, de forma conjunta e harmônica, políticas consistentes de profilaxia e medidas necessárias de controle e fiscalização da pandemia, a fim de garantirem o mínimo de segurança e estabilidade nas relações sociais.
Porém, não foi o que se viu!! Num exemplo extremo, chegou-se ao absurdo de Municípios impedirem livre ingresso de pessoas de outras localidades, em afronta ao artigo 5º, XV, da Constituição Federal ('é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens'), e ao artigo 19, II, o qual veda às entidades políticas distinções entre brasileiros ou preferências entre si. Em vez de tomarem medidas profiláticas, simplesmente, impediram ingresso desses cidadãos brasileiros em seus territórios!!!
Finalmente, Estados e Municípios elaboram suas próprias políticas de atendimento prioritário para a vacinação, olvidando, assim, o plano nacional.
A falta de sintonia burla a realidade, dificulta as estatísticas e o monitoramento dos infectados pelo vírus. Fica quase impossível um controle coerente, uniforme e duradouro da covid-19.
Essa insegurança jurídica, política e social, levou à propositura de ações no Judiciário, com decisões determinando a abertura do comércio, proferidas por magistrados de primeira instância, muito bem-intencionados e sensíveis aos problemas da população local.
Todavia, o emaranhado de providências administrativas, díspares e desencontradas, rompe o tecido social e põe em risco a própria existência do Estado. Assim, a 'paralisação da indústria e do comércio' coloca na rua milhares de pessoas, que desejavam trabalhar e produzir, ganhar o pão de cada dia, para sua família (e para o bem de todos)! Há diminuição da arrecadação tributária, com reflexos na prestação de serviços públicos, já precária, no país,
(e) Propõe-se protocolos formais, entre governantes - União, Estados e Municípios - e entidades representativas de empresários, para estabelecer 'metas de desempenho', de ordem sanitária e econômica, conforme a legislação vigente. O diálogo, sensato, sem ideologias, visando tão-somente à saúde e à atividade econômica, traria resultados proveitosos à sociedade. Nesse sentido, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (DL 4.657/42) permite ao Poder Público firmar compromissos com os interessados (art.26, incluído pela lei 13.655, de 2018), com a finalidade de solucionar, conciliar, o interesse público e o interesse particular.
(f) Algumas medidas urgentes poderiam ser tomadas para tentar diminuir a aflição do povo brasileiro. Conforme se sabe, nos termos da lei 14.125, de março de 2021, entidades privadas podem adquirir e importar vacinas, na proteção à pandemia; porém, as vacinas devem ser doadas ao sistema público de combate à pandemia, e utilizadas de forma gratuita. Ora, na atual circunstância econômica, resta saber qual empresário terá interesse na importação das vacinas, pois terá de doá-las ao SUS, num momento de faturamento baixo, devido ao fechamento do comércio e da indústria em geral.
Logo, seria bom alterar-se a lei 14.125, de março de 2021, para permitir entidades privadas importarem as vacinas, destinadas aos empregados (ou associados) e respectivos familiares (que residam com essas pessoas); se houver sobras das vacinas, aí sim, seriam doadas ao sistema público.
Todavia, se permanecerem fechados o comércio e a indústria, a mudança na lei não alterará o quadro, porquanto o empresário, além de não obter recursos para a importação das vacinas, não terá incentivo para a vacinação de seus empregados, pois não estarão trabalhando!!!.
A par disso, a lei poderia conferir às clínicas de caráter privado, ou outras entidades privadas, autorizados pela Anvisa, importarem vacinas e aplicá-las nas pessoas; 'em estabelecimentos autorizados pelo órgão sanitário local' (art.2º,§2º, Lei 14.125). Essa providência, certamente, agilizaria a vacinação; além disso, o sistema público continuaria na sua missão, atendendo a população em geral, agora menos sobrecarregado, podendo, dessa forma, atender aos necessitados, ou portadores de comorbidades.
Portanto, a solução está na alteração da lei, bem como no retorno da atividade empresarial, de forma gradativa, mediante controle sanitário, e imposição de sanções suficientemente aptas para evitar o descumprimento das normas sanitárias pela população e por agentes públicos.
(a) Na área criminal, em recente decisão, o Supremo Tribunal firmou a seguinte tese de repercussão geral: "É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, com a redação dada pela lei 9.677/98 - reclusão de 10 a 15 anos - à hipótese prevista no seu parágrafo 1º-B, inciso I, que versa sobre a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para esta situação específica, fica repristinado o preceito secundário do artigo 273, na redação originária - reclusão de um a três anos e multa". (RE 979962, Tema 1003)
Embora serodiamente (a modificação da lei que aumentou as penas do tipo penal ocorreu em 98), essa decisão veio bem a calhar, porque têm havido, há anos, situações de injustiças flagrantes, ante a desproporcionalidade entre a conduta do réu e a sanção penal correspondente (10 a 15 anos).
Contudo, para combater a pandemia, nos termos do artigo 3º, do Código Penal Brasileiro, o legislador federal poderia estabelecer infrações e sanções criminais, com vigência temporária: até a revogação do ato que decretou o estado de calamidade pública; ou enquanto perdurar a declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, Espin). Haveria, portanto, tipos e sanções penais, exclusivamente, no combate à pandemia.
Alternativamente, aumentar as sanções criminais de alguns tipos penais, como a do artigo 268, que comina pena de detenção de um mês a um ano, e multa, a quem infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa [Infração de Medida Sanitária Preventiva]. O tipo legal é norma penal em branco, pois demanda legislação suplementar, as normas sanitárias da União, Estados e Municípios, as quais são desconhecidas ou não-cumpridas pela população.
De toda forma, a pena estipulada na norma penal é branda, ainda quando aumentada (1/3), na forma do parágrafo único, do artigo 268, ou seja, quando o delito for cometido por funcionário da saúde.
Mesmo se ocorrerem as causas de aumento de pena previstas no artigo 258, do Código Penal Brasileiro [remessa do art.285: resultar lesão corporal de natureza grave, ou morte], a sanção do tipo legal (art.268) continua aquém da necessidade de alcançar a finalidade da pena, ou seja, a de prevenir, atemorizar, supostos infratores, na prática de ilícitos. Deveria haver, assim, penas maiores, para quem infringisse normas sanitárias, ou determinações de autoridades, na proteção da pandemia.
Apesar dessas considerações de ordem jurídica, no plano sociológico as alterações legislativas não teriam efeitos práticos, ou causariam injustiças, devido às inúmeras regras e determinações de autoridades públicas, na proteção à saúde, em tempos de pandemia.
O cipoal de normas e determinações administrativas, inseridas no tipo penal, impedem, ou dificultam, a responsabilização da sociedade, devido à ausência de segurança jurídica, em que pese o artigo 21, CPB (erro sobre a ilicitude do fato). Além do que, muitas pessoas estão simplesmente revoltadas com toda a problemática (saúdeXemprego); penalizá-las seria injusto e cruel!!
(b) Já, no Poder de Polícia do Estado, além da competência concorrente para legislar na área sanitária (art.24, XII, CF), União, Estados e Municípios detêm competência material, de execução, comum, para a proteção da saúde (art.23, II,CF) [atos administrativos e providências administrativas].
Assim, por força do Texto Constitucional, medidas administrativas (providências concretas) devem ser tomadas contra a covid-19, por todas as entidades políticas, sobretudo por Estados e Municípios (art.198, CF; Lei 8.080, de 1990, art.7º, IX), que estão próximos das ocorrências, a fim de evitar-se a propagação da doença, altamente contagiosa. Coibir festas clandestinas, suspender a atividade de estabelecimentos que estejam descumprindo, reiteradamente, as normas e determinações sanitárias, são providências importantíssimas no combate à pandemia.
Em suma, as entidades políticas, com base na Constituição Federal, precisam reunir esforços na fiscalização e medidas de controle da pandemia, inclusive com imposição de penalidades administrativas (multas e, se couber, interdições de estabelecimento) pela entidade política competente (Poder de Polícia [Administrativa], Heraldo Garcia Vitta, Malheiros, 2010)
(c) Na área cível, a lei 14.125, de março de 2021, refere, expressamente, à responsabilidade civil das entidades políticas, por eventos pós-vacinação, quando adquirirem e importarem as vacinas, de acordo com os instrumentos firmados com a aquisição ou fornecimento delas, isto é, nos termos dos acordos feitos com os fornecedores estrangeiros.
A pergunta; entidades privadas teriam a mesma responsabilidade civil, ao adquirirem ou importarem as vacinas por conta própria?; em princípio sim, especialmente se firmarem acordos com os fornecedores estrangeiros, assumindo essa responsabilidade.
Dependendo da hipótese, conforme o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro, a responsabilidade civil independe da demonstração da culpa, nos casos legais, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.' Em tais situações, bastariam as evidências do dano e do nexo causal; nessa linha, haveria, se for o caso, a responsabilidade civil objetiva, referida no Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90, arts.12 e 14, dentre outros).
O fato é que a economia não pode ficar estagnada; com mais de 14 milhões de pessoas desempregadas, empresas em recuperação judicial ou falência, tantas outras 'fechando as portas', de maneira informal, a solução é a abertura gradual do setor produtivo, com o cumprimento do regime sanitário, a fiscalização eficaz dos órgãos administrativos, a aplicação de vacinas na população (com a participação de entidades privadas), auxílio emergencial dos governantes (Federal, Estaduais e Municipais) aos necessitados e incentivos fiscais às empresas.