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Arbitragem dos investimentos internacionais: os modelos Estado-Estado e Investidor-Estado

As modalidades de arbitragem internacional de investimentos, Investidor-Estado e Estado-Estado constituem como o método mais utilizado no comércio internacional. Essa histórica utilização é confrontada com o forte crescimento das economias emergentes no sistema financeiro internacional.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Atualizado em 9 de abril de 2021 09:27

O bloqueio do navio da empresa Evergreen no Canal de Suez leva o questionamento sobre o custo da paralisação no fluxo comercial e, principalmente, os prejuízos advindos de eventuais investimentos que demandam a chegada de insumos e bens produzidos em diferentes regiões no mundo. O canal de Suez responde por 12% do comércio mundial e o custo semanal da interrupção pode gerar uma redução da taxa de crescimento do comércio mundial de 0,2% a 0,4%, apresentando grande impacto para os mercados do Oriente Médio e Leste Asiático.1

O Direito Internacional do Investimento, enquanto parte integrante do Direito Internacional, regula as relações que envolvem os investimentos no plano internacional. Os investimentos internacionais (também chamados de transfronteiriços ou estrangeiros) se dividem, em termos gerais, em privados, que envolvem os investimentos estrangeiros diretos (Foreign Direct Investments - FDI) e os investimentos de capital especulativo (Portfolio Investments) e os públicos, decorrentes dos fundos soberanos, empresas estatais e das ajudas oficiais via bancos multilaterais de desenvolvimento.

O tema da arbitragem internacional dos investimentos envolve diferentes sujeitos. Em linhas gerais, os acordos bilaterais de investimentos (Bilateral Investment Agreements - BITs) ou os acordos que definem as áreas de livre-comércio (Free Trade Areas - FTAs) com regras de investimento, como o Acordo USMCA (United States-Mexico-Canada Agreement),2 que data de 1994, e a área de livre-comércio da África (African Continental Free Trade Area - AfCFTA), recentemente implantada em janeiro de 2021, estipulam regras específicas a solucionar conflitos entre as partes signatárias. Comumente adota-se um modelo de resolução por meio da arbitragem internacional ad hoc, em que o tratado internacional define o processo de seleção dos árbitros, a lei de aplicação do mérito e a vinculação a alguma regra procedimental, por exemplo, as normas arbitrais procedimentais do Centro Internacional para a Resoluc¸a~o de Conflitos sobre Investimentos (International Centre for Settlement of Investment Disputes - ICSID), criado pela Convenção de Washington de 1965. O ICSID corresponde a uma das cinco organizações internacionais que compõem o Grupo Banco Mundial.

Esse modelo de arbitragem divide-se em duas espécies: arbitragem Estado-Estado e Estado-Investidor.

A arbitragem Estado-Estado é historicamente utilizada desde o século XIX para a resolução de desavenças quanto a fronteiras entre Estados e solucionar questões de investimentos. A exemplo, cita-se a a Convenção Drago-Porter de 1907 que limitava (e não proibia) o uso da força armada de um Estado credor a outro devedor, decorrente de dívida de uma nação ou de seus nacionais. A força militar era permitida somente em duas hipóteses (Artigo 1): (i) se o Estado devedor recusasse ou negligenciasse resposta a uma oferta de arbitragem; e (ii) tendo aceito a oferta de arbitragem, impedisse a celebração de qualquer compromisso arbitral ou recusasse a se submeter à decisão do árbitro.3 Observa-se que o Direito Internacional do Investimento se constitui como um instrumento a paulatinamente substituir o uso da força militar e assegurar investimentos dos nacionais e empresas do Estado exportador de capital.

Somente com o advento da Carta das Nações Unidas em 45, o uso da força ficou restrito em duas situações conforme o seu Capítulo VII: (i) no caso de legítima defesa do Estado submetido a uma agressão externa; e (ii) mediante resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, sem que haja veto por nenhum dos cinco membros permanentes (Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia).

Já a arbitragem Investidor-Estado é historicamente a mais usual nos BITs e FTAs tradicionais e tiveram grande adesão na década de 1990, inseridos no contexto das medidas neoliberais apregoadas pelo Consenso de Washington.

Conforme o Relatório Mundial de Investimentos da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), de 2020, existem em vigor 2.654 acordos internacionais sobre investimento (acordos bilaterais e de livre comércio com disposições sobre investimentos). Contudo, as duas décadas dos século XXI demonstram forte decréscimo do número de assinatura de acordos, sendo inclusive o ano de 2019 mais denúncias de instrumentos existentes (34) que novas assinaturas (22). A título de comparação, no ano de 1995 teve mais de 200 tratados assinados sobre investimento.

Observa-se uma maior concentração de assinatura de tratados dessa temática na década de 1990, período este marcado pela disseminação de práticas neoliberais. Interesse observar que o mesmo relatório demonstra um sistemático aumento de casos arbitrais sobre investimento a partir do século XXI. No ano de 2017, foram registrados mais de 80 casos. Entre 1987 a 2019, registram-se 1.023 casos arbitrais. O número de assinaturas de novos acordos de investimentos diminui enquanto o número de casos arbitrais aumenta. Observa-se que os conflitos sobre investimentos no atual modelo arbitral pode ser considerado como uma causa persististe a alterar o posicionamento dos países a se tornarem signatários dessas espécies de tratados sobre investimentos.4

Frente ao debate crítico do Direito Internacional do Investimento, principalmente liderado pelos países emergentes que se caracterizam como importantes atores no sistema financeiro internacional, há forte contestação ao uso da arbitragem Investidor-Estado, vista como uma forma de proteção unilateral do investidor estrangeiro contra o Estado importador de capital.

Uma vez que a China e Índia se configuram como importantes países exportadores de capital, os próprios países desenvolvidos valem-se de proteções domésticas fundamentadas no interesse público e segurança nacional a impedir aquisições de empresas por investidores de nacionalidade dos países emergentes.

A exemplo a empresa estatal chinesa CNOOC Ltd, do setor petrolífero, alegou politizado da pauta de comércio e investimentos pelos Estados Unidos em 2005 a impedir a compra da empresa norte-americana UNOCAL Corp., tendo oferecido um valor de compra muito superior à segunda colocada, a empresa Chevron Corp.5

Dessa forma, o sistema financeiro internacional se encontra em profunda alteração, a partir do reposicionamento dos países emergentes, como China e Índia, e acarreta efeitos diretos na elaboração dos instrumentos jurídicos internacionais a regular os investimentos no século XXI, bem como na adoção de meios alternativos de solução de conflito

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1 Mary-Ann Russon. The cost of the Suez Canal blockage. BBC News. 29 de março de 2021. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 29 mar. 21.

2 O Acordo USMCA substituiu em 2020 o anterior Acordo de Livre Comércio da América do Norte (North American Free Trade Agreement - NAFTA), assinado em 1994 (UNITED STATES GOVERNMENT. Agreement between the United States of America, the United Mexican States, and Canada. Office of the United States Trade Representative. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 21 mar. 21).

3 LIBRARY OF CONGRESS. Limitation of Employment of Force for Recovery of Contract Debts (Hague II). II Conferência de Haia. 18 de outubro de 1907. Disponível em: clique aqui.pdf. Acesso em: 23 mar. 2021

4 UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT - UNCTAD. World Investment Report 2020. International production beyond the pandemic. United Nations, 2020. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 21 mar. 2021.

5 POTTINGER, M.; GOLD, R.; PHILLIPS, M. M.; LINEBAUGH, K. Cnooc Drops Offer for Unocal, Exposing U.S.-Chinese Tensions. The Wall Street Journal. 3 de agosto de 2005. Disponível em:  clique aqui. Acesso em 29 mar. 2021.

Thiago Ferreira Almeida

Thiago Ferreira Almeida

Advogado e especialista em Direito Internacional do Investimento e em Parcerias Público-Privadas. Doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG. Mestre em Direito Internacional e Graduado em Direito pela UFMG. Graduado em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Professor de MBA de Infraestrutura, Concessões e Parcerias Público-Privadas na PUC Minas. Especialista de Políticas Públicas de carreira e assessor de investimentos internacionais da Vice-Governadoria do Estado de Minas Gerais.

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